Linha de transmissão: mega leilão realizado em junho visa ligar nordeste ao sudeste com oferta de energia limpa (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)
Repórter Exame IN
Publicado em 4 de agosto de 2023 às 18h09.
Última atualização em 7 de agosto de 2023 às 13h17.
O consórcio Gênesis foi inabilitado pela Aneel para assumir as concessões que venceu no megaleilão de transmissão de energia realizado em junho. A decisão da agência reguladora saiu nesta sexta-feira, 4, alegando que a empresa não conseguiu apresentar as garantias solicitadas, resumidamente. Os motivos envolvem desde a apresentação de documentação com o logotipo de outra sociedade empresarial (da qual não é sócia), a falta de certificados para a execução e supervisão dos serviços e a impossibilidade de aferir os índices de liquidez e patrimônio líquido mínimos exigidos.
A agência reguladora lista todo o processo de comunicação com a empresa e aponta, ainda, outros fatores inusitados na resposta do Consórcio Gênesis aos questionamentos. Por exemplo, a ausência de registro em cartório para os registros da conta Imóveis da empresa, erros gramaticais e ausência de reconhecimento de firmas de comprador e testemunhas em diferentes versões do contrato.
A decisão da Aneel era acompanhada de perto desde que o consórcio de empresas, formado pela empresa The Best Car — com uma participação minoritária, de cerca de 5%, da Eireli Entec — venceu os lotes 1 e 8 do leilão, que demandam investimentos da ordem de R$ 3,4 bilhões. O consórcio ofereceu um lance em que previa receitas anuais permitidas (RAP) de R$ 193,5 milhões. A cifra, vale lembrar, oferecia um deságio de mais de 60% em relação ao valor estabelecido no leilão.
Tamanho desconto surpreendeu players do setor na ocasião. Para executivos ouvidos pelo EXAME In, uma percepção repetida diversas vezes era a de que o valor não seria suficiente para cobrir todas as necessidades da concessão. Mas que caberia, no fim das contas, à análise da Aneel o veredito final.
Com a decisão anunciada hoje, começa o processo para sanar outra dúvida: afinal, o que será feito a partir de agora para as concessões? O histórico e, principalmente, o edital, ajudam a entender melhor essa situação.
Em 2020, houve uma inabilitação de empresa em um leilão de transmissão de energia. A empresa era a segunda colocada no certame, e foi convocada depois que a Agronegócio Alta Luz Brasil Indústria e Comércio, Importação e Exportação S/A foi desclassificada por problemas de documentação. Depois do primeiro parecer da Aneel, a empresa chegou a recorrer, mas, no fim, ficou mantido o entendimento de desclassificação. A decisão final saiu em abril de 2021 e, como resultado, a State Grid Brazil (segunda colocada) teve de assumir o lote 1 do leilão de transmissão realizado em dezembro de 2020. O leilão, na época, contratou 1.959 quilômetros de linhas e subestações, com um deságio médio de 55,24%.
Trazendo a situação para o presente — e para a situação do consórcio Gênesis. Com a decisão tomada pela Aneel, o consórcio tem dez dias para recorrer da decisão da agência reguladora (que, por sua vez, não tem um prazo predefinido para declarar seu veredito final).
Caso realmente seja mantido o entendimento atual — uma possibilidade vista como mais provável pelo mercado — o edital aponta, na cláusula 10.18, que, "No caso de inabilitação da proponente vencedora ou de desclassificação de proposta financeira, poderão ser convocadas, mediante a conveniência do interesse público, para apresentar os documentos de habilitação, as demais proponentes, sucessivamente e segundo a ordem crescente dos valores dos lances ofertados no leilão, até que uma atenda às condições de habilitação fixadas neste Edital".
Apesar de o texto colocar que “poderão ser convocadas” (e não “deverão”) o entendimento até o momento é o de que, de fato, partir para o segundo colocado será o caminho seguido pela agência, de acordo com Alexandre Leite, sócio da área de energia do Cescon Barrieu. “Para mim, a informação está bastante clara, de que será convocado o segundo colocado. Há ainda um ponto bastante relevante neste edital, que é o fato de que essa empresa não será obrigada a assumir o lote pelo preço vencedor. O que considero um acerto da agência”, diz.
Parte do mercado também entendeu que esse será o caminho a ser seguido pela agência reguladora, como mostraram relatórios divulgados nesta tarde. Outros analistas, ouvidos pelo EXAME In, ainda consideram que não se trata de uma relação tão direta assim — e estão esperando a decisão final da agência reguladora.
Mas afinal, quem são as vice-colocadas em ambos os lotes? No lote 1, segundo maior do certame, a Isa Cteep é a empresa que veio em seguida do consórcio Gênesis, com uma RAP de R$ 283,8 milhões, um deságio de 44,85%. No Lote 8, a empresa que ficou em segundo lugar é a Rialma Administração e Participações.
Tomando como base as informações divulgadas pela Isa Cteep, companhia listada em bolsa, dois relatórios de bancos de investimento, divulgados nesta sexta-feira, estimaram o retorno a ser obtido pela companhia caso assuma de fato a concessão. No Itaú BBA, os analistas Marcelo Sá, Fillipe Andrade, Luiza Candiota, Victor Cunha e Matheus Botelho Marques, apontaram que a companhia terá uma taxa de retorno (IRR) para o lote 1 de 7,5% com um valor presente líquido de R$ 43 milhões. As informações tomam como base o que foi divulgado pela empresa para o lote 7.
“Nós vemos algum espaço para upside, principalmente considerando o benefício fiscal que a empresa pode obter caso a dívida seja emitida no nível da holding, uma estratégia que já tem sinalizado. Se colocarmos isso em jogo, a TIR do lote 1 seria de 9,3%, com um VL de R$ 168 milhões”, afirmam.
Já nas contas dos analistas Henrique Peretti e Victor Burke, do JPMorgan, a TIR real para o projeto ficaria em 7,9%, também tomando como base as informações divulgadas para os blocos 7 e 9 pela Isa Cteep, além de uma redução de 20% no capex.
Os próximos passos ainda precisam ser definidos, mas fato é que serão acompanhados de perto por investidores. Afinal, trata-se de um leilão que visa escoar energia renovável do Nordeste e norte de Minas para o Sudeste. “Não são linhas que ‘eventualmente’ podemos precisar. Já precisamos delas hoje e muito. Se essa conexão deixa de ser feita, pode aumentar a necessidade de despachar hidrelétricas e térmicas no Sudeste, além de minar investimentos no Nordeste e Norte de Minas”.