Marcelo Maziero e Fernando Fontes, da CERC, veem mercado de recebíveis em expansão e FIDCs chegando para investidores qualificados (Divulgação/Divulgação)
Angela Bittencourt
Publicado em 15 de setembro de 2021 às 14h08.
Última atualização em 16 de setembro de 2021 às 11h34.
Atribulado inicialmente por desafios tecnológicos, o mercado de recebíveis de cartões de crédito tem avanços consideráveis ao final de três meses de funcionamento. As três registradoras de recebíveis – Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), CERC Central de Recebíveis e TAG, do Grupo Stone – movimentaram 2,1 milhões de contratos com sucesso nos primeiros quinze dias de setembro. Esse volume é recorde desde 7 de junho, quando as novas regras definidas pelo Banco Central (BC) entraram em vigor, com potencial de multiplicar, em muito, o volume de crédito transacionado no país e reduzir seu custo.
Em entrevista ao EXAME IN, Fernando Fontes e Marcelo Maziero, da CERC Central de Recebíveis – fazem um balanço das operações e traçam perspectivas para esse novo mercado em ebulição. Apenas a CERC tem registrado 1,5 milhão de contratos por dia. O valor financeiro dos recebíveis registrados na CERC, que era de R$ 76 bilhões no primeiro mês de operação e havia subido para R$ 210 bilhões em agosto, alcançou R$ 298 bilhões na última sexta-feira.
“Apesar das dificuldades observadas nas primeiras seis semanas de implantação do sistema, em 7 de junho, hoje cerca de 80% de todas as transações estão sendo registradas com sucesso. Em breve, chegaremos aos 100%”, afirma Fontes, fundador e CEO da CERC Central de Recebíveis, fundador e CEO da CERC Central de Recebíveis, que lançou a PETRA Corretora e o Banco PETRA – um dos líderes em serviços fiduciários para FIDCs, que presidiu até 2015, ano em que fundou a registradora com Maziero.
O Brasil tem hoje três registradoras operantes e, até o fim do ano, chegara a quarta registradora, da B3, que já criou, inclusive, a Superintendência de Produtos de Recebíveis - uma unidade exclusiva para administrar essa operação.
Os dados acima mostram, segundo Fontes, que o sistema tem capacidade de processamento das operações e que o mercado está confiante. “Ninguém coloca 2,1 milhões de novos contratos em um sistema não confiável e seguro. Esse volume é muito maior do que o observado em qualquer período desde o início das novas regras em junho. Na verdade, estamos vivenciando a criação de um novo mercado. Da consulta pública até a entrada em operação foram três anos, pouco tempo para inovação e implantação do ecossistema com o ingresso de muitos participantes”, pondera.
O executivo chama atenção para a rapidez com que o mercado, mesmo com desafios, implantou os novos sistemas. Ele lembra que, no ambiente de bolsa, vários atores são conhecidos: corretoras de valores, bancos liquidantes, câmara de liquidação, instituições depositárias entre outros. “Representantes conhecidos, mas que existem há trinta anos. No mercado de cartões, as mudanças ocorreram em três anos e com implicações para milhares de empresas que utilizam cartões como meio de pagamento.”
O CEO da CERC informa que 35 milhões de pessoas físicas e jurídicas, que aceitam cartões em seus negócios, estão incluídas no ecossistema de recebíveis de cartões de crédito. E a maioria é composta por CPFs e não por CNPJs. “Quando pensamos em cartões, pensamos na padaria, comércio e redes varejistas”, diz Fontes. “Mas, no Brasil, temos um enorme contingente de microempreendedores por necessidade, pela baixa empregabilidade. Entre esses personagens estão o motorista do Uber, a manicure, alguém que está vendendo algo no Mercado Livre. Portanto, o dono do recebível no Brasil não é apenas a empresa bem estruturada.”
Quanto aos benefícios proporcionados pelos recebíveis – em sua nova estrutura transacional única no mundo – Fernando Fontes cita, como exemplo, a ajuda que esses instrumentos podem dar aos pequenos empreendedores que não têm acesso ao crédito consignado – operação garantida e de custo menor. O executivo compara o recebível de cartão a um hedge de crédito para o pequeno lojista, lembrando que o risco das operações é de grandes credenciadores. Fontes lembra que cerca de 40% dos cartões são processados pelo Itaú Unibanco. “Isso significa dizer que por trás das operações temos um grande banco que responde pelo pagamento daquele lojista. Com esse mecanismo sendo usado na cadeia produtiva, não há custo financeiro, pesando sobre as transações.”
Marcelo Maziero, também fundador e presidente do conselho de administração da CERC, estima que há um estoque de R$ 15 trilhões de contas a receber anualmente na economia brasileira. “Não apenas de empresas, mas também de pessoas físicas que compõem um vasto elenco de pequenos empreendedores. Só o segmento de cartões gira R$ 2 trilhões ao ano. E a estimativa da Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços) é que volume de transações de R$ 2,5 trilhões neste ano”, afirma o executivo que vê o mercado em expansão e transformação.
O executivo vê o fortalecimento do mercado de FIDC – Fundo de Investimento em Direitos Creditórios – com o avanço dos recebíveis de cartões e outros ativos que estão na agenda do BC, como duplicatas, agronegócios e imobiliários.
“Nos Estados Unidos, os FIDCs são a segunda maior classe de ativos negociados, depois de títulos públicos que implicam em risco soberano. No Brasil, os FIDCs têm baixíssima representatividade. Estão abaixo, inclusive, de fundos de private equity e venture capital. Aqui falta uma classe de ativos fortes e os FIDCs de recebíveis podem ocupar essa lacuna”, diz Maziero que vislumbra grandes ofertas dessa modalidade de fundos em 2022 para investidores qualificados e não apenas aos profissionais. Ele calcula que os FIDCs de recebíveis podem movimentar R$ 2 trilhões.
Maziero – que atuou no Banco Francês e Brasileiro (BFB), Itaú, Itaú BBA, BM&FBovespa, Cetip e hoje também é investidor-anjo em empresas de tecnologia e integrante do conselho de Administração da BMG Seguros e da Sciere Tecnologias Educacionais – espera, para os próximos seis meses, evoluções para os recebíveis de cartões com o BC ampliando o escopo para IC-Emissor e Emissor-Card holder e Pix como arranjo de pagamentos.
Os recebíveis já inspiram outras modalidades de negócios e de investimentos em fintechs que deslancham. A Marvin, que ainda não tem seis meses de operação, chamou recentemente a atenção de investidores com seu negócio de recebíveis. Acolheu investimento da Mauá Capital em maio, em que foi avaliada em R$ 65 milhões. Em seguida levantou uma nova rodada liderada pela Canary, de venture capital, que tem entre suas investidas a Loft e a Buser. Dessa operação – cujo valor não foi divulgado – participou também o investidor-anjo Eduardo Gouveia.
A Marvin foi criada para usar os recebíveis de cartão de crédito para facilitar transações entre indústrias e pequenos varejistas que recebem dos clientes no cartão, com prazo de 30 dias, mas precisam pagar fornecedores à vista. A fintech garante mais prazo de pagamento ao cliente do pequeno varejo por meio de troca de titularidade dos recebíveis nas registradoras.
A fintech Blu – especializada na gestão e antecipação de recebíveis de cartões para o varejo de pequeno porte – recebeu recentemente um aporte de R$ 300 milhões, liderado pela gestora americana Warburg Pincus, fundo de private equity com mais de US$ 64 bilhões sob gestão. O foco de atuação da Blu é reduzir os custos dos lojistas também alongando o prazo de pagamentos a fornecedores.
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