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Com ascensão de evangélicos, reeleição de Lula é improvável. A Mar Asset está apostando na tese

Com longo estudo proprietário, gestora vê alta chance de guinada à direita em 2026 e se posiciona para reprecificação nos ativos brasileiros ainda neste ano

Eleições: ascensão do público evangélico está tornando o cenário eleitoral cada vez mais complicado para as alas mais progressistas, diz Mar Asset (Joedson Alves/Reuters)

Eleições: ascensão do público evangélico está tornando o cenário eleitoral cada vez mais complicado para as alas mais progressistas, diz Mar Asset (Joedson Alves/Reuters)

Natalia Viri
Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Publicado em 22 de janeiro de 2025 às 15h47.

Última atualização em 22 de janeiro de 2025 às 17h32.

Há uma luz no fim do túnel para a economia brasileira e os ativos financeiros no país?

Para a Mar Asset, a resposta é sim – e deve vir em algum momento ainda neste ano, quando ficar claro que a chance de reeleição e mesmo da candidatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2026 é 'minoritária'.

Numa longa carta de 31 páginas, a gestora, que toca uma estratégia única que combina teses macro com o olhar fundamentalista para as ações, traz em palavras claras a tese cristalizada na Faria Lima de que só uma mudança no Executivo traria um alívio mais duradouro.

As últimas pesquisas, que mostram aprovação do presidente nas mínimas históricas de seus mandatos, começaram a trazer algumas conversas mais reservadas de uma virada de direção nos ativos de risco a caminho.

Apoiada em extensas pesquisas proprietárias, a Mar, no entanto, se mostra mais convicta de que a eleição deve ser vencida pela direita. A tese é apoiada em dois pilares. O primeiro é de que a economia brasileira vai passar por um hard landing no próximo ano. A segunda, mais estrutural, é a ascensão do público evangélico, que está tornando o cenário eleitoral cada vez mais complicado para as alas mais progressistas.

Do ponto de vista mais macro, a Mar acredita que haverá uma deterioração significativa da economia no próximo ano, justamente no período eleitoral, com aumento do desemprego e redução brusca da atividade.

“O modelo de pequeno porte do BCB, que serve de base para as projeções da instituição sugere que a estratégia atual do Copom levaria a uma contração do hiato do produto de 2 pontos percentuais até o fim de 2026. Tal contração só foi vista em momentos de recessão da economia e dificilmente não seria acompanhada de um forte aumento da taxa de desemprego”, diz a gestora.

É a religião, estúpido!

Mais interessante, contudo, é seu olhar de como a ascensão do protestantismo está mudando o perfil do eleitorado e reduzindo cada vez mais a chance de vitória de Lula.

Ainda que o público evangélico seja mais conservador, muito além da pauta dos costumes – que envolve questões como aborto e direitos de grupos LGBT –, o descolamento da esquerda está mais ligado a como esse grupo percebe seu sucesso econômico.

“Acreditamos que a ideia evangélica que melhor representa o momento social brasileiro é a Teologia da Prosperidade. Ela associa a fé em Deus com o sucesso material, saúde, bem-estar físico e emocional”, ponderam os gestores no documento.

“Essa ideia enfatiza que o sucesso profissional faz parte da caminhada espiritual e seu avanço é uma benção de Deus ao bom fiel, enfraquecendo assim a conexão entre a melhora de vida pessoal com o governo corrente.”

É o que explica o declínio dos dados de popularidade do presidente Lula, que estão nas mínimas de todos os seus três mandatos – mesmo num momento em que a economia ainda se beneficia do motor fiscal e está com a inflação relativamente controlada e o desemprego nas mínimas históricas.

Em números

A ideia não é nova e vem sendo debatida há tempos entre sociólogos e analistas políticas. Mas a Mar traduz tudo isso em números.

