Roberto Funari: presidente desde janeiro de 2019, após 15 anos de Márcio Utsch (Alpargatas/Divulgação)
Graziella Valenti
Publicado em 13 de dezembro de 2020 às 16h27.
Última atualização em 13 de dezembro de 2020 às 18h12.
A Alpargatas, dona da Havainas e da Osklen, vive uma revolução silenciosa desde 2017, quando Itaúsa e Cambuhy Investimentos, a gestora de recursos que conta com patrimônio da família Moreira Salles, se uniram para comprar o controle da companhia do grupo J&F, holding da família Batista que é dona da JBS. Antes do famoso Joesley Day, que envolveu o empresário Joesley Batista e o ex-presidente Michel Temer (PMDB), o valor de mercado da Alpargatas na B3 girava entre 5 bilhões de reais e 5,5 bilhões de reais.
Na sexta-feira, dia 11, a empresa terminou a semana avaliada em 22,2 bilhões de reais. Portanto, o valor foi multiplicado por quatro ao longo dos últimos três anos, em uma mudança sem grandes alardes. No começo de 2019, a gestão da empresa também foi trocada. Saiu Marcio Utsch, após 15 anos à frente do negócio, e entrou Roberto Funari. A ação da empresa bateu valor recorde durante a pandemia.
Desde que Itaúsa e Cambuhy assumiram, a decisão foi dar foco ao que os novos donos consideravam como área nobre dos negócios. Em entrevista ao EXAME IN, Roberto Furnari conta como foi reposicionamento desde a mudança de controle. Todos os negócios que não eram considerados marcas premium ou versáteis, que conversassem com a Havaianas foram vendidas.
A companhia se desfez da operação de tecidos na Argentina, das licenças das marcas Topper, Rainha, Sete Léguas e Mizuno. No total, arrecadou 574 milhões de reais com as transações, realizadas de 2018 até o terceiro trimestre deste ano, quando passou à frente, para a Vulcabrás, a operação da marca Mizuno. Todas essas operações, para além de Havaianas e Osklen, respondiam por 25% da receita em 2018 e 36%, em 2016, conta Funari.
De janeiro a setembro de 2018, a receita líquida consolidada da empresa foi de 2,6 bilhões de reais. Neste ano, nesse mesmo intervalo, o total consolidado somou 2,26 bilhões de reais, o que significa quase estabilidade frente aos valores de 2019 do mesmo período. Olhando pelo retrovisor, significa também que mesmo com pandemia, a empresa está conseguindo ampliar receita e rentabilidade (nesse caso, principalmente, no Brasil ) de forma a também compensar operações e licenças vendidas.
A administração anterior já havia iniciado uma estratégia de diversificação de portfólio de produtos dentro da marca Havaianas. Mas ela se intensificou na nova gestão e deve se aprofundar ainda mais, a partir da nova estratégia digital — colocada em marcha no segundo semestre deste ano.
O foco agora é aumentar receita e margem com novos produtos e, ao mesmo tempo, o Ebitda por par de havaianas, e explorar novos mercados. Potencializar a marca fora do Brasil é algo que está no discurso de Itaú e Cambuhy desde o dia 1 da aquisição. Neste ano, de janeiro a setembro, as vendas internacionais somaram 730 milhões de reais, com crescimento de 12% na comparação anual. A margem, porém, ainda sofre.
O valor é superior à receita de exportação de sandálias de todo ano de 2018, descontado o desempenho na Argentina. O comércio com o país sofreu durante a pandemia.
Após as havaianas terem caído no gosto da classe AB e terem virado hit de exportação a partir da década de 90, a companhia viveu um período de longa estagnação estratégica, ainda que com o glamour do nome e da revitalização da marca.
O mercado global de chinelos (flip flops, como o setor chama) é de 900 milhões de pares, o que equivale a 18 bilhões de dólares, segundo estimativa da Alpargatas. Esse valor considera apenas produtos acima de 10 dólares por par, conforme dados apresentados pela Alpargatas aos investidores no encontro realizado na semana passada. A companhia procura se posicionar no intervalo entre 22 e 25 dólares por par.
A aposta da companhia está centralizada em Europa, Estados Unidos e China, onde o par de havaianas ronda a casa dos 23 dólares e o volume total de vendas da região alcança US$ 11 bilhões. Se conseguir uma fatia de 10% nesse espaço, terá uma receita anual de 1 bilhão de dólares fora do Brasil. É uma ambição.
Nessa última década, a Alpargatas passou por duas trocas de controle e ajudou a salvar dois conglomerados de escândalos corporativos de corrupção. Em 2015, foi vendida pela Camargo Corrêa aos donos da JBS e, dois anos depois, pela própria J&F à Itaúsa e Cambuhy, em busca de liquidez antes do acordo de leniência firmado pelo grupo.
O grupo de controle detém quase 86% das ações ordinárias e 58% do capital total da companhia. A empresa é dessas cuja migração para o Novo Mercado é amplamente aguardada. Mas a questão não impediu que o negócio se valorizasse ao longo dos últimos anos.
A J&F chegou a ensaiar o movimento, mas atribuiu um prêmio de 30% às ações ordinárias e os preferencialistas deixaram claro que não aceitariam esse desconto. Com isso, os trabalhos foram encerrados pouco antes da troca de controle. Itaúsa e Cambuhy até o momento não anunciaram um projeto nessa direção.
Embora não conste oficialmente do discurso da companhia, que passou por uma limpeza no portfólio de marcas, a aposta no mercado é que marcas que se encaixem no conceito podem ser compradas. Um dos motivos dessa crença é o caixa cheio da empresa. A Alpargatas tem mais dinheiro guardado do que dívida — mais de 300 milhões de saldo positivo. Terminou setembro com 1,99 bilhão de reais em recursos aplicados, após ter gerado mais de 400 milhões de reais ao longo do ano, para uma dívida bruta de 1,67 bilhão de reais.