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Com pacote de salvação, BNDES pode induzir seleção natural nas aéreas

Azul, Gol e Latam vão disputar mesmos bolsos e mercado elegerá melhor negócio para o mundo pós-coronavírus

Aeroporto de Congonhas: companhias estão com maior parte das frotas estacionadas (Germano Lüders/Exame)

Aeroporto de Congonhas: companhias estão com maior parte das frotas estacionadas (Germano Lüders/Exame)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 18 de maio de 2020 às 17h21.

Última atualização em 18 de maio de 2020 às 19h07.

O setor de aviação civil vai passar por um processo de seleção natural. O “mercado”, essa entidade que representa o coletivo de investidores e gestores de recursos, é quem vai decidir quais empresas terão melhor condição e até, no limite, quem vai sobreviver à pandemia.

O pacote de auxílio do BNDES ao setor — que começou estimado em 10 bilhões de reais, mas que ficou em 4 bilhões de reais — não é uma garantia firme de recursos independente. Ao contrário, é condicionada: tem dinheiro do banco público, mas somente se os investidores colocaram sua parte.

Caso as empresas não encontrem compradores para seus papéis, não haverá pacote. Para especialistas, esse risco não é pequeno. No mercado secundário de dívida corporativa, os títulos dessas empresas estão sendo negociados entre 25% e 40% de seu valor de face, percentuais aplicados a companhias consideradas insolventes. "Por que alguém vai colocar 100% de risco em um papel novo se pode colocar 40%?", questionou um especialista. "Se tudo der errado, esses créditos [novo e antigo] vão disputar em igualdade de condição na fila de pagamento."

O entendimento é que ou o pacote corre grande risco de não se concretizar ou, indiretamente, de o BNDES será o fomentador da redefinição do setor ou até de sua consolidação. Mas a eleição quem conduzirá é o mercado.

O plano é que seja oferecido aos investidores um combinado entre debêntures e bônus de subscrição em ações, em uma proporção de 75% e 25%, respectivamente. Após o lançamento, cada título poderá ser negociado de forma independente.

Desde que a Avianca entrou em crise no Brasil, Latam, Gol e Azul passaram a dividir o mercado, concentrando suas participações. No segmento de voos doméstico, a Gol é líder com 39% de participação, seguida pela Latam, com 38% e, na sequência, pela Azul, com 23,5%. Já nos voos internacionais, a Latam é maior, com fatia de 65,5%, a Azul tem a segunda posição, com 22,5%, e a Gol atua com 12%. Os dados são da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), referentes ao ano de 2019.

Para que uma delas consiga levantar 2 bilhões de reais dentro do programa, precisa encontrar 600 milhões de reais entre investidores. Uma vez garantida a demanda, o BNDES adiciona 1,2 bilhão de reais e os bancos comerciais, 200 milhões de reais. A companhia que quisesse 3 bilhões de reais, quando o programa era maior, teria de encontrar 900 milhões de reais com o mercado.

A grande questão, segundo especialistas, é que não haverá demanda para as três empresas. Muito menos, em igual condição. A isonomia pode estar na disposição do BNDES de oferecer crédito às três empresas, mas não está na percepção do mercado.

As companhias terão de concorrer pelos mesmos bolsos de investidores, ao mesmo tempo. A menos que cada qual saia em busca de soluções particulares — como acessar o patrimônio dos controladores, parceiros estratégicos (que estão sofrendo a mesma crise) ou fundos soberanos.

Portanto, o momento em que o dinheiro vai mesmo pousar no caixa das companhias — se ele chegar — está distante. Falta um longo percurso das empresas até os investidores, e o Brasil não possui fundos especializados nesse mercado. O caminho até lá tampouco está totalmente claro.

O comportamento dos bancos privados no modelo já é um termômetro do interesse pelas empresas. O principal motivo de o pacote total ter encolhido está na falta disposição das instituições de dar crédito ao setor. Eles se dispuseram a assumir apenas 10% do total que as companhias quiserem captar.

A vida prática

Um dos pilares do modelo que o BNDES desenvolveu é oferecer aos investidores dois atrativos nas operações: garantias reais e a chance de ter uma rentabilidade elevada com os bônus de subscrição de ações. A expectativa é que um percentual próximo a 20% do capital das empresas seja oferecido na forma dos bônus.

Esse desenho encontra um grande desafio na vida prática das companhias aéreas: os aviões não estão disponíveis para servirem de cobertura para dívidas. As aeronaves ficam comprometidas com os lessores, que financiam a expansão de frota. As empresas fazem suas encomendas, compram seus modelos, mas são financiadas pelos “arrendadores”. Então, elas não dispõem do principal ativo para oferecer como garantia. Os slots, as posições nos aeroportos, também não lhes pertencem, pois são licenças concedidas pelo governo.

Para os bônus de subscrição, a tarefa a ser vencida é encontrar investidores que estejam dispostos a assumir o prêmio elevado que será embutido nos papéis — para um setor cujo futuro está entre os mais incertos do universo pós-coronavírus.

A ação preferencial da Gol, que chegou a ser negociada acima perto de 39 reais, no segundo semestre de 2019, está agora em torno de 11 reais na B3. A companhia que já chegou a valer mais de 10 bilhões de reais na bolsa, está avaliada em 4,2 bilhões de reais.

Já a preferencial da Azul, cuja máxima histórica das últimas 52 semanas ficou próxima de 63 reais, é transacionada hoje em torno de 13 reais. A companhia saiu de mais de 15 bilhões de reais de valor para 4,4 bilhões de reais, neste momento.

Partindo das máximas, as quedas acumuladas oscilam entre 70% e 80%. Se o valor justo dos papéis estiver no meio do caminho, trata-se de assumir um prêmio de 100% ou mais nos bônus de subscrição. "Quem vai querer sem enxergar o futuro?", perguntou um especialista.

 

 

 

 

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