Rubens Ometto: dividendos de Raízen e Compass serão usados para financiar parte da entrada da Cosan na Vale (Cosan/Divulgação)
Graziella Valenti
Publicado em 30 de dezembro de 2022 às 10h00.
Quando Rubens Ometto levou a Cosan (CSAN3) para a bolsa de Nova York há 15 anos, usando uma estrutura de capital com as ações de supervoto (um modelo antigo adotado pela Ford e recuperado pelo Google), foi uma chiadeira sem fim. Na época, a Cosan era tão somente uma empresa de açúcar e álcool que mostrava grande apetite para consolidar o setor. A companhia já havia inovado ao conseguir se organizar e profissionalizar para levar à bolsa um segmento durante anos tão criticado pelas informalidades, em uma oferta pública inicial de ações (IPO) em 2005.
E inovou em seguida, em 2007, ao ir para os Estados Unidos. Agora, uma década e meia depois disso, Ometto criou não só o maior e mais inovador projeto de etanol do mundo, com a produção em 2ª geração (a partir do bagaço da cana), como um conglomerado diversificado e gigantesco. Neste ano, a geração de caixa, medida pelo Ebitda, das investidas deve somar R$ 22 bilhões.
A Cosan deixou de ser uma sucroalcooleira e tornou-se uma holding de investimentos: uma companhia cujo negócio é ter participações em outras empresas. O passo mais recente foi o anúncio da entrada no capital da Vale (VALE3), dona do minério de ferro de melhor qualidade no planeta. E a estrutura financeira para isso? Muito parecida com a que o empresário vislumbrava com a Cosan Limited, a listada na Nyse, mas que os investidores não entenderam à época, por não o conhecerem bem o suficiente naquele momento. Parecida no espírito, mas muito diferente na execução. A semelhança aqui é usar os próprios ativos para alavancar a expansão de seus negócios, mas sem nunca deixar de ter a gestão em suas mãos.
Ao ir para Nova York, muitos julgaram exageradas as declarações do empresário na época, que dizia sonhar com o dia em que a petroleiras bateriam a sua porta em busca do etanol brasileiro. Acharam pretenciosas demais. O objetivo era levantar capital sem perder a capacidade de gestão para fazer investimentos e crescer. Mas muitos entendiam ser um excesso de poder, o supervoto.
Não custa lembrar que esse mesmo modelo de supervoto, as techs que invadiram a Nasdaq adotaram unanimemente nos anos seguintes sem ninguém reclamar. Ao contrário, via-se um valor enorme nos fundadores daquelas inovadoras empresas e em mantê-los com o poder de gestão.
Se alguém desse àquelas pessoas que criticaram o movimento de 2007 uma máquina de acelerar o tempo, ninguém acreditaria no que o conglomerado de Ometto construiu de lá para cá, no quão visionário foi e, ao que tudo indica, continua sendo. O empresário mostrou que empreender e inovar não se restringem ao mundo exclusivo da tecnologia.
Depois de comprar a Esso brasileira e selar uma joint-venture com a Shell para etanol e distribuição de combustíveis por meio da criação da Raízen (RAIZ4), a Cosan organizou a operação de lubrificantes na Moove, e ainda partiu para logística com a Rumo (RAIL3), para o gás com a Compass, e neste ano surpreendeu a todos ao ir para cima da Vale — seu maior lance até agora, em um só passo, ao montar uma estrutura financeira para lá de criativa para ter 4,9% mineradora e poder chegar a 6,5% em uma tacada total de R$ 22 bilhões.
Nesse período, Ometto reorganizou a estrutura societária do grupo, extinguiu a Cosan Limited, após sua má fama de largada, e substituiu isso por um modelo no qual cada negócio já é ou será listado individualmente em bolsa. A única holding, também de capital aberto, passou a ser a Cosan listada na B3, debaixo da qual estão outras subholdings que controlam, daí sim, as empresas operacionais.
Agora, a criatividade financeira de Ometto não reverberou em críticas sobre sua governança. Ao contrário, sua capacidade de gerir e formar lideranças nesse período conquistou a confiança do mercado.
