Harraca fez carreira de mais de 20 anos na ArcelorMittal, à frente das áreas de inovação, gente e ESG (Daniel Mag/ Ânima/Divulgação)
Editora do EXAME IN
Publicado em 26 de novembro de 2024 às 09h35.
Última atualização em 26 de novembro de 2024 às 10h45.
Os últimos três anos não foram fáceis para a Ânima Educação. A aquisição dos ativos da Laureate, dona da universidade Anhembi Morumbi, feita em meados de 2021 e maior que a própria companhia, foi um movimento ousado.
Mas a integração foi mais lenta que o esperado e os R$ 4,4 bilhões pagos na transação acabaram pressionando o endividamento num momento complicado para o mercado de educação no pós-pandemia.
Após um longo processo de turnaround, 2024 foi o ano da virada: a companhia conseguiu voltar a gerar caixa e vem melhorando sua rentabilidade há 11 trimestres consecutivos, levando a dívida de volta para o patamar abaixo das 3 vezes o EBITDA.
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Agora, com a casa arrumada e sob nova direção, a Ânima quer mostrar que pode voltar a entregar crescimento, a despeito do vento contra da macroeconomia. “Vamos dobrar a Ânima de tamanho”, disse a CEO Paula Harraca no Dia do Investidor, o primeiro sob seu comando.
Com 20 anos de experiência na Arcelor Mittal, especialmente nas áreas de inovação e recursos humanos, a executiva foi a primeira fora do grupo fundador a assumir a rede de universidades, que congrega 18 marcas em todo o país.
Há cinco meses no cargo, Harraca não deu um timing para atingir o objetivo. Mas garante que o terreno está preparado para apresentar uma expansão de receita relevante já em 2025.
No que chama de Terceira Onda da Ânima, não há nenhum movimento transformacional – apenas uma empresa finalmente bem orquestrada para entregar expansão alavancando todo o poder seu ecossistema. “Passamos da fase do conserto, com S, para o concerto com C”, diz a executiva.
Há crescimento a ser entregue no seu core business de cursos de graduação, um mercado de R$ 50 bi no país, incluindo os cursos de medicina, onde a Ânima atua por meio da Inspirali, onde é sócia da DNA Capital, da família Bueno, antiga dona da Amil e hoje da Dasa.
Mas há também uma nova via de crescimento pronta para ser destravada em pós-graduação e B2B, que lhe dão acesso a outros R$ 50 bilhões em mercado endereçável. Aqui, o foco é principalmente extrair valor da HSM e a Singularity, que nasceu no Vale do Silício – duas potências da educação corporativa e que hoje apenas beliscam o mercado mais voltado para o C-Level.
“A Ânima nunca esteve tão bem orquestrada. Temos uma fortaleza muito grande em todo o nosso ecossistema, em que as marcas operavam de forma muito isolada. Hoje, tudo é baseada em dados e há executivos responsáveis pelo crescimento de cada vertical”, diz Harraca em entrevista exclusiva ao INSIGHT.
Entre os investidores, o plano foi bem recebido, mas o mercado não quer pagar na frente – especialmente em meio ao processo de desalavancagem que ainda está em curso.
As ações da Ânima seguem próximas da sua mínima histórica, negociadas a cerca de R$ 2,30, com valor de mercado de R$ 1 bilhão.
Se ninguém questiona o posicionamento de qualidade das universidades da Ânima e o portfólio forte, entre os investidores há uma certa percepção de falta de pragmatismo e senso de urgência – exatamente os pontos que a nova direção quer atacar.
“A performance da ação vai ser amplamente ditada pela execução dessa nova estratégia de crescimento e pelos esforços de desalavancagem”, escreveu o analista Samuel Alves, do BTG Pactual, em relatório.
O banco se diz “cautelosamente otimista” com processo gradual de desalavancagem e tem recomendação de compra, com preço-alvo de R$ 7.
A Ânima fala hoje muito abertamente sobre as dificuldades na digestão da Laureate. “Olhando para o retrovisor, tem uma honestidade e um aprendizado muito grande de que subestimamos o desafio da integração”, aponta a executiva.
O processo de integração de sistemas, de backoffice ao educacional, levou mais tempo que o esperado e foi concluído apenas no fim do ano passado. Mas a principal questão foi cultural.
“A Laureate tinha uma cultura em que você tinha que pedir permissão para fazer qualquer coisa. Era um mundo totalmente padronizado, procedimental. Na Ânima, você pode fazer de tudo, um mundo empreendedor, onde tudo pode. Pegamos o melhor de cada um dos mundos.”
O processo agora está concluído, afirma Harraca. Apesar de ver novas avenidas de crescimento, a principal ‘concerto’ da Ânima está acontecendo no seu core business, de cursos de graduação.
Diferentemente das concorrentes listadas, que em sua maioria apostaram em preços mais acessíveis e na educação à distância para crescer na década passada, a Ânima sempre focou em instituições de excelência reconhecida.
Ao todo, são 18 marcas espalhadas pelo Brasil – um desafio do ponto de vista de posicionamento de mercado, já que cada uma delas têm identidades específicas, em termos de região e públicos. Nada disso era conhecido com profundidade.
