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Crédito privado decola, mas ‘trauma’ de 2023 ainda causa distorções

Demanda de investidores deve continuar alta em 2024, mas focada em títulos high grade, segundo gestores

Debêntures incentivadas: contração do spread é relevante, mas não acaba com o espaço dos títulos no mercado (Getty Images/Getty Images)

Debêntures incentivadas: contração do spread é relevante, mas não acaba com o espaço dos títulos no mercado (Getty Images/Getty Images)

Karina Souza
Karina Souza

Repórter Exame IN

Publicado em 30 de janeiro de 2024 às 13h33.

Última atualização em 30 de janeiro de 2024 às 13h39.

O mercado de crédito privado decolou nos últimos anos. Em 2016, o volume de emissões de debêntures somava R$ 64 bilhões, volume que passou a R$ 236 bilhões em 2023, de acordo com dados da Anbima. O IDEX-JGP, um dos principais índices do segmento, continham apenas 50 debêntures com um nível mínimo de negociabilidade. Hoje, são 350. O ritmo de alta continua, na visão de gestores especializados, ainda que o mercado guarde alguns traumas da temporada de 2023 — influenciada por crises com a da Light e da Americanas.

A demanda, ao menos em novas emissões, deve estar focada em emissores high grade, segundo Alexandre Muller, head de renda fixa da JGP. De acordo com o IDEX, índice criado pela casa em 2017 para monitorar o mercado de debêntures, as crises das duas empresas geraram o primeiro default no IDEX desde o início da série histórica (o índice começou oficialmente em 2019, com dados retroativos de 2017). Mesmo com a proporção que os dois eventos tomaram, o impacto foi de uma queda de 3% no retorno do indicador.

Na visão do gestor, a comparação entre a queda de um dígito e a dispersão no mercado de ações comprovou a senioridade do mercado de crédito local. Daqui para a frente, isso também será considerado por investidores à medida que a Selic cai e o apetite por risco aumenta.

Para Leonardo Ono, da Legacy, a queda da Selic em 2024 deve quebrar a dicotomia entre equities e renda fixa num cenário brasileiro de mercado mais profundo e diversificado.

"Acredito que o primeiro movimento de investidores deveria ser o de sair de ativos ultraconservadores para outros 'no meio do caminho'. Sair de um CDB, por exemplo, para correr um pouco mais de risco de crédito. Quem fizer esse movimento antes vai conseguir bons resultados, principalmente com títulos incentivados", diz Ono.

Essa classe foi a primeira entre os ativos de crédito a retomar as emissões em 2023. Foram seguidas por emissões institucionais ancoradas por bancos (tema abordado no Insight). No final do ano passado, as assets voltaram também a captar — e devem seguir em um ritmo forte de alocações neste ano.

"A perspectiva é que cada vez mais casas voltem a colocar o dinheiro para trabalhar nas ofertas. Nesse início de ano, ainda são poucas as emissões já na rua ou que tenham seus books. Há muita coisa em estruturação, de novo, com as primeiras da fila sendo as companhias triple A de setores que têm fluxos de caixa mais previsíveis", diz Guilherme Ceneviva, head de DCM local do UBS BB.

A perspectiva para esses ativos é de que testem novas operações, com prazos mais longos — algo que não foi visto em 2023. Emissões de sete anos e de dez anos, por exemplo, fazem parte do rol de alternativas que essas empresas podem testar daqui para a frente.

Até o meio do ano passado, o volume de emissões havia caído quase 50% em relação ao mesmo período do ano anterior. A Anbima ainda deve soltar os números oficiais em fevereiro, mas a estimativa do UBS BB é de queda de 20% no acumulado dos 12 meses (ante uma comparação forte, de um 2022 recorde, vale lembrar), chegando perto de R$ 300 bilhões em emissões.

"Estamos muito animados com o mercado local. É um dos que mais crescem hoje em dia. Se você pensar que há quase R$ 1,5 trilhão de estoque de debêntures no mercado, um secundário pujante, há muitas oportunidades", diz Ono.

Aproveitá-las, na visão de Muller, vai depender de quem conseguir encontrar as melhores oportunidades entre os nomes mais distorcidos no mercado. Hoje, empresas como Enauta, Aeris e Magazine Luiza, por exemplo, têm títulos com spreads ainda acima de 5%, por exemplo.

"Quem acertar melhor esses nomes vai pegar o melhor retorno no mercado doméstico", diz o gestor.

Com um mercado que se desenvolveu tanto ao longo dos últimos anos, ainda existe um amplo espaço para melhora do segmento daqui para a frente. Ainda se trata, afinal, de um mercado de balcão, com muitas ordens e diferentes papéis. Todo o custo de operação envolvendo essa troca de mãos de papéis ainda é um ponto a ser estudado daqui para frente — de olho em melhorar também a agilidade do mercado.

Comparando o Brasil ao mercado externo (aqui, especificamente, aos Estados Unidos), as duas casas mantêm uma visão ambidestra, com olhar aqui e lá fora. Nos EUA, hoje, a Legacy tem focado em ativos de América Latina, principalmente no México — outras regiões são vistas como mais complicadas, a depender do cenário macro.

"Os mercados financeiros estão caminhando para uma integração cada vez maior. Isso vale para o local versus offshore. Olhamos todo o escopo de América Latina mais Estados Unidos. Nosso papel é expandir essas fronteiras para o investidor e conseguir a melhor relação de valor. A mesma conta que a gente faz, o CFO faz", diz Muller.

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