Fachada de loja Farm: metade da receita consolidada do grupo de 2019 (Divulgação/Divulgação)
Graziella Valenti
Publicado em 8 de junho de 2020 às 09h12.
Última atualização em 12 de junho de 2020 às 13h53.
Enquanto as empresas do varejo de moda listadas na B3 como Restoque e InBrands lutam para reorganizar as dívidas com credores, dramaticamente afetadas pelo fechamento do comércio devido à pandemia, o Grupo Soma garantiu seu lugar na fila para um IPO (a sigla em inglês para oferta pública inicial) e se prepara para captar.
Na sexta-feira, a companhia, que é dona das marcas Farm, Animale, Cris Barros, A.Brand, Fábula, Foxton e Off Premium, arquivou na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) o pedido para retomar o processo de abertura de capital.
A operação é estimada em 1 bilhão de reais, majoritariamente primária. O plano é concluí-la no fim de julho, para combinar com a retomada das atividades do comércio.
O projeto do IPO é anterior à crise do novo coronavírus e foi paralisado pelo cenário. Agora, mesmo com 80% das lojas ainda fechadas, a companhia se organizou para apresentar seus planos aos investidores, diante da liquidez do mercado de ações e da recuperação dos preços na bolsa. O coordenador líder da operação é Itaú BBA, ao lado de JP Morgan, Bank of America e XP Investimentos. Consultada, a companhia não concedeu entrevista por estar em período de silêncio.
O projeto para a B3 sofreu ajustes. Na versão anterior, a oferta seria da ordem de 1,5 bilhão de reais, com metade dela composta por uma colocação secundária. Agora, a parcela de venda dos sócios deve ser substancialmente reduzida e ainda precisará passar pelo crivo do mercado, de acordo com fontes próximas à transação. Roberto Luiz Jatahy Gonçalves e família somam perto de 70% do capital total da empresa.
O grupo, que fechou em fevereiro a compra da rede Maria Filó, quer se diferenciar frente aos investidores pela sua estratégia digital e pelo crescimento. Nesse sentido, parte da narrativa tenta se aproximar muito mais do Magazine Luiza e da Via Varejo, do que de suas concorrentes do varejo têxtil.
No ano passado, a receita líquida teve alta superior a 20%, para 1,3 bilhão de reais. No conceito mesmas lojas, a expansão foi de 13%. O discurso digital já estava presente antes da pandemia. Mas agora cai como uma luva e se fortaleceu com o desempenho durante o isolamento social usado como combate ao coronavírus. Ao longo desta segunda-feira, a companhia deve atualizar os documentos na CVM e acrescentar os resultados de janeiro a março e dados mais recentes.
Conforme o EXAME IN apurou, a companhia conseguiu manter um patamar de vendas entre 50% e 80% do nível pré-pandemia ao longo dos últimos meses. O desempenho foi alcançado graças aos canais digitais, que já era um forte investimento do grupo: 80% das vendas nesse período foram on-line.
De acordo com o prospecto registrado CVM, das vendas brutas de 1,5 bilhão em 2019, 22% já vieram do comércio eletrônico. Em termos absolutos, o valor quase dobrou sobre 2018.
A companhia tem três pilares para apresentar aos investidores como plano para os recursos e entende que todos se fortaleceram pela pandemia. O objetivo é buscar liquidez para acelerar as frentes de crescimento: aquisições (agora com mais oportunidades devido à crise) e os canais eletrônicos, que muitas vezes demandam abertura de lojas que funcionem como centros de distribuição regionais.
Como pano de fundo dos pilares de expansão, o Grupo Soma destacará o que entende ser sua terceira fonte de sustentação: a capacidade de manutenção da identidade criativa de cada marca adquirida, diferentemente do que costuma ocorrer em outras consolidações do setor.
Embora o portfólio tenha seis nomes fortes, sem considerar a Maria Filó comprada no início deste ano, a carioca Farm, adquirida em 2010, é a grande vedete. No período de nove anos da consolidação, a receita saiu de 140 milhões de reais ao ano para 660 milhões de reais, no ano passado – metade do total consolidado, portanto. A expectativa é que o posicionamento da marca, com foco em sustentabilidade e diversidade racial e social, também contribua para a simpatia dos investidores.
O Grupo Soma também pretende ressaltar o fato de ser uma operação lucrativa em um mercado concorrido como o varejo de moda. No ano passado, teve lucro líquido de 126,8 milhões de reais, um crescimento de quase 50% sobre o ano anterior. O Ebitda somou 214,5 milhões de reais, mais que o dobro dos 105 milhões de reais de 2018.
Em dezembro, a empresa declarou o pagamento de 188 milhões de reais em dividendos, com base na reserva de lucros de 2019. A dívida bruta da companhia somava 209,4 milhões de reais em dezembro, para uma posição de 27,8 milhões em caixa. Esses valores não incluem a emissão de 80 milhões de reais em notas promissórias realizada em fevereiro, para compor o pagamento dos proventos declarados no fim do ano passado.
Se tiver sucesso na estreia, o Grupo Soma estará em destaque como a maior das empresas de moda listada na B3, após o encolhimento dos negócios das concorrentes — uma vez que sua operação não se compara a de grandes redes como Renner e Hering, mas sim com Restoque e InBrands.
A Restoque, dona de redes como Le Lis Blanc, Dudalina, John John, Rosa Chá, entre outras, anunciou na semana passada a reorganização da dívida de 1,5 bilhão de reais por meio de uma recuperação extrajudicial. A companhia teve receita líquida inferior a 1 bilhão de reais no ano passado, após queda de 23%, e um prejuízo de 19,3 milhões de reais.
Já a InBrands, que tem nomes como Ellus, Richards e Salinas no portfólio, tenta desde abril ajustar as condições de suas dívidas com os credores, mas ainda não conseguiu consenso. O objetivo da empresa é evitar o vencimento antecipado dos compromissos devido ao descumprimento de limites de alavancagem e postergar amortizações previstas para ocorrer em abril, maio e junho. A companhia teve receita líquida de 572 milhões de reais no ano passado, depois de encolher 15%, com lucro líquido de 23,9 milhões de reais.
A operação do Grupo Soma é vista como emblemática, se bem-sucedida, para demonstrar que o dinheiro vai aparecer para “boas histórias”, como gostam de destacar os banqueiros que trabalham com essas operações. Isso porque o setor acumula os piores desempenhos da bolsa durante a pandemia, além de situações de dificuldade financeira importantes.
O desafio será a manutenção do humor dos investidores até julho, diante do cenário macroeconômico e político do país. Os especialistas, contudo, afirmam que o movimento de migração de recursos para a bolsa, devido ao juro baixo, deve seguir forte.