(Nathan Laine/Bloomberg/Getty Images)
Professor de Economia no MIT
Publicado em 17 de outubro de 2024 às 15h03.
Última atualização em 17 de outubro de 2024 às 15h09.
BOSTON – Os multibilionários da tecnologia, como Bill Gates, Mark Zuckerberg e Elon Musk não estão apenas entre as pessoas mais ricas da história da humanidade. Eles também são excepcionalmente poderosos – em nível social, cultural e político. Embora esse cenário seja, em parte, um reflexo do estatuto social que a nossa sociedade atribui à riqueza em geral, a história não se resume a isso.
Mais importante do que a simples riqueza é o fato de destes nomes em particular serem vistos como gênios empresariais que exibem níveis únicos de criatividade, ousadia, previsão e perícia num vasto leque de tópicos. Some a isso o fato de que muitos deles controlam os principais meios de comunicação – isto é, as principais plataformas de redes sociais –, e temos algo quase sem paralelo na história recente.
A imagem do empresário rico e corajoso que transforma o mundo remonta, pelo menos, aos robber barons [grandes industriais que nem sempre se utilizavam se meios lícitos] da Era Dourada. Mas uma das principais fontes do seu apelo popular contemporâneo é o romance de Ayn Rand, A Revolta de Atlas (ou Atlas Shrugged, no original em inglês), cujo protagonista, John Galt, esforça-se por recriar o capitalismo através da pura força do seu idealismo e da sua vontade.
Embora o romance de Rand tenha tido durante muito tempo um estatuto canônico nas mentes dos empresários do Vale do Silício e dos políticos de tendência libertária, a influência do seu arquétipo central não se limita a esses círculos. Desde Bruce Wayne (Batman) a Tony Stark (Homem de Ferro), os inovadores ricos e tecnologicamente experientes que salvam o mundo de uma catástrofe iminente são um elemento básico da nossa cultura popular.
Alguns indivíduos terão sempre mais poder do que outros, mas quanto poder é muito poder? Outrora, o poder estava ligado à força física ou às proezas militares, ao passo que, atualmente, as suas regalias derivam normalmente daquilo a que Simon Johnson e eu chamamos de “poder de persuasão”, que, como explicamos no nosso livro Power and Progress, está enraizado no status ou no prestígio. Quanto maior for o status de alguém, mais facilmente esse alguém consegue persuadir os outros.
As fontes de status variam muito de sociedade para sociedade – e, da mesma forma, a maneira com que ele é distribuído. Nos Estados Unidos, o status ficou firmemente ligado ao dinheiro e à riqueza durante a Revolução Industrial e, consequentemente, a desigualdade de rendimentos e de riqueza disparou. Embora tenha havido períodos em que a intervenção governamental procurou inverter a tendência, a sociedade americana foi sempre estruturada em torno de uma hierarquia de status acentuada.
Essa estrutura é problemática por várias razões. Para começar, a constante competição pelo status – e o poder de persuasão que ele confere – é, em grande parte, uma questão de soma zero, porque o status é um “bem posicional”. Mais status para um indivíduo significa menos status para o vizinho desse indivíduo e uma hierarquia de status mais acentuada implica que algumas pessoas serão felizes enquanto muitas outras serão infelizes e insatisfeitas.
Além disso, os investimentos em atividades de soma zero tendem a ser ineficientes e excessivos em comparação com os investimentos em atividades de soma não zero. Será que é melhor gastar um milhão de dólares em relógios de ouro Rolex ou na aprendizagem de novas competências?
Ambos podem ter um valor intrínseco – a beleza do relógio versus o orgulho de adquirir novos conhecimentos – mas o primeiro investimento apenas mostra que se é mais rico e mais capaz de consumir ostensivamente do que os outros. O segundo, pelo contrário, aumenta o seu capital humano e pode também contribuir para a sociedade. O primeiro é, em grande medida, de soma zero e o segundo é, em grande medida, de soma não zero. Pior ainda, o primeiro pode facilmente ficar fora de controle, uma vez que todos gastam ainda mais em consumo ostensivo para se manterem à frente dos outros.
