Exame IN

Como a paulista Antix foi de outsider da moda ao sucesso na pandemia

Com faturamento superior a R$ 50 milhões, marca com identidade romântica retrô constrói clientela fiel e resiliente a crises

Casa Antix: fundadora Patricia Ju Hee Ha na escadaria que chama de coração da loja conceito (Germano Lüders/Exame)

Casa Antix: fundadora Patricia Ju Hee Ha na escadaria que chama de coração da loja conceito (Germano Lüders/Exame)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 5 de janeiro de 2021 às 16h28.

Última atualização em 6 de janeiro de 2021 às 22h59.

Em pouco mais de uma década, o casal coreano Patricia Ju Hee Ha e Andre Shin transformou uma confecção paulista que vendia vestidos e roupas femininas no atacado em um verdadeiro acontecimento da moda. A marca Antix, que nasceu como uma outsider, encontrou um nicho de mercado cativo com sua proposta de visual romântico retrô e agora já fatura mais de 50 milhões de reais por ano. Sem a pandemia, teria superado 60 milhões de reais em 2020.

Nesse mercado cruel e canibal, os números chamam atenção. Por exemplo, das sete bandeiras abaixo do Grupo Soma, incluindo a recém-adquirida Maria Filó, apenas Farm, Animale e Cris Barros tiveram receita superior a 100 milhões de reais em 2019 (ano sem covid) — três delas ainda não alcançaram tamanho para 50 milhões de reais de receita anual.

Com uma identidade forte e irreplicável, que nasceu inspirada no mundo das fábulas coreanas que a fundadora Patricia leu até sua adolescência, a marca conquistou uma legião de consumidoras fiéis. "Eu sempre pensei na valorização do feminino para a Antix. Mas, no começo, quem usava era um público até mais underground e, aos poucos, várias comunidades foram se formando em torno da marca", conta Patricia Ha, em sua primeira entrevista sobre o negócio, concedida ao EXAME IN.

A recorrência das clientes mais um canal digital consolidado antes da pandemia, somado ainda à agilidade das decisões, foram determinantes para que a empresa atravessasse 2020 melhor do que diversas grandes marcas. “Conseguimos frear a produção e reduzimos o volume de peças em 35%, mas o total da receita sofreu um recuo da ordem de apenas 15% e o faturamento ficou perto de 45 milhões de reais”, conta a empresária. “Terminamos o ano quase sem estoques adicionais.” A empresa não precisou apelar a promoções constantes para se manter ativa, o que protegeu a receita — e, por consequência, as margens e o capital de giro (não divulgados).

O setor foi um dos mais atingidos pela pandemia. Grandes holdings como Restoque e InBrands enfrentaram — e ainda enfrentam — desafios financeiros. Com cinco marcas no portfólio, entre as quais Le Lis Blanc, John John e Rosa Chá, a Restoque teve queda de 44% na receita líquida, para 396 milhões de reais, de janeiro a setembro. Já a Indrands, com nove bandeiras, incluindo Ellus, Salinas e Richards, viu a receita líquida encolher 56% nesse período, para um acumulado de 178 milhões de reais.

O sonho no meio da pandemia

Bem no ano em que o mundo se trancou em casa e o pijama virou roupa de trabalho, Patricia Ha realizou um sonho acalentado desde 2017 e inaugurou a Casa Antix (confira a galeria de imagens no final da matéria), uma loja conceito que proporciona o contato do consumidor com a alma do negócio criado pela empresária da marca — o mundo de fábulas e delicadezas que cultivam o feminino. A abertura ao público aconteceu em agosto, tão logo o comércio pôde voltar a abrir as portas (ainda que em horário reduzido).

A Casa Antix, situada no coração do universo cool paulistano, a região de Pinheiros e Vila Madalena, oferece a experiência com todo tipo de produtos da marca, que agora já vão de vestidos e calçados a louças decorativas, passando por pijamas, papelaria, chinelinhos de tecido e jogos americanos. “Nessa coleção, tivemos 500 referências de produtos”, explica.

