“Vivemos um choque de juros. Selic maior leva taxas futuras a dois dígitos, o que não surpreende. Controle da inflação derruba atividade”, diz Marcos Mollica (Opportunity/Divulgação)
Angela Bittencourt
Publicado em 17 de agosto de 2021 às 11h24.
Por trás da torcida pelo equilíbrio das contas públicas, leia-se déficit decrescente e controle de gastos, há boa intenção: o interesse do setor privado de que mais dinheiro disponível na economia seja conduzido a investimentos como alavanca de crescimento econômico. Forte necessidade de financiamento leva o governo a demandar recursos do setor privado, o que não é novidade para ninguém. Por conta desse movimento, uma montanha de recursos – reciclada em compra de bens e serviços pelo setor público – poderia estar alocada em investimentos produtivos. E é exatamente isso o que sugere uma fotografia dos ativos em que estão ancorados os fundos de investimento no Brasil. Mas a mesma foto revela uma lenta, mas talvez decisiva, transformação. Ativos que destinam recursos ao setor privado – caso de ações e debêntures – já caíram no gosto do investidor.
Embora em ritmo menor de expansão ao longo do primeiro semestre, em junho quase 70% do patrimônio dos fundos de investimentos estavam alocados em títulos públicos federais e em operações compromissadas do Banco Central (BC) – também garantidas por papéis federais em aplicações de curto prazo. Essas duas modalidades de ativos somavam, em junho, R$ 3,6 trilhões de um patrimônio consolidado de R$ 5,3 trilhões, segundo monitoramento da Anbima – Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais.
Mas há uma mudança em curso. Perceptível e positiva. De janeiro a junho, o montante de títulos federais abrigados nas carteiras ficou praticamente estável em R$ 2,6 trilhões, enquanto as compromissadas do BC avançaram 8,7%, para R$ 1 trilhão – aumento modesto se comparado à evolução de outros ativos. Entre as 16 classes de ativos mapeadas pela Anbima e voltadas para o financiamento do setor privado estão, por ordem decrescente, as ações (R$ 820 bilhões, em alta de 8% no semestre); debêntures (R$ 229,6 bilhões, em expansão de 21,6%) e letras financeiras (R$ 218,7 bilhões, aumento de apenas 0,9%).
“As aplicações em ativos privados, o que também vale para as ações, indicam que as empresas estão investindo. E a alocação de recursos pode ser um indicador desse movimento. Se o Estado não fosse tão grande, uma parcela maior de recursos poderia ter o mesmo destino. Mas não se pode imaginar que o dinheiro captado pelo governo – para refinanciamento de sua dívida – está morto, parado. Não está. O dinheiro está circulando na economia”, pondera Marcos Mollica, gestor de fundos multimercados do Opportunity, uma das maiores e mais tradicionais casas de investimentos do país.
Em entrevista ao EXAME IN, Mollica avalia que o crédito – fonte tradicional de recursos que alimenta o setor produtivo – revela equilíbrio entre oferta e demanda. Porém, avalia, com o aumento da taxa básica de juro tende a reduzir a procura porque o custo mais elevado das operações pode não compensar os investimentos produtivos.
“Vivemos hoje um choque de juros. O aumento da Selic promovido pelo BC, embora leve as taxas futuras aos dois dígitos, não surpreende porque faz parte do arsenal de controle da inflação derrubar a atividade. Não é à toa que as projeções de crescimento para o ano que vem estão oscilando entre 1,5% e 2%”, afirma o gestor do Opportunity.
Na pesquisa Focus, divulgada na segunda-feira, a projeção mediana para a Selic deste ano e do próximo avançou idênticos 0,25 ponto percentual, para 7,5% ao ano. O ajuste foi suficiente para manter o juro real em quase 0,5% neste ano, ante expectativa de inflação de 7,05% em 2021, e sinalizar juro real de 3,5% para 2022, quando a variação do IPCA deverá alcançar 3,90%, também segundo a Focus. Esses prognósticos apontam, portanto, o choque de juro mencionado por Marcos Mollica e sinalizado pelo Itaú Unibanco no relatório macro divulgado na semana passada.
Juro a 7,5% foi incorporado pelo maior banco privado do país no mesmo documento em que o departamento de pesquisa macroeconômica, chefiado pelo ex-BC, Mário Mesquita, reduziu a estimativa de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) de 2022, de 2% para 1,5%. Para inflação IPCA, o Itaú espera 6,9% neste ano. Antes disso, porém, o indicador atingirá um pico no acumulado em 12 meses próximo de 9,3% - na leitura de agosto. Os maiores destaques de alta, diz o Itaú, estão em itens ligados a commodities, como alimentação no domicílio e combustíveis de veículos, e a gargalos de produção, como automóveis e eletroeletrônicos. Na margem, itens ligados à reabertura, como refeições em restaurantes e viagens, também já mostram sinais de aceleração.
Pressionada por serviços, a inflação segue forte e com alta disseminada, diz o Itaú que não vê alternativa ao Comitê de Política Monetária (Copom) além de acelerar o ajuste da taxa Selic. Dados os riscos inflacionários mais elevados, o maior banco privado do país prevê nova alta da Selic de 1 ponto percentual na próxima reunião do colegiado.
Dinheiro mais caro abate o PIB que, em 2022, não contará com fatores que impulsionam 2021. “A revisão do PIB para 1,5% no ano que vem decorreu principalmente da nossa expectativa de juros mais elevados, o que deve levar a política monetária a ser restritiva para a atividade econômica. E também porque acreditamos que a política fiscal será também contracionista, mesmo levando em conta o novo programa de transferência de renda, pois o gasto público primário total deve recuar para nível próximo ao observado em 2019 em termos reais”, afirma o relatório macro.
Nesse contexto, o Itaú acrescenta a perspectiva de desaceleração do setor industrial global e a queda de preços de commodities no ano que vem. Por último, diz o banco, em 2022, a atividade econômica não se beneficiará mais do impulso advindo da reabertura do setor de serviços, algo que, segundo o Itaú, ficará restrito ao segundo semestre deste ano.
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