As pessoas perguntam, frequentemente, por que razão alguém com centenas de milhões de dólares precisaria de mais centenas de milhões. Há poucas coisas que uma pessoa não possa se dar ao luxo de pagar se já tiver US$ 500 milhões de dólares. Por isso, por que desejar US$ 1 bilhão? Porque bilionário é uma categoria de status. O que importa não é o poder de compra, mas sim o prestígio e o poder que isso confere relativamente aos seus pares. Num equilíbrio “riqueza é status”, torna-se inevitável uma corrida louca dos ultrarricos para acumularem cada vez mais riqueza.
Existem bases evolutivas e sociais para associar o poder de persuasão ao status e ao prestígio. Afinal, é individualmente racional aprender com pessoas que tenham conhecimentos especializados e é razoável associar conhecimentos especializados ao sucesso.
Além disso, essa forma de aprendizagem é boa para as comunidades, porque facilita a coordenação e a convergência para as melhores práticas. Mas quando o status está ligado à riqueza, e a desigualdade de riqueza aumenta muito, os alicerces que sustentam os conhecimentos especializados começam a desmoronar.
Vamos nos concentrar no seguinte exercício intelectual. Quem é que tem mais conhecimentos de carpintaria – um bom mestre carpinteiro ou um bilionário de hedge fund? Parece natural escolher o primeiro; mas quanto mais a riqueza confere status, maior é o peso atribuído às opiniões dos multimilionários de fundos especulativos, mesmo em matéria de carpintaria.
Ou vejamos um exemplo contemporâneo mais relevante. Que opiniões sobre a liberdade de expressão têm mais peso hoje em dia: as de um bilionário da tecnologia ou a de um filósofo que há muito se debate com a questão e cujas provas e argumentos foram submetidos ao escrutínio de outros peritos qualificados? Milhões de pessoas na rede social X (antigo Twitter) escolheram implicitamente o primeiro.
Quanto mais nos deixamos arrastar para o equilíbrio “riqueza é status”, mais podemos vir a aceitar a supremacia dos bilionários da tecnologia. No entanto, é difícil acreditar que a riqueza possa ser uma medida perfeita do mérito ou da sabedoria e muito menos um válido representante da autoridade em carpintaria ou da liberdade de expressão.
Além disso, a riqueza é sempre um pouco arbitrária. Podemos discutir incessantemente se LeBron James é melhor do que Wilt Chamberlain era no auge da sua carreira de jogador de basquete, mas em termos de riqueza, não há contestação. Enquanto Chamberlain tinha um património líquido estimado em US$ 10 milhões quando da sua morte em 1999, o património líquido de James está estimado em US$ 1,2 bilhão.
Esses resultados diferentes não têm a ver com o talento ou a ética de trabalho de cada jogador. Tem a ver com o fato de Chamberlain ter vivido numa época em que as estrelas do esporte não eram tão bem remuneradas como hoje.
Tem a ver, em parte, com a tecnologia (hoje em dia, todo mundo pode ver James graças à televisão e aos meios de comunicação digitais), em parte com as normas (pagar centenas de milhões às grandes estrelas culturais tornou-se mais aceitável) e em parte com os impostos (se os EUA ainda tivessem uma taxa marginal de imposto sobre o rendimento superior a 90%, James teria menos dinheiro e o país teria menos desigualdade de riqueza).
Do mesmo modo, se o setor tecnológico não se tivesse tornado tão central para a economia, e se não fosse impulsionado por uma dinâmica tão forte de “o vencedor leva tudo” (o que é, em parte, uma questão de escolha sobre a forma como organizamos certos mercados), os magnatas da tecnologia de hoje não se teriam tornado tão ricos.
