Obras para expansão na operação de Cuiabá: estruturas modulares de aço e carbono no lugar do concreto e investimentos de R$ 400 milhões (Divulgação/Divulgação)
Graziella Valenti
Publicado em 1 de julho de 2020 às 17h50.
A Iguá Saneamento, antiga CAB Ambiental, já escolheu seu modelo inspirador. E ele não está no setor de saneamento, mas no de energia. O plano para a companhia é torná-la a Equatorial do setor de água e esgoto. O paralelo é traçado por Paulo Mattos, fundador da gestora IG4 Capital, controladora da empresa e presidente do conselho de administração. “Essa imagem nos serve muito bem porque a Equatorial nasceu da reestruturação da Cemar e se posicionou como consolidadora no setor de distribuição e transmissão. Hoje é uma ‘corporation’ com cultura bastante sólida”, disse em entrevista ao EXAME IN.
Com a largada a partir da compra do controle da companhia de energia do Maranhão pela GP Investimentos, casa da qual Mattos é egresso, a Equatorial é hoje uma empresa sem controlador, com receita líquida anual da ordem de 19 bilhões de reais e avaliada em mais de 23 bilhões na B3 – e que agora até avalia o explorar o serviço de saneamento, ou seja, ser também (por que não?) uma Iguá.
Diante da aprovação do novo marco regulatório do setor pelo Congresso Nacional, esse é o mar que a Iguá vê: crescer, expandir e consolidar. “De acordo com o modelo da IG4, faz sentido oportunidades que envolvam, sempre que possível, ‘turn-around’ e que estejam distantes da maturidade”, explicou Mattos.
Mas, para ir além das concessões já detidas — que atendem 6 milhões de pessoas, em 37 cidades, de cinco estados diferentes — a companhia ainda precisa realizar seu IPO. Se ninguém correr para passar na frente da empresa nessa fila, a Iguá será a quarta do setor listada na B3, a primeira totalmente privada. Hoje, são negociadas na bolsa as ações da paulista Sabesp, da paranaense Sanepar e da mineira Copasa. Todas de controle dos respectivos governos estaduais.
O processo de oferta pública da companhia foi iniciado no segundo semestre do ano passado, mas ficou parado, uma vez que a reforma da regulação foi postergada na época e ficou para este ano. Agora, faz sentido retomar. Sobre isso, Mattos não fala absolutamente nada — sequer quando pode voltar. “Posso dizer que somos a mais preparada do setor para um IPO, porque já tínhamos começado, e que a retomada dependerá das condições de mercado. E é só.”
Encontrar recursos não será um desafio para os projetos desse setor, na visão de Mattos, se houver estabilidade regulatória. As estimativas oficiais apontam entre 500 bilhões de reais e 700 bilhões de reais para dar conta da universalização dos serviços pretendida até 2033.
Para o empresário e gestor, a liquidez internacional permitiria que tudo fosse feito com capital privado. Contudo, vê uma grande diversidade de formatos possíveis, que vão das já conhecidas parcerias público-privadas (PPP) até parcerias entre companhias totalmente privadas de setores diferentes. “A exploração pode contar com parceria de empresas de luz e telecomunicações. Da mesma forma que os grandes cabos submarinos atravessam os oceanos, podem muito bem passar dentro do esgoto”, exemplificou.
A vantagem de o Brasil fazer os investimentos nesse momento, na visão do executivo, é a modernização possível envolvida. “Muda completamente o modelo de prestação de serviços: não precisa mais ser dependente do leiturista do consumo, mas da tecnologia, com medição remota e captura de muito mais dados. A rede de água e esgoto é muito poderosa do ponto de vista de informações sobre as famílias e o consumo.”
Mattos destacou que as oportunidades vão ficar tanto mais claras quanto mais próximo de março de 2022 — quando as empresas todas, municipais e estaduais, terão de declarar se terão capacidade financeira para cumprir com os objetivos de universalização. Ele destacou que não se tratará apenas do novo marco regulatório, mas da combinação dele com a lei de responsabilidade fiscal e da improbidade administrativa. “Poucos se atentaram para essa combinação.”
