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Caixa: convidado por Mattar, presidente do conselho renuncia

Conselheiro assumiu convidado pelo ex-secretario para aproximar governança às recomendações da OCDE

Caixa: renúncia de Mauro Cunha pode ser alerta sobre governança (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Caixa: renúncia de Mauro Cunha pode ser alerta sobre governança (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 6 de outubro de 2020 às 06h50.

Última atualização em 6 de outubro de 2020 às 07h27.

A Caixa informou ontem à noite que Mauro Cunha não é mais presidente do conselho de administração da instituição, renunciou ao posto. O comunicado é breve, sucinto. Não expõe qualquer divergência ou motivo. Apenas anuncia a saída e comunica que o conselheiro Marcelo de Siqueira Freitas assumirá a posição interinamente. Como é praxe, agradece a contribuição e dedicação de Cunha. Vida que segue.

Mas, a falta de contexto oficial não deveria dificultar o entendimento da notícia. Só confirmar. O investidor pode começar a se questionar a quantas andam as boas práticas de governança corporativa das estatais brasileiras.

Poderia ser qualquer renúncia, mas não é.  Cunha é um dos principais militantes do tema, bem antes de a então Bovespa criar o Novo Mercado. É um dos expoentes do assunto desde os tempos em que era um dos principais nomes da Investidor Profissional, a casa carioca que já foi um ícone na temática — a IP, ex-residência de grandes gestores espalhados hoje pelo mercado. E lá se vão 20 anos.

O conselheiro chegou à presidência do colegiado da Caixa convidado por Salim Mattar, ex-secretário de desestatização, desinvestimento e mercado do governo Jair Bolsonaro, que renunciou ao cargo em agosto, publicamente decepcionado ao entender, na prática, que recebeu a atribuição para mudanças, mas não a autoridade, conforme relatou em artigo de próprio punho ao Brazil Journal. Junto com Mattar, saiu também Paulo Uebel, secretário da desburocratização.

Cunha assumiu o posto logo após o primeiro escolhido, Luiz Fernando Figueiredo, ser alvo de questionamento, por ser sócio fundador e gestor da Mauá Capital — o que, no entendimento de muitos participantes, o colocava numa posição de conflito de interesses. Na largada, no plano inicial, Cunha iria apenas para o comitê de auditoria.

Procurado a respeito da decisão de renunciar, não quis comentar o assunto.

Mas, o fato é que sentou na cadeira depois de receber a missão — do próprio Mattar — de colocar a Caixa, assim como se faria com as outras empresas públicas, mais próxima das práticas defendidas pela Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) para companhias estatais. A Secretaria de Coordenação e Governança de Empresas Estatais (Sest) estabeleceu como recomendação e política a adoção de um estatuto social padrão para as estatais, justamente para essa convergência da governança das empresas controladas pela União às recomendações de melhores práticas da organização internacional.

O que esses estatutos deixarão — ou deixariam — especialmente claro é a separação da função entre conselho de administração e corpo executivo. Hoje em dia, quem indica a presidência das maiores companhias públicas — Petrobras, Banco do Brasil e Caixa, por exemplo — é o governo federal. Não por acaso o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, recorrentemente se refere “ao seu chefe, o ministro da Economia, Paulo Guedes”.

Na Petrobras, a cada indicação, é uma luta garantir que o conselho, ao menos, seja informado antes pelo governo quem é o “eleito”. Nas companhias abertas, a indicação do presidente é feita pelo conselho de administração que é, na prática, o chefe dos executivos, o órgão que representa os próprios acionistas. A petroleira já viveu um vai e volta nas garantias de poderes do conselho. O estatuto social da empresa, que havia passado por uma grande reforma após a Operação Lava-Jato, sofre todo ano um ajuste aqui e outro acolá para retroceder no quesito governança. Trata-se de ninguém menos do que a principal blue chip do mercado acionário brasileiro.

O estatuto padrão também trata da sucessão do conselho de administração, na tentativa de dar maior uniformidade ao processo de eleição dos representantes e uma condução menos dependente da política partidária do país. E deixaria claro que a estratégia de remuneração dos executivos cabe a esse colegiado. Não é de se espantar que os presidentes do trio máximo das estatais — Petrobras, Banco do Brasil e Caixa — tenham estrilado na alta cúpula do governo a respeito das mudanças em curso.

O programa da Sest foi anunciado pelo titular atual da secretaria, Amaro Gomes, em junho, embora tenha sido gestado na direção anterior, de Fernando Soares. Ao comunicar a iniciativa, Gomes contou que a previsão era adoção da nova governança a partir de 2021. Mas, como a pandemia adiou diversas assembleias, era possível que algumas modificações começassem ainda neste ano. Nada relevante que se tenha notícia até o momento.

Sem Mattar, o inconformado com a falta de autoridade, tudo perece ter perdido um pouco de sentido. Trata-se de uma questão para seguir no radar.

 

 

 

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