Casa&Video: com as contas arrumadas e modelo azeitado, empresa parte para expansão (Casa&Video/Divulgação)
Graziella Valenti
Publicado em 28 de janeiro de 2021 às 17h18.
Última atualização em 29 de janeiro de 2021 às 07h35.
A varejista Casa&Video planeja estrear na B3 em março depois de superar uma longa lista de perrengues ao longo da última década. Com a (própria) casa finalmente em ordem, expansão virou prioridade e é esse o motivo para a empresa ir ao mercado. Nos próximos dias, a companhia, carioca da gema, tal qual a Lojas Americanas, começa as interações com investidores em busca de uma avaliação pre-money (tal como está hoje, antes do dinheiro novo entrar) entre R$ 2 bilhões e R$ 2,5 bilhões.
Na mira, uma oferta pública inicial (IPO) entre R$ 1 bilhão e R$ 1,2 bilhão, sendo dois terços primária. Debaixo do braço, a Casa&Video leva a história de refundação do negócio e o sonho com o próximo perrengue (dessa vez, um bom problema): colocar o pé no acelerador, em especial fora do Rio de Janeiro, para brigar com mais força com titãs como Amazon, Magazine Luiza e Casas Bahia (Via Varejo), que também estão correndo para ampliar seu espaço.
A execução? Receita líquida de R$ 1,1 bilhão em 2020, um crescimento de 11% em uma operação ainda calcada nas vendas físicas — com Ebitda de R$ 176 milhões, após expansão de 15%. A margem, portanto, até cresceu um tiquinho na pandemia: saiu de 15,3% para 15,8%. O lucro líquido passou de R$ 8,7 milhões para R$ 35,2 milhões. Por “calcada nas vendas físicas”, entenda-se aqui mais de 90% do total. E é por isso que dois dígitos de expansão impressionam.
Quem conhece a operação de perto diz que, com os avanços no formato digital que estão sendo implementados e no modelo de omnicanalidade, tem potencial para valer mais de R$ 20 bilhões dentro de cinco a dez anos. Ao fim de 2020, eram 215 pontos de venda (1/6 da Magazine Luiza). A empresa tem forte presença no Rio e também no Espírito Santo e, no ano passado, começou sua expansão para Minas Gerais e para o interior de São Paulo. O plano é inaugurar mais 100 pontos neste ano, em especial fora do estado berço da fundação.
No Rio de Janeiro, o ring com as gigantes do setor já está movimentado: a Casa&Video tem hoje 8,2% de participação de mercado de produtos para casa, utensílios e eletroeletrônicos do estado, medidos pela GFK. Depois de reequilibrar as finanças e azeitar a máquina, a empresa enfim entrou na rota do crescimento. Desde 2018, inaugurou 120 pontos — 104 deles no ano passado. O movimento foi essencial para o desempenho da empresa em 2020 porque 62 desses pontos foram de um novo modelo.
Tal qual a Havainas, ainda concentrada nas vendas físicas, a Casa&Video foi ligeira em se mudar para onde o comércio estava funcionando. Colocou quiosques em supermercados, grandes estações de transporte e shoppings. O tíquete médio desses pontos? Duas vezes maior do que o da loja de 500 metros quadrados: R$ 290 ante R$ 109.
A estratégia foi fundamental para garantir crescimento de vendas ao negócio em um ano como 2020. Além desse, outro modelo entrou em operação no ano passado, um meio termo entre a loja padrão de 550 metros quadrados e o quiosque: pontos com 200 metros quadrados. Há dois desses em experimentação.
Mas, se por acaso a maré do mercado virar, o plano vai seguir seu plano de expansão, no ritmo que seu fluxo de caixa permitir. Aliás, como cresceu até agora nos últimos dois anos, financiada por seus próprios recursos.
