Sabesp: Emae é altamente sinérgica e a compra já foi estudada por mais de uma gestão (Sabesp/Divulgação)
Editora do Exame INSIGHT
Publicado em 6 de outubro de 2025 às 15h13.
Última atualização em 6 de outubro de 2025 às 15h32.
A Sabesp surpreendeu ontem ao anunciar a compra da Empresa Metropolitana de Águas (Emae) por R$ 1,1 bilhão – numa transação pequena, mas altamente estratégica, por dar acesso à gestão da vazão dos rios Tietê e Pinheiros e das represas Billings e Guarapiranga.
O negócio é tão sinérgico que já tinha sido aventado algumas vezes pela Sabesp, pelo menos em 2009 e em 2017, na gestão de Jerson Kelman, segundo fontes ouvidas pelo INSIGHT. Mas nunca saiu do papel, em grande parte por conta das restrições de ambas as companhias, estatais à época.
Dessa vez, a crise da Ambipar teve tudo a ver com a oportunidade que se abriu para a Sabesp.
A Emae foi privatizada em abril do ano passado, num leilão arrematado pelo fundo Phoenix, do empresário Nelson Tanure.
As ações da Emae foram dadas em garantia de uma emissão de debêntures, detida por um fundo da XP e administrada pela Vórtx, que financiou a transação.
Como não houve o pagamento da primeira parcela de juros, prevista para a semana passada, os credores decretaram o vencimento antecipado, executaram a garantia e foram atrás da Sabesp para fazer a venda das ações – à revelia de Tanure, que ficou sabendo da transação pelo fato relevante e vai recorrer na Justiça.
Emae e Ambipar não têm relação direta, mas seus acionistas sim. E é nas garantias para as debêntures que foram executadas que começa a história.
A área técnica da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já mostrou que a valorização de mais de 900% das ações da Ambipar em poucos meses no ano passado teve a ver com uma compra coordenada de ações entre a tesouraria da empresa, seu controlador Tércio Borlenghi e veículo detidos por Nelson Tanure e o Banco Master.
O movimento, disse a autarquia em parecer publicado em junho, foi orquestrado justamente para compor garantias para financiar a compra da Emae e “alavancar o patrimônio de Tércio”. A Superintendência de Registro de Valores Mobiliários (SRE) chegou a conclusão como parte de uma investigação concluir se a compra de ações dispararia uma oferta pública de aquisição (OPA) para todos os acionistas da Ambipar.
O colegiado da autarquia entendeu que não, porque os acionistas não são 'vinculados', numa decisão polêmica, que, na prática, contou com dois votos de minerva – um do então presidente João Paulo Nascimento e outro do interino, Otto Lobo, que assumiu a autarquia com a renúncia do colega.
Evidentemente, o derretimento das ações da Ambipar depois do pedido de proteção contra credores já seria suficiente para soar o alarme em relação dos debenturistas do Phoenix. Mas, segundo apurou o INSIGHT, ele foi apenas a gota d’água de um imbróglio que começou meses antes.
Além de Tanure ter ações na Ambipar, Borlenghi também construiu uma participação de 24% nas ações ON da Emae, por meio do fundo Arys (que em 15 de setembro, perto da crise da Ambipar estourar teve seu nome alterado para Oceania e mudou de administrador, saindo da Trustee, ligada a Tanure, para a ID). Chegou a ser indicado para o conselho, mas não assumiu.
O controlador da Ambipar era avalista nas debêntures da Emae e se comprometeu junto a credores a pagar a primeira parcela de juros das debêntures, em troca de liberação de suas garantias.
Em meados de agosto, Borlenghi mudou de ideia e a dívida voltou para Tanure, que pediu uma prorrogação no prazo, acendendo a luz amarela nos credores.
Nesse meio tempo, no começo de setembro, a EMAE comprou R$ 250 milhões em debêntures e units da Light, também de Tanure – o que levantou ainda mais dúvidas sobre a governança do processo, já que o caixa da uma empresa estaria sendo usado para financiar outra, do mesmo grupo.
Foi por volta desse período que a Sabesp começou a ser consultada. Em teleconferência realizada hoje, o CFO da antiga estatal Daniel Szlak afirmou que a transação foi recebida de forma “passiva” e fechada em “três a quatro semanas”, porque a empresa já conhecia bem o ativo.
Um dos planos dos debenturistas era ir executando aos poucos a participação que Tanure tinha na Ambipar.
O inesperado pedido de proteção contra credores da companhia – que tinha R$ 4,7 bilhões em caixa – e o derretimento dos papéis foi a pá de cal que culminou na venda do próprio equity da Emae que estava em garantia.
Segundo informações disponíveis na CVM, o fundo Phoenix tem participação no Esna, que por sua vez, tinha 150 milhões de ações da Ambipar. Essas ações foram compradas a um custo de R$ 420 milhões e, no fim de agosto (última informação disponível) valiam R$ 2 bilhões. Com o colapso das ações da Ambipar, essa mesma participação vale hoje R$ 150 milhões.
No call realizado hoje de manhã, a Sabesp disse que espera concluir a compra da Emae no primeiro trimestre de 2026, sem fazer menção sobre um eventual imbróglio jurídico.
Quem acompanhou o processo de privatização da Sabesp vai se lembrar que Tanure chegou a tentar compor um consórcio à época também para levar a estatal de saneamento dias antes do leilão de privatização, mas não conseguiu compor garantias.
O jogo definitivamente virou.