Para alcançar 4,9% da Vale, primeiro, foi garantida uma aquisição dentro do limite permitido pelo Cade (a partir de 5% é necessária aprovação do órgão). Desse total, 1,5% foram adquiridos de cara e 3,4% estão travados em contratos que permitem a conversão em ações dentro de um período de cinco anos. A estrutura para esses passos contém derivativos e instrumentos de proteção contra volatilidade. E o modelo para dar conta da compra é um exemplo de como Ometto sabe usar o que tem em mãos.
A Cosan levantou de cara R$ 8 bilhões com uma espécie de “venda temporária” de participações nas controladas Raízen e Compass. Itáu e Bradesco pagaram cada qual cerca de R$ 4 bilhões por uma fatia dos veículos usados pela Cosan para controlar cada uma dessas empresas, respectivamente. Os bancos terão apenas ações preferenciais. Ou seja, o poder de gestão continua nas mãos da Cosan, de Ometto — algo que ele sempre valorizou.
Na prática, os dividendos que Itaú receber de Raízen e que Bradesco receber de Compass vão financiar parte relevante da compra de Vale, sem onerar o balanço da Cosan. A expectativa inicial é que seja uma sociedade que dure cerca de uns dez anos, conforme fontes próximas à operação ouvidas pelo EXAME IN. Mas a estrutura é flexível em prazo. A beleza maior é que a Cosan tem o direito de recomprar as participações de Itaú e Bradesco, mas os bancos não têm poder de executar a holding de Ometto. Daí, então, que isso não está atrelado a uma estrutura de dívida. Ou seja, essa parcela não amplia o endividamento da Cosan.
Outra beleza da operação de compra de Vale é que as ações serão colocadas no balanço como títulos e valores mobiliários, ou seja, contam como caixa dada sua grande liquidez. Portanto, para os financiamentos contratados como dívida, que constarão no passivo da empresa, haverá os papéis da mineradora do outro lado, como ativo. Ou seja, a dívida líquida não cresce em R$ 22 bilhões. Para garantir que esse balanceamento seja seguro, ainda que não perfeito, foi feita uma estrutura de ‘collar’ — que protege o balanço da Cosan, caso o valor de mercado da Vale caia.
Ao longo dos próximos anos, a Cosan terá liberdade para fazer estruturas mais longas de financiamento, em substituição às originais, e ainda também de rever a decisão de investimento na Vale, cancelando contratos e vendendo as ações que já detiver em bolsa — se assim quiser. E, para fazer frente aos vencimentos ao longo do tempo, se persistir no investimento, poderá contar com os dividendos que receber da mineradora — uma pagadora e tanto de proventos — e ainda dinheiro que levantar em outras operações que podem ocorrer, como as ofertas públicas iniciais (IPO) de Compass e Moove.
Que não restem dúvidas, a respeito dos planos de Ometto: a ideia é ter voz na gestão da Vale, sim. A Cosan não faz investimentos passivos. A mineradora se transformou em uma ‘corporation’, ou seja, não possui um controlador majoritário e seus papéis estão dispersos em bolsa. Assim, mesmo fatias menores podem dar voz de ação. Antes da pulverização das ações e do fim do acordo de acionistas, a Vale passou anos sob controle de fundos de pensão estatais, com destaque para a Previ, mais o BNDES, junto com Bradespar (a holding de investimentos do Bradesco), e, em menor proporção, o grupo japonês Mitsui.
Para coroar 2022, antes de anunciar o movimento em Vale, a Cosan também voltou a olhar para terras agrícolas, expandindo o portfólio da Radar, mais uma controlada da empresa. O negócio tem uma receita de arrendamento anual da ordem de R$ 400 milhões.
Para ver o crescimento do conglomerado, não é preciso voltar a 2007. O olhar de uma década é suficiente. O Ebitda gerado pelos ativos administrativos pela holding era de R$ 4,5 bilhões, em 2012. Significa que em dez anos, a capacidade de gerar recursos foi multiplicada por quase cinco.
Ao que tudo indica até o momento, e a história é escrita todos os dias, Ometto sempre entendeu muito bem do mercado, o mercado é que nem sempre entendeu Ometto. E ele mesmo diz isso sem falsa modéstia. Logo após o anúncio da compra da participação na Vale, as ações da Cosan chegaram a acumular queda de 20%. "O mercado não gostou porque não entendeu", resumiu ele na época.