A variedade é 5 vezes o que havia disponível no início da década, em 2011, quando a Antix partiu para o varejo direto. “Hoje, quase não há sobra de tecido. Tudo vira uma outra coisa.”

A produção no ano da pandemia ficou em aproximadamente 250 mil peças. “Foi um ano muito difícil em tudo. Faltou insumo e não foi simples fazer as coisas acontecerem. Mas deu certo também porque nossa força orgânica é muito grande”, destaca Patricia. Em um ano normal, a produção é da ordem de 350 mil peças, sem considerar jeans e malhas, que são feitos em outras confecções.

Com a inauguração da loja conceito, o total de lojas próprias ficou estável em 11 pontos, um feito para um ano como 2020 e para uma empresa familiar, sem acesso ao mercado de capitais em qualquer de suas formas para buscar recursos extras. Justamente o local inaugural, no shopping Vila Olímpia, fechou as portas — única baixa da pandemia. “Foi uma sensação ruim fechar a primeira loja. Uma decisão muito dura. Mas precisávamos ser rápidos e pragmáticos, e não faria sentido manter apenas por apego. O shopping perdeu muito movimento e muitas lojas.”

Do atacado para o varejo

Sem abandonar o canal das multimarcas, sua origem, a Antix promoveu uma reviravolta nos planos em 2011 ao decidir partir para o varejo direto com a primeira loja própria no  Vila Olímpia. A decisão veio tão logo a fundadora Patricia se deu conta que a marca não tinha clientes, mas fãs, as antiketes, e que não apenas compravam, e sim colecionavam, seus vestidos.

Patricia não sabe dizer quantas consumidoras se transformaram em colecionadoras, mas sabe que são muitas, pois acumula mensagens e declarações de suas clientes — e de seus maridos, que ganharam o apelido de maridix, para combinar com o passarinho que é a logomarca, chamado de passarix. “Existe até uma brincadeira, na qual elas falam que têm o dinheiro ‘emvestido’”, conta a empresária, destacando que existe um mercado grande de segunda-mão da marca, do “desapego”.

Com esse movimento, a receita cresceu cerca de 320% na década, saindo de 18 milhões de reais em 2011, de acordo com o marido Andre Schin, que faz a gestão da empresa ao lado da esposa.

Neste ano, a 12ª loja própria será inaugurada, a terceira em um shopping premium de outlets, onde também é possível vender a coleção do momento. A primeira nesse formato está no badalado Catarina Shopping, da JHSF.

Partir para o varejo permitiu que a Antix fortalecesse seu posicionamento de marca, pois no canal multimarca muitas vezes as peças ficam diluídas e não são apresentadas no contexto visual completo, que envolve também a loja. “O passarix já virou tatuagem, muitas vezes, e já foi até tema de festa de aniversário”, exemplifica Patricia, para falar como o laço com as consumidoras se estreitou ao longo do tempo.

“Sempre gostamos do conceito do storytelling. De que cada peça, cada coleção, tenha uma história e um sentido por trás”, destaca  ela. Por isso, cada vestido tem um nome, como se obra de arte fosse. “Nem sempre dá para valorizar isso nas multimarcas”, explica ela.

A vida em rede

“As primeiras comunidades de fãs nasceram ainda no Orkut”, relembra a fundadora. Agora, a Antix vai comemorar em breve o acúmulo de 400 mil seguidoras no Instagram — no Facebook, há diversas comunidades, com milhares de participantes. Mas é no próprio Instagram e também no Youtube que a marca reforça seu visual e valores. Tudo sem campanhas de marketing tradicional, sem outdoor e sem influencers.

O investimento em divulgação é concentrado na história e na apresentação do produto. Desde 2008, o casal aposta na produção de um lookbook (o famoso catálogo) primoroso, além de vídeos com a temática da coleção.

Para efeito de comparação, a Farm, com 77 lojas próprias e uma receita 12 vezes maior — 660 milhões de reais, em 2019 — tem 1,4 milhão de seguidoras no Instagram. A marca, disparada a maior do Grupo Soma e que também tem grande força no canal digital, acumulava recuo de 20% na receita dos primeiros nove meses deste ano.

