Escola Parque, no Rio: uma das primeiras aquisições do grupo Bahema, após guinada para setor de educação (Bahema/Divulgação)
Graziella Valenti
Publicado em 13 de setembro de 2022 às 12h59.
Última atualização em 13 de setembro de 2022 às 16h00.
Para quem olha de fora, o ano de 2022 pode parecer de calmaria na Bahema Educação. Das 11 bandeiras de escolas dentro do grupo, apenas uma foi adquirida nesse exercício. “Mas que nada”, como diz a canção de Joge Ben Jor. A companhia, cuja guinada para o setor de educação foi liderada pelos primos Guilherme Affonso Ferreira Filho, o Guiga, e Frederico Marques Affonso Ferreira, o Fred, fez movimentos para lá de relevantes. Só que agora, muito mais da porta para dentro. Tudo que aconteceu, no ano passado e neste, deixa o negócio preparado para mais crescimento. No setor de educação, a expansão começa já no segundo semestre do ano, quando começam os períodos de matrícula e rematrícula para o próximo exercício.
A companhia, que saiu do zero para quase 14 mil alunos em cinco anos, consolidou o controle de todas as marcas que adquiriu ao longo desse intervalo e também toda sua governança — tanto aquela que o mercado enxerga com facilidade, estrutura societária e conselho de administração, como dos processos internos. “Se você puxar a história do começo, vai lembrar que muitas das aquisições da Bahema foram feitas com opções de compra para o futuro”, afirma o CEO Gabriel Ribeiro, durante entrevista exclusiva ao EXAME IN, que contou com os principais executivos, sócios e diretores. O saldo a pagar das aquisições, que em março de 2021, era de quase R$ 150 milhões, agora é da ordem de R$ 30 milhões.
Está tudo — muito mais — pronto para seguir com o projeto de expansão. Em 2021 inteiro, a Bahema teve uma receita pró-forma de R$ 295 milhões (considerando efeito integral das aquisições). Neste ano, só nos seis primeiros meses, a receita foi de R$ 170 milhões acumulados, o que a coloca com potencial de terminar 2022 com faturamento anual da ordem de R$ 350 milhões. O crescimento pró-forma de janeiro a junho, como se todos os negócios já estivessem consolidados um ano atrás, foi superior a 23%. Nos dados contábeis: alta de 37%.
Mesmo com todos os desafios impostos pela pandemia, a base de alunos da companhia cresceu quase 20% na comparação com fevereiro de 2020 e tem 13,5 mil estudantes, entre ensino infantil, fundamental e ensino médio, em cinco estados do Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina e Recife). Na comparação anual a alta foi de 17%. Os números colocam a empresa como uma das maiores do país nesse mercado que é ultra-pulverizado.
“Estamos com 2/3 do trabalho feito”, diz Ribeiro, sobre a organização interna para ampliar rentabilidade e eficiência. “Os números ainda não são visíveis no balanço, mas a base está toda construída”, explica. O 1/3 que falta vem com o tempo. No segmento premium, por exemplo, o Ebitda alcançou quase R$ 16 milhões. No consolidado, o número é negativo em R$ 4,3 milhões.
A principal explicação para o sinal negativo é simples: a Escola Mais, a frente de crescimento mais acelerado dentro do grupo. Trata-se de um modelo desenvolvido internamente para aproveitar toda a experiência pedagógica e de gestão das frentes premium para um modelo de baixo custo. As mensalidades são da ordem de R$ 800 reais. Para se ter uma ideia do quão competitivo é esse custo basta saber que, na média, é muito próximo do gasto médio por aluno do ensino público, na média nacional — que no Estado de São Paulo é muito maior.
“Dobramos de tamanho neste ano e a ambição para 2023 é dobrar novamente e seguir em um ritmo forte”, conta Ribeiro, sobre a Mais. Ele lembra que, no fim de 2019, quando decidiram assumir todo o negócio (no qual tinham uma fatia de 15% no momento da fundação e que hoje está em 85%), a Escola Mais tinha 250 alunos. Hoje, são 4.000.
Essa trajetória explica porque essa operação, sozinha, tirou R$ 15,3 milhões no consolidado do Ebitdar (indicador que exclui o custo dos arrendamentos de unidades), que ficou em quase R$ 10 milhões de janeiro a junho. É preciso respeitar a fase de maturação de cada unidade. Nas mais maduras, a capacidade já está 90% preenchida. O Intergraus, comprado neste ano ainda em fase de reestruturação, também trouxe impacto negativo de R$ 2,3 milhões na conta. Ou seja, considerando somente o equilíbrio da Mais e do Intergraus, o Ebitdar teria sido positivo em quase R$ 27,5 milhões.
De todas as bandeiras dentro do grupo, a Mais é a que tem o maior potencial de escala individualmente. Quanto? Difícil prever e os executivos do grupo não gostam de projeções, mas é um desenho feito para competir com o ensino público. “Aqui, dá para pensar em 100 mil alunos”, comenta Ribeiro, reforçando que não é uma estimativa, mas uma ordem de grandeza.
O Brasil tem 40 milhões de estudantes no ensino fundamental e médio e somente 20% desse total está em escolas privadas — em uma divisão exatamente invertida na comparação com o ensino universitário. É dessa fotografia que sai a aposta no modelo da Mais.
Outra frente de expansão que já está dentro de casa é o lançamento de novas unidades das bandeiras premium dentro dos dois outros guarda-chuvas pedagógicos da Bahema: o contemporâneo e o bilíngue. Já existem projetos em andamento. O grupo é dono de várias das escolas mais bem conceituadas do Brasil, como Escola Parque, no Rio de Janeiro, Balão Vermelho, em Minas Gerais, e Escola da Vila e Viva, em São Paulo.
Além da construção de novas unidades das bandeiras que estão dentro de casa, Ribeiro explica que há muitas oportunidades, como colocar ensino infantil na frente ‘dual language’ e aumentar as atividades extracurriculares, pois muitas das marcas não possuem um horário expandido com esse tipo operação. “Há um aumento de demanda expressivo nas escolas bilíngues e também por mais atividades, já que muitos pais precisam de uma alternativa além do horário escolar para deixar os filhos.”
O Grupo Bahema está preparado para um movimento, no segmento fundamental e médio, semelhante ao que ocorreu no mercado universitário, no qual grandes grupos se formaram pela consolidação de operações menores. No Brasil, trata-se de um setor extremamente pulverizado. Sequer é possível fazer uma apresentação de market-share. Se houver um exercício, todo mundo teria o famigerado “traço” como quinhão do mercado total. Nem mesmo o maior grupo do país, o Eleva, dono das bandeiras Elite, Pensi e Alfa, apareceria na lista, com seus 115 mil alunos (após a venda da operação super-premium).
Apesar de a tragédia da covid-19 ter atingido em cheio o setor de educação, ela deixou saldos positivos para a organização do setor. Maurício Escobar, que neste ano assumiu como presidente do conselho de administração da Bahema, aponta que se tornou muito mais perceptível para o setor, ou seja, paras as escolas individualmente, que estar dentro de um grande grupo tem muitos benefícios. Essa noção é vital para a consolidação: o fim de uma resistência cultural de que tamanho é negativo para a qualidade do ensino.
Ribeiro explica que o ganho de escala, com custos, existe na educação fundamental e média, mas que as vantagens principais, nem de longe, estão nessa linha. “Fazer parte de um grupo, estar junto com outras escolas, tem sentido econômico, de escala. Mas é pobre apenas sob esse ângulo”, aponta ele. O CEO da companhia destaca que os maiores desafios das escolas são a profissionalização da gestão financeira e também o desenvolvimento contínuo da parte pedagógica, essa necessária evolução perante os desafios que as mudanças na sociedade impõem. “As trocas entre as escolas enriquecem o debate e faz elas caminharem mais rapidamente.”
A pandemia, na visão dele, escancarou essas vantagens. O executivo, que é também sócio-investidor da empreitada, conta a força que ganhou o Comitê Pedagógico com as reuniões mensais entre as lideranças de todas as escolas. “Criamos algumas instâncias de troca dentro da governança. No início, havia muita descrença sobre utilidade, mas esses grupos se tornaram celeiros de ideias e projetos que têm acelerado o desenvolvimento das escolas”, enfatiza.
“Há algumas escolas que, se estivessem sozinhas, talvez não teriam sobrevivido a esse período. Mas, ao fim, saíram melhores dele”, enfatiza Guiga, que é diretor financeiro e de novos negócios da Bahema.
“Não estamos em uma busca obcecada por tamanho e escala”, avisa Ribeiro, quando começam as perguntas sobre potenciais novas aquisições. Sim, elas continuam como estratégia de crescimento. Mas não são um fim em si próprio. A ideia, segundo ele, é trazer gente que possa contribuir para o debate, trazer desenvolvimento. “É dessa forma que ganhamos musculatura para atacar os problemas que vão desde como eu compro livro mais barato, por negociar coletivamente, até ter mais gente pensando a tecnologia e seu melhor uso ou como tratar o desafio emocional que todos estão vivendo nesse momento nas escolas, após dois anos de pandemia, por exemplo.”
