Sede da BRF: valor da empresa patina em torno de R$ 20 bilhões mesmo após chegada de Marcos Molina (Rodolfo Buhrer/Reuters)
Graziella Valenti
Publicado em 27 de maio de 2021 às 12h21.
Última atualização em 28 de maio de 2021 às 19h23.
Na BRF, onde o clima no conselho de administração já estava ruim há alguns meses, a coisa foi para o vinagre depois do anúncio da entrada da Marfrig no capital da empresa. A companhia do empresário Marcos Molina investiu US$ 830 milhões e anunciou ter adquirido 24,23% do capital da dona das marcas Sadia e Perdigão.
A primeira reunião de conselheiros desde que o movimento foi divulgado, ou tentativa de uma, no fim da terça-feira foi um “Deus nos acuda”. Climão e troca de cutucadas e acusações. Não são poucos os espectadores privilegiados da situação que começam a achar difícil que esse conselho dure até a assembleia geral de 2022, quando se espera que Molina deixará de ser passivo — como declarou que será.
Discussões sobre as informações de que Previ, uma das maiores acionistas da BRF, ajudou Molina a se tornar o maior acionista caíram como um tijolo. A fundação fez um leilão na B3 na sexta-feira 21, no qual vendeu 3% da empresa, ou 1/3 de sua fatia.
Para completar, de acordo com pessoas próximas à Marfrig, o chairman Pedro Parente e o presidente Lorival Luz estavam cientes da movimentação da Marfrig, mas sem saber que Previ estava envolvida. Bagunça geral instalada.
Não está claro desde quando a administração executiva da BRF, que ainda tem as famílias Fontana e Furlan (originais da Sadia) como acionistas minoritárias, tinha conhecimento dos planos ou pretensões de Molina. Mas a noção de que ambos sabiam fez todo mundo se mexer na cadeira.
O EXAME IN apurou que a Marfrig montou mais lentamente uma posição de 4,99% da BRF até terça-feira, dia 18. Nesse dia, estourou os 5% — participação a partir da qual começa a ser exigida publicidade da informação — e colocou o pé no acelerador. Aparentemente, a companhia de Molina andou em cima da linha e, dentro do prazo de divulgação, montou os quase 20% por meio de compras na B3, em ADRs, opções e derivativos.
O livro de acionistas é de “propriedade” das empresas e de seus administradores. Contudo, trata-se de informação sigilosa e que, no máximo, pode ser compartilhada com os demais sócios da empresa, quando solicitada. Mas não é um dado público. De qualquer forma, a gestão da BRF pode sim, ter visto, o movimento de Molina nascer.
Essas dúvidas estão acabando com o foco desse conselho em cuidar de seu principal tema: a BRF. A empresa dona dos principais nomes em proteína de frango e de porco no país não vai excelentemente bem tem tempo. Mais de uma década depois da união, motivada pela ruína financeira da Sadia com derivativos cambiais em 2008, a fusão ainda não produziu riqueza.
Mas, desde que as famílias da Sadia começaram a se movimentar no início de 2021 com projetos mirabolantes na tentativa de reaver a gestão — um inconformismo com aquisição pela ex-rival Perdigão que já dura 12 anos — , o conselho vem ficando cada dia mais azedo.
Não houve quem levasse a sério no mercado de capitais a empreeitada, que chegou a se aproximar de nomes polêmicos como Nelson Tanure e até a se reunir com Flavio Bolsonaro. Com cerca de 2% da empresa e sem capital para movimentos mais ousados, as famílias ainda são vistas como causadoras de tumulto e uma das responsáveis pelo desafio na construção de uma cultura única na BRF.
Mas, se por um lado não se botava fé no intento, por outro, ele teve sucesso em desestabilizar o centro de poder da empresa. A chegada da Marfrig foi a bigorna que faltava.
Para completar o cenário, a mudança na gestão da Previ coloca na sala um bode de intervenção estatal nos fundos de pensão, um fantasma histórico, e ainda o Tribunal de Contas da União (TCU) resolveu questionar os movimentos recentes.
Para Molina, que tem agora um leque de possibilidades sobre o que fazer com a BRF a sua disposição, a confusão não é nada ruim. Na BRF, política e economia estão enfraquecidas.
O JP Morgan, a instituição que atuou pela Marfrig nas compras, anunciou essa semana que tem uma posição "sintética" de 7,15% em contratos com ações da BRF em nome de clientes. Não informou ser a companhia de Molina a contraparte, mas todo mundo já sabe que sim a esta altura.
Duas questões chamaram atenção na informação: a primeira é que o banco deixa claro que são contratos de liquidação financeira. Nessas situações, nem a ação nem os seus direitos políticos pertencem ao contratante. Com isso, o poder político da Marfrig na BRF seria apenas da ordem de 17%. Assim, essa fatia do JP Morgan não pode ser usada pela empresa de Molina e nem por ninguém. Está travada como parte de um contrato.
Muitas dúvidas ainda existem a respeito da estrutura da posição de Molina. Movimento semelhante ao que ele fez só viu quando a Vivendi saiu vitoriosa na compra da GVT, após uma disputa pública de preços com a Telefônica, mas teve de fechar um termo de compromisso de R$ 150 milhões com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pela forma como “não informou” adequadamente o mercado sobre isso. A Vivendi, tal qual Molina, usou opções e derivativos, alguns de liquidação física (quando o banco entrega a ação ao fim do acordo) e outros só financeiros. Nesses últimos, já um acerto de fluxo de dinheiro entre as partes, mas as ações ficam de lastro e como se não pertencessem de fato a ninguém.
Uma fonte próxima à situação na BRF assim definiu a sensação "2022, tão perto e tão longe". Por um lado, o debate sobre a governança da empresa foi antecipado. Por outro, uma solução para o futuro do negócio pode estar ainda distante, enquanto a Marfrig estuda o que pode fazer agora com esse investimento.
[Atualização em 28/05, às 19h23]: A família Furlan afirma que o movimento citado na reportagem “nunca aconteceu e quaisquer notícias envolvendo a nossa família são inteiramente falsas. