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Da fusão espetacular à saída à francesa: como o 3G zerou sua participação na Kraft Heinz

Gestora de Lemann, Telles e Sicupira vinha se desfazendo de ações desde 2021 – e vendeu 7,9% do capital no quarto trimestre

Kraft Heinz: Meta de dobrar a operação em cinco anos  (Getty Images/Divulgação)

Kraft Heinz: Meta de dobrar a operação em cinco anos (Getty Images/Divulgação)

Natalia Viri
Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Publicado em 10 de abril de 2024 às 16h17.

Última atualização em 11 de abril de 2024 às 17h07.

Silenciosamente, a 3G Capital saiu do capital da Kraft Heinz no ano passado, colocando o fim em uma era que começou com compra da Heinz em conjunto com Warren Buffett em 2013 e resultou na fusão com a concorrente Kraft dois anos depois.

A informação, dada em primeira mão pela rede americana CNBC, aparece sem alarde em documentos arquivados pela 3G em fevereiro deste ano na SEC, que mostram que os fundos já não detêm mais participações na companhia.

“Vimos pelo seu filing mais recente que o 3G saiu completamente da Kraft Heinz em 2023”, confirmou a Kraft Heinz à rede americana.

A participação noticiada pela CNBC, no entanto, tem um equívoco. Segundo arquivos disponíveis na SEC, o 3G não tinha 16,1%, como noticiado, mas 7,9%.

Relatórios da própria Kraft Heinz corroboram o número. No proxy statement, conjunto de informações para assembleias de acionistas, de 2023, a empresa de alimentos afirma que o 3G tinha 7,9% do capital em março daquele ano. No documento de 2024, a gestora já não aparece na lista de acionistas relevantes.

A saída vem acontecendo gradualmente ao longo dos últimos anos.

Ao fim de 2021, a gestora tinha 17,6% das ações, fatia que passou para 15,1% no ano seguinte.

Em 2022, o 3G distribuiu uma fatia de 7,2% da sua participação na Kraft Heinz direto para seus acionistas, ficando com uma participação remanescente de 7,9%, que foi zerada no quarto trimestre do ano passado.

Parte da saída veio por meio de um block trade realizado em novembro, que movimentou US$ 1,1 bilhão, ou 2,5% do capital. Não está claro como o restante veio a mercado.

A 3G era signatária de um acordo de acionistas em que votava em conjunto com a Berkshire Hathaway. Não há detalhes sobre a revogação do acordo, mas, diferentemente dos outros anos, ele não aparece mais listado como um fato relevante referente à governança da companhia nos proxy statements da Kraft.

A empresa de alimentos ressaltou à CNBC que a Berkshire segue com sua participação de 26,5% e “está comprometida como acionista de longo prazo”.

Do sucesso à crise – e a tentativa de turnaround

A saída da 3G marca o fim de um investimento que começou bem sucedido, mas degringolou nos últimos anos. Desde a fusão, em 2015 as ações acumulam queda de 33%.

Nos primeiros anos, a agenda de corte de custos do 3G funcionou bem e resultou em aumento de margens e de lucro.

Progressivamente, no entanto, a companhia foi sendo desafiada em meio à queda na demanda por alimentos industrializados e pelo avanço de novas marcas que fazem mais apelo à saúde e à alimentação natural.

Em 2019, a Kraft Heinz fez uma tacada agressiva para tentar continuar crescendo via M&As, com uma proposta de compra da Unilever em 2019 – que foi rechaçada de maneira espetacular pela gigante de bens de consumo, dona de marcas como o sabão Omo.

Meses depois, veio outra pancada: numa tacada só, a empresa divulgou uma investigação da Securities Exchange Comission (SEC) referente às práticas contábeis, corte de dividendos e uma baixa de US$ 15 bilhões no balanço referente às suas marcas.

No auge da crise, a gestora vendeu 25 milhões de ações e derrubou o papel em 4% num só pregão.  Na época, Buffett chegou a reconhecer na mídia americana que ele e o 3G tinham pagado demais pela Kraft. Naquele ano, os papéis chegaram a tocar a mínima de US$ 27, quase um terço do valor na época da fusão.

Para tentar reverter a espiral de baixa, a 3G trouxe trouxe para o comando da companhia Miguel Patrício, um veterano da ABInbev, com o mandato de reestruturação da empresa, com mais investimentos em marketing e estratégia mais agressiva de lançamentos de produtos.

Nesse contexto, a empresa se desfez de alguns ativos, vendendo seu negócio de queijo para a multinacional francesa de laticínios Lactalis, e a marca Planters, de castanhas, para a Hormel. O papel respondeu e sobe 46% nos últimos cinco anos, negociado a R$ 47.

Nos últimos três anos, no entanto, a gestora vinha perdendo ascendência sobre a Kraft Heinz – passando de três membros no conselho para nenhum membro no board.

Jorge Paulo Lemann foi o primeiro a deixar o colegiado, em 2021. No ano seguinte, Alexandre Behring também deixou o board. Dois meses depois, foi a vez de João Castro Neves, ex-CEO da Ambev, renunciar.

“A 3G não está envolvida na gestão da Kraft Heinz, nem está no seu conselho há muitos anos”, disse a Kraft Heinz à CNBC, acrescentando que, durante o período em que manteve participação acionária foi tratada como “qualquer outro investidor”.

A perda de influência da 3G já se faz sentir no comando da companhia. Em janeiro, a Kraft Heinz trocou seu CEO e trouxe Carlos Abrams-Rivera como seu novo presidente. Na companhia desde 2020, ele é o único CEO da Kraft Heinz que não está ligado à gestora desde a fusão.

Patricio é presidente do conselho – e está indicado para continuar no papel na assembleia deste ano.

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