A Polo Capital, controladora da empresa, investiu na Casa&Video a partir de 2011 e, há dois anos, assumiu integralmente o negócio, após comprar a fatia do empresário Fabio Carvalho. O investimento é feito por meio do fundo Akangatu. Para os curiosos, a palavra significa a inteligência construída, que vem da memória, da experiência e da vivência, em tupi-guarani.
A carteira é toda formada por investimentos de terceiros. Na lista de investidores, há nomes de peso, como de Luis Stuhlberger, criador e gestor do famoso fundo Verde, conforme fontes ouvidas pelo EXAME IN. O oráculo brasileiro — um apelido em alusão a Warren Buffett — apostou no ‘case’ praticamente na largada.
O investimento da Polo Capital, casa fundada por Marcos Duarte e Claudio Andrade, foi feito em fases ao longo dos últimos dez anos. A gestora não fala sobre o assunto devido ao período de silêncio, mas no mercado comenta-se que o investimento realizado no negócio ao longo do tempo é da ordem de R$ 250 milhões.
Em 2019, logo após deixar a presidência da Kraft-Heinz, Bernardo Hees, também se tornou sócio na empreitada, com uma participação da ordem de 10% do fundo. O executivo contribui com a gestão a partir do conselho de administração. “Trouxe um esteio importante para decisões dos executivos, com sua experiência em varejo”, comenta uma fonte próxima ao negócio.
A Casa&Video fez a expansão de 2020 sem prejudicar sua saúde financeira, alcançada a duras penas, com esforços para reequilíbrio da estrutura de capital e aumento da eficiência na gestão operacional e financeira. Além da própria crise — que teve início a partir da prisão dos fundadores e ex-controladores, em 2008, pela Polícia Federal, em uma investigação de sonegação fiscal — , a empresa teve de viver a crise brasileira e a recessão do Rio de Janeiro. “Eficiência foi uma obsessão no negócio”, disse uma pessoa próxima à operação e que conhece bem a companhia.
A varejista que chega ao mercado em nada se parece com aquela de uma década atrás. Além de donos diferentes, a gestão mudou por completo. Quando a Polo chegou, a relação entre a dívida líquida e o Ebitda acumulado em 12 meses estava em 7 vezes. Ao fim de 2020, a Casa&Video tinha uma dívida líquida de R$ 110 milhões, equivalente a 0,63 vezes o Ebitda de 12 meses.
Entre as fortalezas que pretende apresentar aos investidores, o grande destaque é o que a Casa&Video conseguiu fazer com sua estrutura de capital de giro. A empresa reduziu o nível do estoque e aumentou o giro no abastecimento depois que conseguiu se concentrar na oferta daquilo que sabe vender melhor. Essa gestão permite que tenha preços competitivos frente aos competidores, mesmo sem a mesma escala que as titânicas líderes do setor.
Quem ajudou no milagre foi um professor de Harvard, com sua consultoria: Ananth Ramam, economista focado no gerenciamento da cadeia de suprimentos. Durante alguns anos, a partir de 2014, ele frequentemente vinha para o Brasil fazer suas avaliações sobre a empresa.
Depois que seu modo de pensar o varejo passou pela Casa&Video, um centro de distribuição que atendia 80 lojas, com potencial teórico para dar conta de 120, passou a ter capacidade para abastecer 350 pontos de venda. Sozinho, ele atende toda operação e permitiu a expansão para o Sudeste, além do Rio e Espírito Santo.
Com a estratégia na gestão de portfólio e de capital de giro, a companhia quer seguir com a expansão. O prospecto destaca que a abertura de lojas também ganhou fôlego pela vacância no número de imóveis disponíveis na região. Em Minas Gerais, foi possível se aproveitar do encolhimento da rede Ricardo Eletro (Máquina de Vendas), mas o fechamento de diversas agências bancárias e livrarias também gerou oportunidades.
A companhia vai agora testar sua tese com investidores, pois acredita que tem seu lugar ao sol mesmo com a já forte digitalização e presença das grandes varejistas pelo país. Vê tudo como oportunidade. O Brasil é grande, muito grande.