Unico: plano de levar a biometria e a digitalização da vida pessoal para os mais variados setores da economia (Thinkstock/Thinkstock)
Karina Souza
Publicado em 2 de maio de 2022 às 07h01.
Reconhecimento facial pode ser considerado um termo ao mesmo tempo familiar e distante. Enquanto olhar para a tela do celular para desbloqueá-la faz parte da rotina de quem tem um smartphone, discutir vieses desse tipo de tecnologia e os riscos no caso de um eventual vazamento de dados já tomam uma dimensão mais complexa. No meio de todo esse admirável mundo (nem tão novo assim), está a Unico. A startup brasileira é líder no setor, reconhecida como uma das empresas de maior crescimento do segmento de inteligência artificial no mundo e foi, recentemente, avaliada em US$ 2,6 bilhões, em um investimento liderado pelo Goldman Sachs e pela General Atlantic, menos de um ano após conquistar o status de unicórnio. Após levantar US$ 100 milhões, as perguntas que ficam são: para onde a empresa vai, em um setor ainda difícil de definir?
Uma conversa com Paulo Alencastro, co-fundador da Unico, sugere que a resposta está na ponta de toda essa cadeia: o consumidor final. “Hoje, temos um foco grande em B2B, mas entendemos que o próximo passo é empoderar as pessoas. Entendemos que, se nós formos os líderes desse processo, conseguiremos fazer uma simplificação muito grande na relação de cada consumidor com diferentes empresas, como comprar um carro ou uma casa”, afirma o executivo.
É uma ideia presente desde o começo da empresa, quando ainda se chamava Acesso Digital e tinha como principal modelo de negócio armazenar documentos na nuvem. Evoluindo no tempo, hoje, o ‘mundo ideal’ para a Unico seria uma sociedade tão digitalizada quanto a da Estônia, em que documentos de cidadãos estão disponíveis de forma 100% digital.
Apesar de ter a inspiração em um modelo público, a Unico não tem — ao menos por enquanto — planos concretos de atuar nesse nicho. Alencastro afirma que a companhia está tentando conhecer mais desse ambiente no último semestre.
“Não temos nenhum problema em fazer, mas precisamos aprender primeiro como isso pode funcionar. A gente vê bons exemplos em outras práticas, por exemplo na Índia, que existe uma relação muito próxima do governo interagindo com empresas privadas nessa questão de utilizar reconhecimento facial para produtos e serviços. Temos boas chances de ter sinergias entre o governo e a Unico”, diz.
No curto prazo, o caminho para chegar até lá continuará sendo o mesmo dos últimos quinze anos, o relacionamento com empresas. Os principais setores atendidos pela Unico são o financeiro e o varejo, mas além deles tem presença menor em outros setores como Saúde e Telecomunicações. A companhia oferece, essencialmente, três serviços: autenticação de biometria (o maior em receita), admissão digital e assinatura eletrônica. Mas já mostra apetite para ir além disso.
No último ano, a startup fez três aquisições (da fundação da empresa até hoje, foram seis): Vianuvem (que atua na venda de veículos para pessoas), SkillHub (do setor de educação) e CredDefense (do setor de logística e locação de veículos). Podem parecer desconexas, à primeira vista, mas a companhia acredita que há oportunidades em cada um deles.
Para a primeira aquisição, o foco está em fornecer serviços de autenticação quando o consumidor final compra um veículo — eliminar a burocracia de troca de documentos entre vendedor e comprador para acelerar esse processo usando biometria. Na segunda, a missão é usar a biometria para garantir a identidade de quem está utilizando os benefícios de educação e, na terceira, fornecer o mesmo serviço para os setores mencionados.
Unir todas essas pontas depende dos dados das pessoas – principal diferencial visto pela companhia em relação à concorrência no futuro. Hoje, a Unico tem uma das maiores bases de dados do setor, com 25 milhões de transações autenticadas por mês, como acesso a bancos, cateiras digitais, fintechs e varejo.