Quando a pandemia chegou, não pegou a Antix de calças curtas. A empresa já havia colocado tudo referente ao comercio eletrônico para dentro de casa em 2017, tão logo começou a perceber que ele era essencial para a percepção de valor de marca. O canal de e-commerce foi inaugurado já havia muitos anos, em 2012, mas funcionava como uma operação terceirizada.

Patrícia explica que a venda pelo site equivale a de três lojas físicas próprias. A expectativa é que essa equivalência chegue a dez unidades dentro de poucos anos. “Mas quem sabe o potencial disso de verdade? Na internet, você pode crescer 10% ou 1.000%”, comenta Andre Shin.

No acumulado do ano, as vendas online aumentaram 70%, porém nos meses de lojas completamente fechadas, o crescimento superou 100% no comparativo anual, de acordo com os cálculos do empresário. Como em diversos negócios mais preparados, o e-commerce que compensou a perda de receita nas lojas físicas — da ordem de 30%, no caso da Antix.

Planos

Mesmo com o mundo Antix disponível em alguns clicks, a companhia julga a presença física importante. “É essencial para a vivência da marca, né?”, reforça Patricia. Presente por meio de revendas em estados tão improváveis como Acre e Roraima, a meta é ter ao menos uma Casa Antix em todas as capitais nacionais até o fim de 2024 — novas inaugurações estão previstas a partir de 2022. Entre revendas e lojas próprias, a companhia está em 17 estados, incluindo o Distrito Federal (DF) — são 63 revendas autorizadas, além das lojas próprias. Nos locais onde as revendas são fortes e guardam forte identidade com a marca, a empresa não pretende rivalizar com operações próprias.

Ultrapassar as fronteiras nacionais também já começa a aparecer nos estudos para o futuro. Como há muitas clientes fora do Brasil, em especial nos Estados Unidos, o casal está estudando como ter uma base no país, possivelmente em Los Angeles, onde André Shin já morou, antes de se casar.

E, claro, o mundo dos bits e bites também vai ser alvo de expansão. O casal quer colocar no mercado o aplicativo Antix (hoje as vendas são apenas pelo site) e ter uma plataforma tecnológica mais robusta. A empreitada deve auxiliar inclusive o negócio a ampliar sua inteligência de dados.

Patricia conta que a recorrência no site é de ao menos 30% das compradoras e que as consumidoras mais próximas da marca — seja em loja física ou no canal online — compram no mínimo duas peças por coleção (são duas ao ano).

Entre os projetos de 2021, também está expandir o galpão dedicado à logística do e-commerce (feita em parceria com os Correios), ao lado da fábrica de 1.800 metros quadrados na região central de São Paulo. Tudo isso sem abandonar o atacado: a loja dedicada a esse mercado está de mudança para um espaço maior, para oferecer uma variedade maior de itens. “Ao longo dos anos, praticamente sempre reinvestimos tudo em crescimento e melhorias”, conta André Shin.

Maturidade

Junto com as oportunidades, Patricia sabe dos desafios. Em 2017, começou uma reformulação para ajustes da marca, sem abandonar a essência. A empresária conta que havia muitos pedidos por tamanhos maiores das peças e ainda por modelos um pouco menos lúdicos — "Não dá para eu trabalhar com uma estampa de coelhos", comentou com a fundadora, um dia, uma cliente que trabalha no mercado financeiro.

Além disso, ela aponta que a consumidora fiel, que começou com a Antix e tinha 25 anos, agora tem 40. Para a empresária, uma marca não pode envelhecer, precisa manter seu frescor. Mas necessita também fazer isso sem deixar de ouvir seu público. “Hoje fico feliz em ter clientes em que a avó veste Antix, a mãe e a filha, também, com a marca Antikinha.”

Ela conta que para isso fez uma imersão com as consumidoras, levando-as literalmente para dentro da fábrica, para ouvir suas críticas. “Quando você se abre de verdade para isso, não precisa de consultoria para te ajudar. Pedi para minha equipe buscar o público que estava fazendo críticas e descontente de alguma forma.”

