Quarto do hospital CopaStar: unidade de luxo do grupo Rede D'Or , no Rio de Janeiro (Eduardo Guedes/Divulgação)
Graziella Valenti
Publicado em 4 de novembro de 2020 às 11h18.
Última atualização em 4 de novembro de 2020 às 13h01.
A oferta inicial da Rede D’Or, dona dos hospitais de mesmo nome e da bandeira São Luiz, é uma das mais esperadas da próxima leva de IPOs. A companhia pretende levantar 8 bilhões de reais com uma emissão primária e ainda está decidindo qual tamanho pode ter a parcela secundária da oferta, da venda parcial dos atuais acionistas. A prioridade é captar recursos para o crescimento. Por isso, o tamanho da operação secundária vai depender bastante do apetite dos investidores e do momento da bolsa em que ocorrer a colocação.
Um dos motivos de um negócio nada trivial como gerir hospitais ser badalado já na largada é a história de consolidação e crescimento promovida pela família Moll. Há mais de uma década, eles viram o espaço para esse movimento e foram em busca de sócios e capital. Com isso, o grupo que era líder saiu na frente, promoveu uma verdadeira onda de aquisições — nada menos do que 37 — e fez investimentos bilionários. Durante vários anos, foi quase o único consolidador de peso do setor. O Ebitda pulou de 113 milhões de reais para 3,7 bilhões de reais em uma década, de 2009 a 2019. O valor da empresa, naturalmente, seguiu a mesma toada, mesmo de capital fechado.
A história da maior companhia de saúde do país começa quando o cardiologista Jorge Moll Fillho se dá conta de que a medicina diagnóstica entrava em uma nova era e abre um laboratório especializado em Botafogo, no Rio de Janeiro, em 1977. Os exames de imagem começavam a se tornar mais acessíveis ao público e surgia uma gama de médicos dedicada só a essa função. O negócio cresceu apenas como laboratório, com a bandeira Cardiolab, por quase 20 anos, até que Moll convenceu Jacob Barata (que recebeu o Hotel Copa D'Or como saldo de uma dívida do antigo dono Gaspar D'Orey) a transformar a unidade em hospital. Tornaram-se sócios. O ano era 1995. Dali em diante, o grupo cresceu atendendo o carente mercado do Rio de Janeiro. Em 2010, quando recebeu o primeiro aporte de capital, do BTG Pactual (do mesmo grupo controlador da EXAME), já era a maior rede independente de hospitais do país e Barata não era mais acionista.
O grupo ainda está aquecendo os motores para as rodadas de conversas com o mercado. Mas o discurso será de manutenção da expansão dos últimos anos, só que em ritmo até mais acelerado. Muitos investidores ainda não se debruçaram sobre os números, mas o interesse em avaliar a oportunidade é quase uma unanimidade. “A decisão de compra vai depender do preço, mas o espaço de consolidação e crescimento que tem no setor é um grande chamariz”, afirma o gestor de um grande fundo nacional. A Rede D'Or será a primeira empresa pura de hospitais — ou seja, independente de uma operação de plano de saúde — de capital aberto.
Do setor de saúde, os destaques na bolsa atualmente são os grupos Notre Dame Intermédica, avaliada em 42 bilhões de reais, e Hapvida, que vale hoje quase 50 bilhões de reais, ambos com operação integrada entre planos de saúde e atendimento hospitalar. Até 2015, a legislação brasileira impedia a participação de capital estrangeiro no controle do setor de saúde, o que é parte da explicação para a família Moll ter buscado recursos com fundos de private equity.
Muitos comentam que essa pode ser a tão aguardada estreia de uma companhia de 100 bilhões de reais de avaliação. O número a posicionaria como a maior empresa a fazer IPO na B3 e a colocaria entre as dez maiores listadas. Só que após a desistência da varejista Havan no mês passado, outra promessa de centena de bilhão na bolsa, os bancos de investimento não querem mais criar expectativa nem no mercado, nem nos controladores da companhia — especialmente em transações com tanta visibilidade.
Nos últimos cinco anos, o grupo D'Or saiu 4.100 para 6.800 leitos operacionais, um incremento de 65%. Agora, o projeto é adicionar 5.200 leitos à capacidade atual até o fim de 2025. Trata-se de um salto superior a 75% e esse total não inclui 1.700 posições que podem ser acrescentadas com o aumento dos atuais hospitais. Contando tudo, a Rede D’Or pode dobrar de tamanho em cinco anos. E esse é apenas o plano já existente, conforme o prospecto da operação levado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Atualmente, o grupo tem 51 hospitais próprios e 32 projetos de expansão — 4 construções e expansões em andamento e mais 28 em diferentes fases de desenvolvimento e licenciamento. A companhia ainda conta com 39 clínicas de oncologia, 11 laboratórios e 54 unidades de diálise.
