Varejo: empresas vivem tempestade perfeita com inflação, juros altos e ainda competição interna e externa forte (Leandro Fonseca/Exame)
Angela Bittencourt
Publicado em 5 de julho de 2021 às 11h41.
Última atualização em 5 de julho de 2021 às 12h09.
Bancos de varejo, digitais, fintechs e marketplaces já deram a largada atrás de brasileiros que, desde o ano passado, abraçam o crédito para reinventar negócios ou aumentar o conforto no home office. Nada indica que neste segundo semestre será diferente e tampouco em 2022, caso o processo eleitoral não abale a confiança dos consumidores. Todos os atores – tradicionais, novos ou novatos – juntos e misturados comemoram de antemão bons resultados como apurou o EXAME IN com seis experientes personagens que entendem muito de crédito.
Em 12 meses até maio, último dado divulgado pelo Banco Central (BC), R$ 1,5 trilhão engordaram o saldo total de crédito no Brasil que atingiu R$ 4,177 trilhões. O estoque de operações voltadas às pessoas físicas avançou cerca de R$ 320 bilhões, para R$ 2,361 trilhões, em igual período. O total dos empréstimos voltou a superar 50% do Produto Interno Bruto (PIB). Uma expansão de fato ocorreu, mas essa proporção robusta foi alcançada também por uma ‘pegadinha’: o PIB caiu com a crise imposta pela pandemia. Portanto, o total do crédito comparado a toda riqueza produzida no país aumentou.
A sutileza matemática não ofusca, porém, as perspectivas positivas sobretudo para quem precisa de dinheiro e para o Banco Central (BC) que mira o aumento da concorrência entre todos os integrantes desse segmento no contexto do open banking para baratear o custo do crédito. Aumentos consecutivos da Selic, que em três meses saltou de 2% para 4,25% e, em agosto, poderá chegar a 5%, já provocaram elevações nas taxas dos empréstimos. Contudo, a disputa pelos clientes deverá conter excessos, pontuam os entrevistados pelo EXAME IN.
O comprometimento da renda das famílias, há mais de um ano ao redor de 30%, não preocupa. Há demanda reprimida por bens e serviços que deve se estender ao turismo no quarto trimestre do ano. “Ainda não estamos vendo sinais preocupantes em inadimplência. Daqui para frente a dinâmica dependerá muito da vacinação. Mas a mobilidade tende a aumentar e, no último trimestre, devemos estar voltando a um maior equilíbrio entre oferta e demanda. Até lá, as empresas estarão equacionando problemas mais graves de produção e o consumidor estará mais confiante”, afirma Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional de Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (ACREFI).
“Programas de governo, como o auxílio emergencial, instituídos durante a pandemia ajudaram as pessoas físicas a se reestruturar. Uma ponte importante para atravessar um evento inédito. O auxílio emergencial colaborou para a gestão de caixa das famílias”, avalia Leandro Diniz, diretor do Departamento de Empréstimos e Financiamentos do Bradesco. Marco Túlio Guimarães, diretor vice-presidente de Produtos Bancários do Inter, afirma que embora o benefício tenha injetado mais dinheiro na economia, os valores foram destinados à recomposição de renda, utilizados primariamente para itens de consumo diário. Ou seja, não impactariam na demanda de crédito. “Os dados de 2020 mostram que mesmo com o auxílio emergencial maior, a oferta de crédito continuou extremamente aquecida.”
Sinal do fôlego do crédito, o mês de junho foi o melhor a história do Bradesco em algumas linhas, como crédito imobiliário e agronegócios, ambos setores com vasta cadeia de fornecedores. “O mercado está concorrido, mas a concorrência nunca deixou de existir e é muito positiva quanto simétrica, quando todas as instituições seguem os mesmos padrões regulatórios”, comenta Diniz.
Cassio Schmitt, diretor de Produtos de Crédito do Santander, avalia que a oferta de crédito está sendo puxada pelos grandes bancos privados e relata que a concorrência dos bancos digitais começa a ser sentida em alguns dos produtos de crédito, como cartões e consignado. “As fintechs, por outro lado, com uma oferta de poucos produtos, e com limitação de recursos, ainda ocupam pouco espaço. Com a entrada da nova fase do open banking ao longo deste ano, a concorrência de crédito deve aumentar ainda mais. E, a liberação de acesso dos marketplaces de crédito aos dados dos clientes, que foi postergado para 2022, deverá modificar bastante o mercado no futuro”, afirma.
Schmitt afirma que a concorrência é muito positiva para os bancos, para o mercado e para os clientes. “Ela só poderá ocorrer através de um melhor acesso e uso dos dados disponibilizados, o que gera também grandes oportunidades. A qualidade de uma carteira de crédito vai muito além da avaliação de risco e da concessão de crédito, e os grandes bancos têm grande expertise nessa gestão”, diz. Sobre o open banking, que concretiza o compartilhamento de informações de clientes, quando autorizado, o diretor do Santander pondera que o processo de implantação deverá ser gradual. “Não é comparável ao do PIX que teve rápido crescimento ocupando espaço de pagamentos e transferências.”