Continuar nesse patamar depende de mais relacionamento, com mais empresas, e, claro, mais consumidores. No futuro, a empresa quer oferecer às pessoas a possibilidade de escolher quem pode consultar os dados delas e se querem manter essas informações com a startup ou não.
Dinheiro para isso, não deve faltar, ao menos no curto prazo: a companhia fechou 2021 com um aumento de 180% em receita e fechou um negócio por dia útil. Além disso, não usa o dinheiro das rodadas de investimento para tornar o negócio lucrativo — uma vez que a própria operação já garante esse resultado, segundo o fundador.
Isso tudo depende, é claro, de segurança. Para as empresas que são clientes da Unico (atualmente são cerca de 800) o tema é visto com bons olhos, principalmente pelo dinheiro perdido com fraudes de identidade. Um relatório da consultoria LexisNexis Risk Solutions mostrou que, na América Latina, para cada transação fraudulenta, companhias perdem em média 3,86 vezes o valor do que foi roubado.
Garantir a autenticação de transações é um trabalho e tanto nesse ecossistema e, por isso, a Unico mantém uma rotina bastante rígida de prevenção a vazamento de dados. Nesse pacote, entram desde conversas periódicas até componentes de tecnologia, trazendo profissionais referência no mercado e empresas especializadas. “Eu te diria que é um negócio meio neurótico nosso”, diz Alencastro.
Da porta para fora, a companhia quer mostrar às pessoas que é seguro usar a Unico principalmente ao mostrar a elas quem está consultando informações pessoais e fornecer autonomia para que possam controlar ao máximo o uso de dados.
Mas não para por aí. Além dos golpes cada vez mais criativos, a companhia quer exercer um papel mais educacional na vida das pessoas a respeito de compartilhamento de dados. Além disso, a tecnologia da Unico permite identificar se as fotos tiradas são de fato ao vivo (inibindo golpes em potencial com fotos de redes sociais, por exemplo). São os dois principais componentes que a companhia deve desenvolver ao longo do tempo. No fim do processo, está a análise humana, para chegar a um percentual próximo de 100% de garantia.
Paulo reconhece, entretanto, que a tecnologia tem limitações. Usar imagens sem consentimento das pessoas — como não lembrar do polêmico caso no metrô de São Paulo? — é uma delas. Para se blindar disso, a Unico sempre trabalha com questões alinhadas com a LGPD a fim de garantir que as pessoas entendam o que será feito. A empresa não pretende, contudo, entrar no ramo de vigilância e segurança, segundo Paulo.
Uma outra falha está na própria tecnologia em si — dado que a maior parte dos motores biométricos foram treinados em populações brancas ou asiáticas. Para contornar essa falha, em 2020 a Unico criou dentro do próprio ecossistema uma empresa que desenvolve o algoritmo utilizado pela empresa.
“Utilizamos três tecnologias combinadas para minimizar esse tipo de risco, mas é um grande diferencial nosso. O fato de a gente ter milhões de fotos possibilita que a gente treine os nossos próprios motores com a questão multicultural, para que uma pessoa negra, como eu, não passe por falhas no sistema. Temos uma periodicidade de avaliação trimestral para verificar como essas tecnologias estão funcionando”, diz Alencastro.
Tudo isso, somado ao hábito dos brasileiros, forma a base para a companhia avançar. “Falando das pessoas em relação a isso, o brasileiro tem culturalmente o apego ao celular, adora tirar uma selfie. Ele já está acostumado, então esse universo já tem um ambiente muito mais propício para isso”, afirma.
Não só o Brasil, é claro. Dados compilados pela plataforma de análises The Insight Partners mostram que o mercado de reconhecimento facial é estimado em US$ 5 bilhões em 2021 e deve alcançar US$ 12,6 bilhões em 2028, um crescimento anual composto de 14,2% nesse período. É a maior fatia desse mercado que a Unico deve querer no Brasil — e, ao menos por enquanto, tem atraído atenção suficiente de quem quer impulsioná-la a chegar lá.
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