O último dado oficial sobre a população evangélica no Brasil é o do Censo de 2010, que aponta para 22% da população. A gestora recorreu então a uma métrica engenhosa utilizada pelo sociólogo Victor Araújo e a economia Fernanda de Nigri, do Ipea, que usa dados reportados à Receita Federal sobre abertura e fechamento de CNPJs de tempos como uma proxy para estimar os dados mais atuais.

As estimativas o percentual de evangélicos chegou a 29% na eleição de 2018, 32% em 2022 e ficará mais próximo de 36% em 2026, ou seja, aproximadamente 78 milhões de brasileiros.

O gráfico mais interessante é o que relaciona a abertura de templos evangélicos por região e a migração de votos para direita. (O IPP é a métrica de posicionamento político criada pela Mar: quanto mais positivo, mais à direita.)

A mesma base mostra que existe uma trajetória de expansão dos templos que se inicia no Sudeste, avança para o Sul, segue para o Centro-Oeste, alcança o Norte – e, mais recentemente começa a ganhar espaço no Nordeste, justamente o maior reduto petista. “Sob a ótica geográfica, a concentração de votos nordestinos em candidatos petistas começa a ser ameaçada pela expansão da religião evangélica nessa região.”

A Mar também se debruçou sobre os dados das últimas eleições presidenciais:

  • Em 2010 e 2014, o PT venceu as eleições presidenciais com cerca de 55% dos votos dos não evangélicos e 50% dos evangélicos. Como os não evangélicos eram a ampla maioria da população, o PT venceu essas duas eleições com folga.
  • Nas eleições presidenciais de 2018, na vitória de Bolsonaro, o PT, através de Fernando Haddad, até obteve mais votos entre os não evangélicos, mas conquistou apenas 31% dos votos entre os evangélicos.
  • Já nas eleições de 2022, a conversão do eleitorado evangélico pelo candidato petista permaneceu nos mesmos 31%. Contudo, entre os não evangélicos, Lula teve impressionantes 60% dos votos, o que foi decisivo para assegurar sua apertada vitória.

Em outras palavras, foram os não evangélicos que decidiram a eleição mais apertada da história. A grande questão é esse público não é mais suficiente para virar o jogo.

“Com a taxa de crescimento do protestantismo, uma repetição da conversão dos votos obtidos por Lula na última eleição pelo critério religioso, que mostrou recorde de adesão entre os não evangélicos, já não seria suficiente para que ele conquistasse a reeleição.”

Uma ‘passarela’ para 2026

Num mercado como o Brasil, em que acertar o timing de virada política é tão importante quanto escolher as ações mais descontadas, a Mar diz não estar indo de all in na sua tese.

“No cenário ideal, a antecipação da melhora viria por meio da indicação de que nem Lula, nem Bolsonaro participariam do próximo pleito. Uma renovação geracional na política, com candidatos mais moderados em ambos os lados do espectro, teria enorme potencial para a evolução institucional do país”, diz a gestora.

Como não é possível saber em que momento a chance desse cenário começará a ser antecipada pelos mercados, os gestores estão alocando o risco da carteira de maneira mais cautelosa, com perdas potenciais controladas, mas com alguma exposição a sua tese central.

É o conceito que batizou de “passarela”: exposição direcional ao risco Brasil por meio da compra de calls do ETF do MSCI Brasil de vencimento longo e, ao mesmo tempo, liderando caixa para ser investido no CDI a taxas bastante altas.

“Em geral, não somos adeptos desse tipo de estratégia, pois o custo de carregar opções tende a ser alto em relação ao seu retorno. Porém, no ambiente atual, o retorno potencial é muito significativo, tanto no vetor de ações brasileiras quanto em uma eventual apreciação do real”, ponderam.

Saindo do financês para uma metáfora mais pedestre:

“Nosso sentimento é que em 2025 entraremos num trem fantasma. Apesar do potencial de muitos sustos ao longo do percurso nos próximos dois anos, nos dirigimos para uma promissora saída ao fim dele.”

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