Na visão de Mattos, saneamento no Brasil é, provavelmente, o setor com maiores oportunidades no mundo. “Não há nada com tanto potencial nesse momento”, disse o executivo, que atua na América Latina e já planeja operação ‘sem fronteiras’ para um terceiro fundo (ainda sem prazo de captação previsto).
Desde que assumiu a CAB Ambiental em 2017, dentro de um processo de reestruturação de dívida, a IG4 saneou primeiro as finanças do negócio para então promover a expansão dos serviços das regiões em que atua. A cobertura da rede de esgoto em Cuiabá, principal operação da empresa, dobrou de 30% para 60% da população após investimentos acumulados de 400 milhões de reais. Com isso, 16 toneladas de esgoto por dia deixaram de ser jogados nos rios que vão ao Pantanal, segundo Mattos.
A companhia usa uma tecnologia diferente para expansão de rede, com materiais a base de aço e carbono que são montados em módulos, no lugar das imensas obras de concreto. A tecnologia é de 25% a 30% mais barata para instalação, gera uma economia entre 5% e 10% de consumo — e custo — com energia e o tempo de execução é entre 30% e 50% menor.
Quando somados os investimentos da Iguá em todas suas operações alcançam 900 milhões de reais, desde que a gestora de Mattos assumiu o negócio até o fim do primeiro trimestre. No ano passado, a receita líquida da companhia alcançou 898,5 milhões de reais, o que equivale a um crescimento próximo de 21%. Excluído o resultado de construção das Parceria Público Privadas (PPP), a receita teve alta de 9,5%, para 635,4 milhões ao ano passado, quando considerada a penas a prestação de serviços. O Ebitda da operação em saneamento teve alta de 12,7% e totalizou 288,4 milhões de reais — o que equivale a uma margem de 45,4% na operação, 11 pontos percentuais a mais do que quando a IG4 assumiu.
O possível IPO traria recursos à Iguá para expansão além da sua cobertura atual e uma moeda infinita de crescimento, conforme as oportunidades surgissem — uma vez que o modelo de inspiração é uma ‘corporation’. Hoje, a IG4 Capital e AIMCo (Alberta Investment Management Corporation), como co-investidora, controlam 87% do capital da companhia.
O crescimento das redes operadas hoje já é financiado dentro da própria rotina da empresa hoje. Ao fim de março, a Iguá tinha dívida líquida inferior a 1,1 bilhão de reais, equivalente a 3,8 vezes o Ebitda de doze meses — sendo que 83% dos vencimentos estavam no longo prazo.
A companhia acabou de aprovar duas emissões de debêntures, num total de quase 900 milhões de reais. Desse total, 620 milhões de reais virão do Itaú e da XP Investimentos, que vão absorver os papéis e gerar recursos para a operação de Cuiabá. Outros 260 milhões de reais virão do BTG Pactual (do mesmo grupo controlador da EXAME) e serão destinados à rede de Paranaguá.
Quando testou o IPO, a CAB planejava levantar 1 bilhão de reais para fortalecer o caixa do negócio e sair busca de novas oportunidades. Para tanto, precisava ser avaliada em 4 bilhões de reais pelo mercado. A operação terminou não ocorrendo porque sem a nova legislação ficava difícil para a companhia explicar que queria estar pronta para investir se o mercado ainda não estava pronto para mudanças — o que ajudava o investidor a achar a avaliação “salgada”. Mattos não discute o 'valuation' do negócio.
No curto prazo, de novidades, a Iguá vai competir no leilão de setembro da B3, estruturado pelo BNDES, para a concessão da região metropolitana de Maceió, previsto para setembro. A empresa já tem operação em Alagoas. O valor mínimo da outorga é de 15 milhões, mas o investimento previsto é de 2,6 bilhões de reais, sendo 2 bilhões de reais, pelo menos, nos primeiros oito anos. A região abrange 1,3 milhão de habitantes.