Para se ter uma ideia do cuidado da Bahema com critério para investimentos, Guiga conta que já visitou mais de 400 escolas Brasil adentro, “do Rio Grande do Sul a Roraima”. O importante para a estratégia de consolidação é que as escolhas façam sentido como complemento dentro dos guarda-chuvas escolhidos. Nesse sentido, a Bahema não vê a expansão por aquisições como contraproducente. “Quando houver sentido, vamos crescer. Tem que aumentar impacto e relevância: precisa ser bom para alunos, famílias, professores e para quem patrocina o projeto”, completa o presidente.
A pesquisa de Guiga mostra como o plano da Bahema não vê restrição geográfica para seus movimentos. O mais importante é que haja alinhamento nas linhas pedagógicas dentro das frentes contemporânea ou bilíngue. Isso para o segmento premium. “Na Escola Mais, a demanda existe em todo lugar. Nesse projeto, faz sentido crescer em clusters, pois facilita a gestão”, completa Ribeiro. Hoje, são sete unidades em São Paulo e uma em Joinville (SC).
O alinhamento estratégico e visão sobre o setor também é o pano de fundo da história societária da companhia. “Abrimos mão do controle porque entendemos que esses sócios que temos hoje iriam acrescentar”, reforça Guiga. A empresa cresceu, no começo, patrocinada com recursos da gestora Mint (hoje Mint Educação), fundada por Cássio Beldi e, mais tarde, vieram novos acionistas, que organizaram um outro fundo dentro da casa para investir no projeto, em uma espécie de joint-vendure de capital. São investidores do setor de educação. Mas não com o CNPJ, e sim com seus CPFs.
Nos últimos anos, a Bahema não consolidou apenas a gestão, mas também essa base de sócios e a governança. Tanto Ribeiro — que chegou em 2020 para a cadeira de CEO — como o novo presidente do conselho, Maurício Escobar, vieram da Ânima, um dos maiores do país no ensino universitário. Eles fizeram parte da fundação do negócio, ao lado de Daniel Castanho e família, e mais tarde decidiram sair de funções executivas para voltar a ter o gostinho de “empreender no setor”, só que em uma frente que não conflitasse com o projeto inicial. Os Castanho também têm investimentos na Bahema por meio da Mint, mas esse é um projeto conduzido por Ribeiro e Escobar.
"Sempre achei esse setor muito interessante e resiliente, muito mais que o ensino universitário. As famílias sacrificam muitas coisas antes da educação dos filhos", destaca Escobar.
Hoje, a Mint Educação, com o fundo original e mais a joint-venture com esse grupo, tem 45% da Bahema, após aportes adicionais de recursos, incluindo debêntures conversíveis em ações e que já foram trocadas por participações societárias. A família Affonso Ferreira ficou com cerca de 15% e Fairfax, que já teve um terço do capital, teve a fatia diluída para 21%.
Escobar, à frente do conselho, “um órgão que é o guardião do propósito”, destaca que o papel do colegiado, entre outros, é garantir que “qualidade seja premissa e não objetivo”, nesse segmento, que é, segundo ele, muito mais desafiados e complexo do que o ensino universitário.
Enquanto a relação com alunos no ensino superior é mais impessoal e distante, no fundamental e médio, Ribeiro reforça que é necessário manter sempre o senso de comunidade das escolas, o olho-no-olho com as famílias. Trata-se de um negócio feito essencialmente por pessoas. De um lado, é preciso a gestão micro das unidades para que esse cuidado não se perca, e do outro, o debate interno entre as escolas traz proposições e soluções que podem ser aplicadas.
Sônia Barreira, original da Escola da Vila e agora pedagógica da Bahema, explica que também outro desafio é preparar os professores para lidar com as demandas no novo aluno, do novo jovem. Mais do que um conhecedor de um tema específico, dono de uma área de domínio, como química, matemática, física, ele precisa ser um “engenheiro” do caminho do aprendizado, precisa construir dinâmicas interessantes para esse processo.
“O aluno de modo geral, não quer mais consumir conhecimento. Ele quer ser produtor e, com isso, aprender”, enfatiza ela. “Hoje, o jovem e até as crianças querem fazer parte da solução para o mundo que estamos deixando para eles.”
É Sônia quem está à frente da coordenação dessa engenharia. Na Bahema, enquanto os sócios, com capital e expertise, são os engenheiros das avenidas de crescimento, o corpo pedagógico, tanto do grupo como das unidades escolares, projeta as pontes, viadutos e ligações que fazem o conhecimento circular dentro de toda essa infraestrutura. Com os pilares todos concluídos, a Bahema parte expandir a operação.
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