Acumulação de reservas começou em 2004 e distorceu instrumento de política monetária; BC apoiou mudança (Bruno Coelho/Bloomberg)
Angela Bittencourt
Publicado em 16 de julho de 2021 às 09h36.
Última atualização em 19 de julho de 2021 às 18h45.
Dinheiro é bom. Melhor ainda quando está perto. Mas quando é muito atrapalha e o Banco Central sabe disso melhor do que ninguém. Há cinco anos, guarda R$ 1 trilhão dos bancos, mas isso pode mudar porque tem novidade na parada.
A saga de tirar de circulação uma montanha de recursos que pode partir para a especulação ou para o consumo desenfreado – em tempos normais de temperatura e pressão e não de pandemia – começou há quase 20 anos. Desde 2004, quando o Brasil começou a engordar suas reservas internacionais, o BC vende títulos públicos ao mercado, recebe dinheiro em troca e ainda paga por isso.
Esse caminho é exatamente o inverso do adotado pelos maiores bancos centrais do mundo na crise global de 2008, quando os mercados entraram em colapso, derrubaram as economias e levaram os BCs a despejar dinheiro (muito dinheiro) nos bancos para evitar quebradeira geral e reerguer a atividade. Demorou para dar certo, mas deu. Até hoje, porém, os BCs estão presos a essa armadilha, que só ficou mais apertada com a pandemia: compram títulos negociados por investidores e pagam em dinheiro. Assim, garantem mais moeda em circulação.
Em situações extremas, essas intervenções são compreensíveis ou necessárias. E basta o Federal Reserve (Fed) ou o Banco Central Europeu (BCE) ameaçar reduzir a injeção de dinheiro que Bolsas, juros e moedas entram em parafuso. Até por esse motivo, as operações continuam mantidas para a felicidade global das nações, inclusive, porque excesso de dinheiro na praça é convite a juro baixo.
No Brasil, de contas públicas estranguladas e endividamento vigiado por grandes investidores internacionais, as atuações do BC para enxugar o excesso de dinheiro de circulação está mudando de cara. E sob uma inspiração petista.
As operações utilizadas até agora para equilibrar a liquidez e a taxa de juro são as “operações compromissadas” do BC. Contudo, agora as instituições que quiserem manter dinheiro sob suas asas têm como alternativa os depósitos voluntários cuja criação – aprovada pelo Congresso – foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro na quinta-feira, 15. Os depósitos serão remunerados e a garantia da operação é o próprio BC. O projeto dos depósitos foi apresentado pelo líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), apoiado pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto e por praticamente todos os partidos. A ideia da proposta era dar ao BC um instrumento de controle de liquidez com menor impacto sobre a dívida pública.
A expectativa é de que, com o tempo, os bancos migrem para os depósitos voluntários, esvaziando as operações compromissadas que correspondem a cerca de 15% do Produto Interno Bruto (PIB).
Se esse movimento ocorrer, ainda que leve algum tempo, um dos resultados será a redução da dívida bruta do governo, uma vez que as compromissadas são incluídas neste cálculo por causa do uso de títulos do Tesouro como lastro, enquanto os depósitos voluntários serão uma dívida do BC com o mercado e não entrará no cálculo da dívida. Para alguns especialistas, inclusive, essa mudança de instrumento de gestão monetária poderá melhorar a foto da política fiscal para efeito de avaliações de investidores ou agências de classificação de risco de crédito.
A migração de recursos para os depósitos voluntários poderá também eliminar uma distorção do mercado brasileiro, comparável ao estoque gigantesco de recolhimentos compulsórios sobre depósitos bancários que o BC também tem em seu poder.
O projeto que viabiliza o novo instrumento, agora lei, ataca dois coelhos com uma cajadada: freia a emissão de títulos para garantir operações do BC e desincentiva a concentração de dinheiro no curto prazo – até pouco tempo atrás uma mania nacional que a inflação baixa para padrões históricos tratou de arrefecer.
O encastelamento trilionário de dinheiro nas operações compromissadas é parte da história econômica do Brasil e do nosso mercado financeiro. Essas operações socorreram o BC dentro de uma política maior, de governo: a decisão de acumular reservas internacionais para livrar o país de crises cambiais como as que sacudiram os mercados emergentes especialmente na década de 1990.
Essas operações ganharam escala em 2004. A decisão de acumular reservas foi tomada no segundo ano do primeiro mandato do ex-presidente Lula. Uma sucessão de crises cambiais – Sistema Monetário Europeu (1992), México (1994), Ásia (1997), Rússia (1998) e Brasil (1999) – mostrou a importância das reservas para defender moedas locais em caso de ataques especulativos. Tomada a decisão, em 2004, o BC começou a comprar dólares disponíveis no mercado, pagando em reais.
Em 2004, as reservas cambiais eram de US$ 52,9 bilhões; em 2010, US$ 288,6 bilhões. Em 2015, as reservas já superavam US$ 350 bilhões. De lá para cá, passaram a oscilar entre US$ 350 bilhões e US$ 370 bilhões. E foram elas que ajudaram o Brasil a não naufragar na crise financeira global de 2008/2009, quando socorreram empresas e bancos. E estão aí. Custam caro, mas são uma espécie de seguro para o país contra crises internacionais e até contra o mau humor de investidores estrangeiros.
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