Fábrica da Natura em Cajamar: Companhia receberá maior aporte de sócios de sua história (Germano Lüders/Exame)
Graziella Valenti
Publicado em 25 de maio de 2020 às 11h17.
Última atualização em 26 de maio de 2020 às 14h36.
A crise do coronavírus, que chegou com o grupo Natura &Co em seu apogeu, logo após absorver ninguém menos que a gigante centenária Avon, levou os sócios fundadores ao seu maior investimento na companhia depois de 50 anos de sua criação. Passou despercebido, desde que a empresa anunciou no dia 7 uma capitalização privada de até 2 bilhões de reais, que os 508 milhões de reais já garantidos por Antônio Luiz Seabra, Guilherme Leal e Pedro Passos são o maior cheque que já fizeram em nome do negócio.
Os três sócios asseguraram sozinhos pouco mais de 25% da operação. “Não tem sinal de confiança maior”, afirmou o presidente da hoje transnacional Natura &Co, Roberto Marques, em entrevista exclusiva ao EXAME IN. “Eles estão deixando claro o quanto acreditam no futuro.”
Além dos sócios originais, fundos de mercado — a tradicional gestora carioca Dynamo, mais três casas brasileiras e um grande fundo soberano — garantiram mais 492 milhões de reais à colocação. Assim, a empresa já saiu com a certeza de que terá 1 bilhão de reais extra para seu caixa, que terminou março em 4,6 bilhões de reais. A crença é que a Natura pós-covid será mais preparada para crescimento. A companhia registrou uma expansão de 250% nas vendas de e-commerce no primeiro trimestre no consolidado das operações globais. No Brasil, o número de clientes on-lines teve aumento de 750% no mês de abril.
Por trás do interesse pela Natura, tanto dos fundadores como dos investidores do mercado, está a avaliação que a Avon é uma oportunidade de "turnaround", ou seja de uma reestruturação profunda para revitalizar a operação que pode extrair muito valor no futuro. Há anos, a Natura e seu trio de sócios acalentavam o sonho dessa combinação. Há cerca de oito anos, estiveram muito perto de fazer uma proposta. De lá para cá, a situação da companhia americana só se deteriorou ainda mais. A percepção é que não só as operações podem melhorar como a marca precisa passar por um profundo processo de reposicionamento e modernização.
Ao mesmo tempo em que está no ápice após ter adquirido a rival global, a Natura &Co também está com a maior dívida que já teve: 16,9 bilhões de reais, fruto da absorção dos passivos em moeda estrangeira da Avon — a dívida líquida equivale a 4,9 vezes o Ebitda dos últimos 12 meses. O reforço no caixa tornou-se importante para melhorar a estrutura de capital, diante de uma crise cujos efeitos integrais ainda são desconhecidos, e dar conforto para esse período de turbulências.
Essa é também a primeira vez que o grupo Natura se capitaliza com emissão de ações desde que estreou na então Bovespa, em 2004. As duas ofertas públicas realizadas pela companhia (houve uma segunda, em 2009) foram secundárias, ou seja, para venda da participação dos acionistas originais para investidores de mercado. Somando as duas operações, os fundadores da Natura, mais minoritários que incluem até mesmo o BNDES, colocaram no bolso perto de 2 bilhões de reais, conforme os prospectos antigos.
A Natura que chegou ao Novo Mercado há 16 anos, marcando a retomada da atividade na bolsa brasileira, era uma empresa avaliada em 3 bilhões de reais e com receita anual de 1,3 bilhão de reais — em valores não atualizados. Hoje, a agora Natura &Co vale 43 bilhões de reais na B3, após o crescimento das operações originais, mais as aquisições da The Body Shop, Aesop e Avon. Em 2019, se a combinação com a gigante americana já estivesse concluída, a receita líquida anual teria sido de 33 bilhões de reais.
Com o crescimento e as vendas em bolsa, os fundadores deixaram de ser controladores majoritários. Somam hoje a pouco menos de 37% do capital da companhia. Mesmo quando consideradas as fatias minoritárias das famílias Pinotti e Colletta de Mattos, os sócios não têm maioria do capital: todos juntos alcançam 43,5% do negócio.
Dos 508 milhões que os sócios colocarão, o saldo de cada qual respeitará as proporções detidas atualmente na empresa. Seabra, que é o fundador original, tem a maior fatia, com 16,8% do capital. Leal, que foi o segundo a chegar no negócio, soma 16% das ações, e Passos, o último a compor o trio, tem 3,9%, de acordo com dados do formulário de referência registrado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A Natura é, portanto, uma companhia do mundo, tanto em propriedade como em atuação. “As pessoas não se deram conta ainda de que atuamos em 100 países. O Brasil é hoje 30% do nosso negócio”, reforçou Marques ao EXAME IN.
O executivo contou que os minoritários estão aderindo ao aumento de capital, que pode ir até 2 bilhões. Contudo, disse que ainda não é possível saber qual será o total da operação, pois os investidores têm até 12 de junho para decidirem se compram ou não as novas ações, que serão vendidas a 32 reais.
A companhia optou por fazer uma operação privada porque encontrou na largada o dinheiro que precisava, segundo Marques. O executivo contou que houve excesso na demanda para a garantia firme. Ou seja, havia mais de 1 bilhão de reais disponíveis, mas a empresa entendeu que esse valor era o piso suficiente.
O fortalecimento do caixa da Natura &Co custará uma diluição de pouco mais de 5% apenas para os investidores que não quiserem participar da operação, ou até menos se a transação for menor.
“Colocamos essa operação de pé em tempo recorde. Foram três semanas entre a decisão, as conversas e o anúncio”, contou o Marques na entrevista. O executivo disse que não pode afirmar se os investidores que fizeram a garantia firme planejam aplicar mais, comprando eventuais sobre de ações de minoritários que não façam a subscrição.
Na bolsa, pouco antes do fechamento desta segunda-feira, os papéis eram negociados por pouco mais de 35 reais cada. O valor acima do preço de subscrição favorece a adesão dos acionistas, que saem da compra das novas ações com lucro certo — ainda que pequeno.
A Natura &Co praticamente dobrou, nos valores em reais, a estimativa de sinergias com a compra da Avon. Marques explicou que a revisão levou em conta o maior entendimento que a companhia conquistou com a aceleração da combinação dos ativos no cenário de crise. “Já temos fábricas Avon produzindo Natura. Isso era antes uma previsão e agora já é realidade.”
O intervalo de valores projetado antes variava de 774 milhões de reais a 1,16 bilhão de reais, para ser acrescido ao Ebitda até 2023. Agora, essa variação tem como piso 1,5 bilhão de reais e vai até 2 bilhões de reais, para ser obtida até 2024. O esforço de investimento para obtenção desse crescimento é estimado em 190 milhões de dólares.
Do total que será acrescido ao Ebitda, até 600 milhões de reais poderão vir de uma expansão das receitas, fruto principalmente de um crescimento das vendas na América Latina.
Marques explicou que Natura e Avon, juntas, têm 4,2 milhões de revendedoras na região — de um total de 6 milhões no mundo. Dessas, apenas 500 mil oferecem os produtos de ambas as marcas às clientes. A ideia, de acordo com o presidente, é que esse total dobre ao longo dos próximos anos.
Além disso, a Natura está presente em apenas seis países da América Latina, enquanto a Avon está em 17. Há, portanto, um enorme potencial territorial a ser conquistado para atuação da Natura de Seabra — hoje um pedaço de uma companhia global pura de higiene e beleza.