O casal também tem ciência que o desafio da maturidade não envolve apenas design e estilo, mas a gestão. Patrícia e Andre contam que estão cada vez mais buscando talentos para profissionalizar a administração, mas estão indo com calma, pois não querem tornar os processos burocráticos. Ao contrário. Ainda que o tempo no mundo das fábulas passe devagar, ou simplesmente não passe, a dupla sabe que velocidade de reação e ação são preciosos. “Não podemos perder a agilidade que temos por sermos pequenos.”

Quando o assunto é buscar sócios para um aporte de capital, porém, a visão diferente do casal sobre o tema explica porque o assunto está, por enquanto, completamente fora do radar.

Berço

Fundada em 2006, a Antix nasceu no bairro do Bom Retiro, no centro da cidade de São Paulo. Quando começaram o negócio próprio na área de confecção, um ano antes, o casal — grávido do primeiro filho (há ainda um casal de gêmeos) — tinha na bagagem apenas a experiência no ramo adquirida única e exclusivamente no trabalho com os pais, e mais a obsessão pelos detalhes e pela vivência dos clientes.

Os patriarcas do Patricia e André vieram da Coreia do Sul, que na década de 70 enfrentava uma grave crise econômica, em busca de uma vida melhor no Brasil. Ambos fincaram raízes na região central da capital paulista, no ramo de confecção. Patricia nasceu na Coreia, veio bebê ao Brasil. Já Andre nasceu em solo verde-amarelo.

“Meu pai foi sapateiro por alguns anos, no Glicério”, conta a empresária. “Mas eles cresceram mesmo no ramo de confecção. Compraram três máquinas de costura e trabalhavam até altas horas da madrugada”, relembra. Os pais de Patricia, que até hoje praticamente só falam coreano, tinham um negócio de moda casual para jovens senhoras em tamanhos grandes.

Formada em Propaganda e Marketing, Patricia cuidava de tudo que envolvesse experiência com clientes na operação dos pais, quando André veio, em 2005, com a ideia de terem o próprio negócio em um shopping de atacado para apenas 40 lojistas que seria aberto por José Kalil, ex-marido da especialista em moda Gloria Kalil, na região.

A família de André é do ramo de aviamentos — para os leigos: tudo relacionamento ao acabamento de peças, como rendas, botões, zíperes. A origem do marido influenciou o futuro da Antix, pelo conhecimento de André sobre o valor de uma boa finalização. “O que fazemos se chama excelência de qualidade”, fala, ressaltando o cuidado da empresa com cada forro, cada etiqueta que leva o nome da marca, cada costura e botão. Hoje em dia, até as ferragens da Antix (botões e fechos de cintos, por exemplo) são exclusivas e feitas para cada uma das peças.

“No começo, falaram para a gente que teríamos de fazer entre seis e sete viagens internacionais por ano para ver as tendências fora do Brasil e trazer os produtos. Na época, também era obrigatório ter a moda da novela”, relembra a empresária. “Mas eu queria fazer algo que tivesse identidade própria e fosse independente. E logo percebemos o espaço nesse mercado do feminino lúdico e romântico.”

No primeiro ano ficamos mais perdidos, mas no ano seguinte já pensamos na Antix. Para a empresária, a marca explorou todo potencial de sua personalidade, pela primeira vez, a partir da coleção chamada Candy Shop, quando já tinha ilustradores exclusivos dentro das principais estamparias do país — hoje o grupo de criativos envolvidos no processo chega a uma dezena, entre internos e externos. A fundadora, cujo cargo oficial é diretora de criação, se envolve com tudo. Desde a escolha do tema da coleção, da paleta de cores até as ilustrações finais. O processo todo leva mais ou menos o tempo de uma gestação.

Patricia conta que quando o assunto é pesquisa de moda prefere muito mais viajar para a Inglaterra do que para os Estados Unidos ou até mesmo outros países da Europa. “Lá [Londres] tem essa cultura do brechó e uma ousadia bem dosada."

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