A história da Rede D’Or, o maior grupo de hospitais independentes do país, nos últimos dez anos já é de multiplicação de valor. Quando o BTG Pactual fez um aporte de 600 milhões de reais há dez anos, a companhia foi avaliada em 2,4 bilhões de reais. O banco deixou a sociedade no fim de 2015 e, na saída, o negócio já valia 20 bilhões de reais. A família Moll controla o grupo com 59% do capital. O fundo soberano de Cingapura GIC é o segundo maior acionista, com uma fatia de 26%, seguido pela gestora de private equity Carlyle, com aproximadamente 12%. O restante está nas mãos de sócios minoritários.
O que os investidores querem ver quando o road show começar para valer é se dá para seguir nesse ritmo tanto tempo. A Rede D’Or vai defender que sim. A companhia ainda vê bastante espaço para crescimento e consolidação. Por isso, os movimentos de aquisição continuam parte da estratégia, além da construção de novas unidades. De acordo com dados do DATASUS, as cinco maiores empresas independentes de hospitais têm juntas apenas 3,5% dos leitos operacionais do país.
A campanha de aquisições e investimentos da última década levou a empresa a uma receita líquida de 13,3 bilhões de reais no ano passado, com uma taxa composta de crescimento de quase 22% desde 2014. O Ebitda somou 3,7 bilhões em 2019, com uma taxa composta de expansão maior que 32%.
O desafio da empresa à frente é fazer o crescimento Brasil a dentro, onde a população de maior renda — ainda que a empresa se mantenha nas regiões urbanas mais adensadas — é mais escassa do que na região Sudeste. Especialistas nesse mercado destacam que há muita pressão no preço dos planos de saúde com a expansão do modelo vertical, no qual as redes de plano de saúde possuem a própria infraestrutura de clínicas e hospitais. E a Rede D´O teria de se enquadrar a uma cultura de forte controle de gastos com pacientes por restrições dos planos. Outros enxergam nisso oportunidade, pois os centros de medicina de alta complexidade no país ainda estão no Sudeste — seguindo o racional da largada do grupo quando aproveitou a oportunidade da carência carioca.
Mesmo assim, um dos maiores questionamentos que o grupo vai ouvir é justamente sobre como seguir a expansão, em especial a regional, e ainda com o modelo independente. A partir de 2004 até 2010, o número de pessoas com acesso à saúde privada no país deu um salto. Porém, é um mercado quase estagnado desde então: o número de beneficiários de planos de saúde passou de 45 milhões, em dezembro de 2010, para 46,7 milhões, segundo dados da Agência Nacional de Saúde (ANS) de junho deste ano. Por um lado, o fato de 75% da população brasileira ainda depender da saúde pública pode até ser visto uma oportunidade. Mas já está claro que explorar isso não é nem fácil, nem trivial em um país com tanta desigualdade social. E a estratégia do grupo até aqui sempre colocou foco no público de maior renda.
Mesmo com os desafios do setor, todo o conjunto da história do grupo e do mercado de saúde faz o IPO da Rede D’Or ser um dos mais aguardados dos últimos anos. O balanço de 2020, que traz as cicatrizes da pandemia da covid, não deve ser um problema na narrativa. Na avaliação de investidores que pretendem estudar a oportunidade, o efeito negativo é algo "conhecido e esperado", e que afetou todo o setor.
Nos primeiros nove meses deste ano, a receita líquida ficou praticamente estável em 9,8 bilhões de reais, mas o Ebitda do período teve queda de 26%, para 2 bilhões de reais, na comparação anual. O lucro líquido caiu de 908 milhões de reais de janeiro a setembro de 2019 para 156,5 milhões de reais neste ano. Pudera! A companhia atendeu 1.309 pacientes no período, 13,7% a menos do que em 2019 e com custos mais elevados, em razão da covid. O tempo médio de internação foi maior especialmente a partir de março e no segundo trimestre alcançou 4,41 dias na média (7,15 dias no caso dos pacientes de coronavírus), comparado a 3,6 dias no mesmo período do ano passado.
A expansão do negócio, como era de se esperar, também trouxe aumento de dívida. Os compromissos totais passaram de 3,15 bilhões de reais, ao fim de 2014, para 21 bilhões de reais ao fim de setembro deste ano. A dívida líquida terminou o terceiro trimestre em 12,5 bilhões de reais, ante 9,9 bilhões em dezembro do ano passado. Para a jornada empresarial do grupo, muitos consideram a alavancagem confortável. A relação entre dívida líquida e Ebitda acumulada em 12 meses subiu neste ano, também impactada por dólar e covid, passando de 3,7 vezes em dezembro para pouco acima de 4 vezes ao fim do terceiro trimestre.