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Caminho sem volta? Após alta de 28%, metade da Hering espera por fusão

Investidores ignoram negativa do conselho e aguardam novidades de Arezzo, Alpargatas ou Soma. Quem dá mais?

Hering, aos 140 anos: receita da companhia encolheu mais de 30% em 2020 e, mesmo assim, balanço fecha com mais caixa que dívida (Hering/Reprodução)

Hering, aos 140 anos: receita da companhia encolheu mais de 30% em 2020 e, mesmo assim, balanço fecha com mais caixa que dívida (Hering/Reprodução)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 16 de abril de 2021 às 02h12.

Última atualização em 28 de abril de 2021 às 07h06.

Acabou o tempo de paz. A Hering, cujo símbolo são dois peixinhos, dois arenques, está agora na ciranda da vida. Ou melhor, do mercado financeiro. Os arenques — muitas vezes confundidos com as sardinhas — são peixes que gostam da tranquilidade. Procuram refúgio durante o dia, para escapar dos predadores.

Ao decidir publicar a recusa de seu conselho de administração a uma oferta sigilosa recebida da Arezzo, como o fez na quarta-feira, dia 14, à noite, a Hering lançou-se ao público. Foi para a luz do sol. Não havia obrigação de publicidade ao tema.

A ação, integrante do Índice Bovespa, subiu mais de 28% e a empresa encerrou a quinta-feira, dia 15, avaliada em R$ 3,48 bilhões. Ajustou-se à oferta feita pela Arezzo — R$ 1,29 bilhão em dinheiro mais 21,15% da companhia combinada — como se a negativa jamais tivesse ocorrido. A escolha pela publicidade partiu da Hering. Em bom português, a companhia está aberta ao diálogo. Os acionistas de mercado dela certamente estão.

Por um lado, a Hering, que já foi avaliada em mais de R$ 5 bilhões, pode ter conseguido uma base melhor de valor a partir da qual conversar, já que até o começo desta semana valia perto de R$ 2,7 bilhões. Por outro, dificilmente poderá contar com os mesmos refúgios de antes.

Ao menos é assim que entendem aqueles que conhecem a empresa de perto.  “Vai ser muito difícil eles simplesmente recusarem ofertas daqui para frente”, comentou o gestor de um fundo. “Ou mesmo fecharem os olhos à Arezzo. Qual plano de crescimento deles compensa não fazer uma combinação?”, questiona outro.

Já faz pelo menos uma década que a companhia sofre pressão para novos saltos. Há sempre algum plano em andamento, mas nenhum que acelere os negócios no ritmo que os investidores desejam ver — em especial em uma rara companhia na qual sobra dinheiro e que tem marca nacionalmente forte.

Somente durante o pregão desta quinta-feira, a ação da Hering movimentou perto de R$ 685 milhões — atrás apenas das blue chips Vale, Petrobras e Itaú. O valor equivale à metade do que efetivamente há em circulação do capital total da empresa, descontados os cerca de 20% que a centenária família Hering possui e mais os fundos Atmos, Velt e Verde, com seus outros mais de 22%.

Resumo da ópera: na prática, metade do capital em circulação da Hering hoje espera ver a ação se valorizar para além do preço atual, ou seja, aguarda uma transação. Arezzo, Alpargatas, Soma? O bolsão de apostas está literalmente formado.

Fabio Hering, presidente executivo, e o conselho de administração da companhia, cientes ou não, colocaram a empresa na vitrine. A Hering, embora tradicionalíssima, não tem controlador definido, o que só aumenta a responsabilidade dos administradores.

A companhia tem alguma proteção contra ofertas hostis — movimento, por agora, distante da carta-proposta da Arezzo. Há uma cláusula em seu estatuto social que obriga oferta pública a todos os investidores para qualquer um que alcançar 20% do capital, com prêmio relevante (30% sobre média de mercado ou valor justo). A redação confere tempo aos atuais acionistas para buscar uma conversa mais amistosa e em bases negociadas com qualquer interessado.

Mas, por outro lado, já tem muitos anos que se sabe que pílulas de veneno, como são chamados esses dispositivos, não impedem negócios, desde que os ofertantes peçam dispensa de sua execução. A trilha não é nova no Brasil. E, além disso, para o caso de uma proposta de incorporação firme e garantida (que muitas vezes nem dispara o estatuto), os acionistas podem pedir a convocação de uma assembleia, independentemente da gestão da empresa.

Durante anos, a administração de Fabio Hering foi assediada por fundos renomados que montaram posição na companhia no intuito de ajudar em um projeto de crescimento, tão logo ficou evidente que a empresa deixou de ser apenas industrial e migrou para ser do varejo.

Ninguém convenceu o executivo e herdeiro de plano algum de expansão mais agressivo. A Hering, em plena pandemia, depois de encolher mais de 30% em receita, tem uma sobra de dinheiro, em relação à dívida, de R$ 265 milhões. Mas agora, além da leitura de que falta o ataque — o crescimento — , o entendimento é que falta a defesa também — o digital. Os analistas de investimento passaram o dia apontando como Arezzo traria sua experiência digital à Hering.

A Arezzo, que fique claro, tampouco vai encontrar alvo que deixe o mercado mais satisfeito. Na contramão da regra, a ação da companhia, que poderia ser encarada como a compradora, subiu mais de 8% e o valor da empresa ficou ligeiramente acima de R$ 8 bilhões.

Se a vida corporativa fosse um meme ou uma hashtag, seria a resposta de uma gestora de recursos à abordagem do EXAME IN sobre o tema: uma foto com os dizeres “expectativas foram criadas”. Agora, é um dia por vez. "Esse preço [da Arezzo] não é de quem quer comprar de verdade", comenta uma fonte próxima à empresa catarinense. Pelo visto, está aberta a temporada de lances.

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