“Fizemos um mapeamento, um mergulho muito grande. Nunca tínhamos tido essa análise tão segregada como agora. Pela primeira vez na história, a Ânima tem uma estratégia para cada marca”, diz Harraca.
A surpresa foi boa: em geral, suas instituições estão crescendo acima da média do mercado nas respectivas regionais e várias delas são top of mind. Mais que isso: 83% dos formados saem da graduação já empregados, 75% delas nas suas áreas de atuação.
A principal providência foi azeitar a estratégia comercial. Em vez de ter apenas uma agência de publicidade fazendo a comunicação para todas as marcas, a Ânima contratou 10 agências em todo o país e está apostando em campanhas e identidades mais regionais para conseguir ganhar mais participação de mercado.
Com uma promessa: não aumentar a linha de despesas gerais e administrativas. “Vamos fazer mais com o mesmo orçamento, usando muita tecnologia e inteligência para fazer esses investimentos em mídia”, afirmou o CMO Daniel Bulgueroni.
Segundo ele, hoje uma série de ferramentas de inteligência artificial já permitem saber a assertividade do investimento em mídia, permitindo correções rápidas de rota se eles não estiverem apresentando o retorno esperado.
É uma forma de crescer, a despeito dos ventos contrários da macroeconomia. No seu processo revisão estratégica, a Ânima colocou o pé no freio na concessão de crédito estudantil e na atração de matrículas, para evitar o consumo de capital de giro e ser mais assertiva na retenção dos alunos e na inadimplência.
No segundo e terceiro trimestres, a estratégia já deu resultado financeiro, mas cobrou seu processo em termos de atração de novos alunos.
“Antes não sabíamos onde tínhamos os gaps”, diz a Harraca. “Hoje, sabemos que cursos tem potencial para crescer. Por exemplo, a Milton Campos, é uma das principais faculdades de direito do país tem um espaço enorme para crescer, mas estava com o freio de mão puxado, a estratégia de marketing não estava boa, o targeting do mercado não estava bom.”
Outra avenida de crescimento vem da medicina, que tem mostrado um crescimento maior em número de alunos que o core business. Apesar do aumento de oferta de assentos no Brasil, que cresceu 9% no último ano, o Guilherme Soárez, o responsável pela Inspirali, não vê uma concorrência excessiva.
“Pode ter alguma questão competetitiva em termos regionais, mas de forma geral, isso não altera muito a dinâmica do setor”, disse no encontro com os investidores.
Além da fortaleza das suas marcas, a empresa aposta no programa Mais Médicos III do governo para seguir crescendo e no life-long learning – os diversos tipos de cursos que os médicos acabam fazendo ao longo da vida, do preparatório para residência, até pós-graduações.
Dentro do cenário de mais concorrência, outra possibilidade é de ser uma Inspirali ‘as a service’, aponta o chairman Daniel Castanho. “Podemos fazer parcerias com outras instituições”, disse, sem dar mais detalhes.
Outro vento de cauda para o negócio é a tendência mais híbrida do ensino à distância. O Ministério da Educação ainda não divulgou suas novas diretrizes para o EAD. Mas numa ofensiva contra cursos que caça-níquel tem reforçado a importância de um currículo mais híbrido.
É música para os ouvidos da Ânima, que defende esse modelo há anos. “Eu já disse isso em entrevistas anteriormente: o EAD, como ele era, acabou”, diz Castanho.
Na nova estratégia de crescimento, o ensino híbrido é uma aposta para crescer especialmente no Brasil mais profundo, aproveitando-se da capilaridade regional das marcas, que estão em todo o país.
Com o investimento em estrutura presencial já feita nos últimos anos, a Ânima tem hoje uma capacidade ociosa que pode lhe dar uma alavancagem operacional importante – crescendo, sem a necessidade de fazer novos aportes.
Mais que a estrutura em sala, o mais importante são os laboratórios e a experiência profissional que cada aluno pode ter dentro dos polos.
“Temos aqui uma cozinha profissional, usada para gravar o Masterchef. Temos clínica veterinária, uma simulação de sala de cirurgia, um simulador de avião. É tudo capex que já está feito e instalado”, diz Harraca, fazendo alusão ao campus da Mooca de Anhembi Morumbi, onde aconteceu a conversa.
Uma nova aposta da Ânima está no mercado de educação corporativa.
Hoje, a HSM, sua marca para esse nicho, já é referência em cursos para C-level, mas a empresa quer ir além, escalando seu alcance nesse nicho, mas avançando para todas as etapas da educação corporativa: da pós-graduação aos cursos livres.
Nesse sentido, outra marca forte é a da Singularity, referência para as startups no Vale do Silício. A unidade duplicou a receita nos últimos cinco anos, mas ainda tem um share baixo em um mercado estimado em R$ 16 bilhões.
“Nossa intenção é ser um one-stop-solution para as empresas, indo da educação à consultoria para desenvolver pessoas e negócios”, resume Harraca.
Para tocar o negócio, a Ânima criou uma nova estrutura dedicada a clientes B2B dentro da holding. Hoje, a Ânima já tem contato mais de 500 empresas para conferir a experiência prática para seus alunos nas suas universidades – uma via que pode funcionar agora em mão dupla.
“Temos condições de atender em todos os níveis hierárquicos e em todas as áreas de conhecimento”, disse Rogério Loureiro, vice-presidente de growth.