O fato de Gates e Musk terem sido menos tributados não os torna mais sábios, mas tornou-os certamente mais ricos e, por conseguinte, mais influentes no equilíbrio prevalecente de “riqueza é status”.
Essas personagens também se beneficiam de uma dinâmica ainda mais perniciosa, que Johnson e eu exploramos em Power and Progress, usando o exemplo de Ferdinand de Lesseps. Lesseps ganhou um status tremendo na França, nos finais do século XIX, onde era conhecido como o “Le Grand Français”, devido ao seu sucesso na conclusão da construção do Canal do Suez, apesar da oposição britânica de longa data ao projeto.
Lesseps tinha visão e demonstrou grande habilidade em convencer os políticos do Egito e da França de que o comércio marítimo internacional se tornaria muito importante. Mas também teve uma sorte tremenda: as tecnologias de que necessitava para construir o canal sem bloqueios (o que inicialmente era impossível devido à quantidade de escavações e desaterros envolvidos) foram desenvolvidas a tempo de salvar o projeto.
Com a vitória no Suez, Lesseps ganhou grande prestígio. Mas o que ele fez com o seu novo status é instrutivo. Tornou-se imprudente, desequilibrado e arrogante, levando o projeto do Canal do Panamá numa direção impraticável que acabou por causar a morte de mais de 20 mil pessoas e a ruína financeira de muitas mais (incluindo a sua própria família).
Tal como todas as formas de poder, também o poder de persuasão pode tornar-nos demasiadamente orgulhosos, descontrolados, perturbadores e socialmente detestáveis.
A história de Lesseps continua a ser relevante, porque encontra eco no comportamento de muitos bilionários de hoje. Embora algumas das pessoas mais ricas da América não utilizem o respetivo status para influenciar debates públicos determinantes (por exemplo, Warren Buffett), muitos o fazem.
Gates, Musk, George Soros e outros não hesitam em intervir em assuntos que são importantes para eles e, embora seja fácil acolher essas contribuições daqueles com quem concordamos, devemos resistir a essa tentação. Faz muito sentido para a sociedade ter acesso ao conhecimento e à sabedoria de quem tem experiência num determinado tópico, mas é contraproducente ampliar o status dos que já têm muito status (e trabalham arduamente para aumentá-lo).
É claro que não é inteiramente culpa dos bilionários que a política dos EUA esteja alimentando as enormes desigualdades (embora eles tentem certamente influenciar as políticas que tenham esse efeito). No entanto, eles devem assumir a responsabilidade se fizerem mau uso do imenso status que a riqueza lhes confere em condições de desigualdade crescente.
Isso é especialmente verdade quando aproveitam o seu status para promover os seus próprios interesses econômicos à custa dos interesses econômicos dos outros, ou para polarizar uma sociedade já dividida com uma retórica provocadora ou um comportamento de procura de status.
Se os multimilionários irresponsáveis já exercem muita influência social, cultural e política indevida, a última coisa que devemos querer é dar a eles fóruns públicos ainda maiores – por exemplo, sob a forma da sua própria rede social, como Musk tem agora por meio do X.
Em vez disso, devemos procurar meios institucionais mais sólidos para limitar o poder e a influência daqueles que já são privilegiados, bem como reconsiderar as políticas tributárias, regulatórias e de gastos públicos que criaram, em primeiro lugar, disparidades tão grandes.
Mas o passo mais importante será também o mais difícil. Precisamos começar a ter uma conversa séria sobre o que devemos valorizar e como podemos reconhecer e recompensar as contribuições de quem não comanda largas fortunas.
Embora a maior parte das pessoas concorde que há muitas formas de contribuir para a sociedade e que a excelência na vocação escolhida deve ser uma fonte de satisfação individual e de estima dos outros, temos ignorado este princípio e corremos o risco de o esquecer completamente. Também isso é um sintoma do problema.
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