Petrobras: diferenciar entre lógica e crime é trabalho duro do regulador (Germano Lüders/Exame)
Graziella Valenti
Publicado em 3 de março de 2021 às 12h45.
Última atualização em 5 de março de 2021 às 11h03.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está investigando a movimentação com as opções de Petrobras para verificar se há, de fato, indícios concretos de que houve uso de informação privilegiada. A análise, porém, é anterior à matéria do jornal “O Globo”, da jornalista Malu Gaspar, que tornou pública a existência da suspeita e da transação — o grande tema dos últimos dias.
As operações realizadas com ações de venda dos papéis já tinham caído na teia tanto do regulador quanto da B3, por serem acima do volume médio daqueles contratos. Há filtros automáticos, inclusive, para detecção desse tipo de dado.
Entretanto, ainda é preciso verificar o quão atípico são os negócios dentro de transações atípicas — sim, elas existem com mais frequência que as pessoas imaginam. De acordo com a reportagem, o lucro gerado pode ter alcançado R$ 18 milhões, para uma transação cujo custo foi da ordem de R$ 160 mil (volume que é irrelevante para investidores profissionais, mas que pode ser expressivo em casos de pessoas físicas).
A CVM tem poder de polícia limitado e atua em parceria com outros órgãos, Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF), com os quais têm política de cooperação, para investigação completa que envolva sigilo bancário e telefônico — se caso for para tal. Não existem informações públicas sobre se isso está ocorrendo, pois a autarquia não comenta casos específicos.
O mercado brasileiro facilita a primeira análise porque a bolsa consegue verificar o beneficiário final, e não apenas a corretora — como ocorre nos Estados Unidos, por exemplo.
O trabalho, porém, é muito mais complexo do que parece. É preciso provar a existência do elo entre a operação no mercado, a existência de informação privilegiada e seu uso. Trata-se da parte mais difícil de todo o processo. Por mais lógico e quase categórico que pareça — uma aposta realizada entre uma reunião importante do governo e uma transmissão ao vivo do presidente Jair Bolsonaro — não se trata de algo nada trivial. O lucro com a transação, inclusive, é quase o menos importante.
Para a caracterização de um insider é preciso provar que havia alguém de posse da informação de que Bolsonaro faria declarações na sua transmissão ao vivo sobre a Petrobras e que, no dia seguinte, iria demitir de fato o presidente da estatal, Roberto Castello Branco. Portanto, é necessário estabelecer que as decisões já estavam tomadas antes pelo presidente da república, que havia um cronograma para tal e que essas informações eram de conhecimento de outras pessoas. E, por fim, que essas pessoas ou atuaram no mercado ou transmitiram a informação até alguém que fez a operação.
O limite entre o que é lógico e o que é crime são as provas.
Apostar que poderia haver uma piora no debate de governança da Petrobras, dado o aumento das tensões com caminhoneiros, e que ela ocorerria antes do vencimento de opções não é algo tão absurdo. Ao contrário, era quase lógico. Ainda assim, ninguém, exceto um único investidor fez uma aposta tão certeira — o que desperta a atenção.
O quadro é quase tão lógico, hoje no retrovisor, que a grande pergunta é porque não tinha tanta gente fazendo a mesma coisa. E, na verdade, havia sim. Mas em intensidades menores do que na oscilação desse contrato específico. Provar que é porque o investidor sabia o que ocorreria é que são elas. Uma dificuldade muito subestimada por quem no mercado gosta de ver uma atuação de polícia da CVM.
Para que essa investigação se torne um processo de acusação na CVM, ela precisa ser muito mais do que uma coincidência. E, sempre bom lembrar: como além de irregularidade do mercado (onde o fiscal é a CVM), a prática de uso de informação privilegiada é também crime com pena de reclusão prevista, o Ministério Público e a Polícia Federal podem conduzir também suas próprias investigações.
Se uso de informação privilegiada fosse algo tão simples de provar, haveria muito mais punições do que as verificadas. Há três grandes casos clássicos no mercado: do ex-diretor financeiro da Sadia (na tentativa de oferta pela Perdigão), da JBS, com ações de sua própria emissão na tesouraria, e de Eike Batista, em OGX.