Guimarães, do Inter, acredita, sem dúvida, que o compartilhamento de dados e serviços bancários, “sempre com muita segurança e principalmente controle dos clientes”, vai permitir uma oferta de produtos e serviços muito mais customizada, ágil e com menos riscos. “A concorrência trará muito benefícios para as pessoas, como jornadas de pagamentos mais facilitadas, redução de juros, entre outros benefícios. No Inter, as oportunidades estão associadas em demonstrarmos a variedade de produtos atrativos que já temos, além de novidades que lançaremos em breve.”
Rodrigo Cury, head do BTG+, banco digital do BTG (do mesmo grupo que controla a EXAME), é otimista com o ‘open banking’ por considerar um caminho seguro para maior competição, garantido pelo BC, para que ocorra uma troca de informações dos clientes entre os bancos de forma “segura e uniforme”. “Agora, a maneira como será usada essa informação é o imponderável. Não se sabe é sobre a capacidade das instituições usarem essa informação. Para o cliente, o open banking pode ser muito positivo porque ele terá opções mais baratas, mais amplas e mais precisas [de crédito]”, afirma o executivo que alerta: “O open banking não mudará o sistema de uma hora para outra. Levará meses para que o sistema tenha tração. Azeitar a máquina pode levar de 12 a 18 meses, embora os benefícios comecem no minuto zero de jogo.”
Cury é otimista também com a expansão do crédito. O BTG+, inclusive, procura um parceiro para ter crédito imobiliário. “Queremos ter um preço competitivo. Não temos conta de poupança que gera ‘funding’ para as operações. Temos conversas avançadas. Estamos também interessados em consignado privado”, diz o executivo para quem o aumento do crédito traz viés positivo para a economia como um todo porque crédito é basicamente consumo. Ele revela, porém, preocupação com “movimentos pendulares” – com muitas instituições atuando simultaneamente em ofertas abundantes de crédito num momento em que tudo parece estar dando certo para, em um momento a seguir, fechar essas “torneiras” por incertezas sendo uma delas a duração da pandemia.
Em entrevista ao EXAME IN, Rodrigo Cury avalia que é fácil conceder crédito porque a inadimplência vem lá na frente. “Só sabemos ao certo se um crédito vai razoavelmente bem em seis meses, nove meses ou um ano. Os grandes bancos não se preocupam porque há décadas fazem isso. O problema é quando pessoas com menos experiência fazem isso. O risco é de uma sobreoferta de crédito para aqueles que não podem arcar com tudo isso. Pode haver inadimplência sistêmica no futuro. Não estou vendo este cenário, mas a atenção deve existir.”
Com investimento de R$ 240 milhões especialmente em tecnologia de dados e inteligência, o Guiabolso é um precursor do open banking, diz Benjamin Gleason, sócio fundador da fintech, que vê no projeto do BC uma grande oportunidade para que as pessoas tenham controle sobre seus dados e sobre as melhores oportunidades financeiras. “Os grandes bancos têm a tradição de ter os dados dos clientes e, agora, surge a oportunidade de, com o compartilhamento, também buscar aqueles que não são clientes. A competição aumentará”, diz Gleason que chama atenção para o desafio que será a implantação do open banking que abre portas para outros negócios.
“O acesso será dado a dados brutos de clientes. As informações não são apresentadas como em uma espécie de extrato bancário. O valor maior da implantação do open banking está na conversão desses dados em inteligência e na classificação do que é renda, rendimento, detalhamento de gastos. O Guiabolso já está sendo contratado para aplicar inteligência nesses dados brutos”, informa Gleason.
O Guiabolso foi criado por Benjamin Gleason e o sócio Thiago Alvarez, CEO da fintech, em 2012, quando começaram a estudar as finanças dos consumidores. Dois anos depois, a dupla lançou um serviço que hoje seria conhecido como o open banking, agregando dados bancários de consumidores com explícita autorização e montaram uma plataforma de gestão financeira – um marketplace para adequar a oferta de produtos ao perfil dos consumidores.
Hoje com 6 milhões de usuários que respondem por 15 milhões de contas financeiras, o Guiabolso tem vários parceiros no sistema, como BV, Digio e Creditas, e já realizou R$ 1 bilhão de crédito. “O marketplace foi lançado em 2016 basicamente com empréstimo pessoal. Atualmente, oferece a maioria dos produtos bancários que podem ser contratados via aplicativo do Guiabolso que também realiza uma curadoria sobre as melhores soluções para os usuários”, finaliza Gleason.
A "prova dos nove" da relevância do crédito sobretudo para os grandes bancos virá com os balanços do segundo trimestre que estão no pipeline. Não há dúvida, porém, que esse time aplicará toda sua expertise, acumulada em décadas, para defender o seu quinhão.
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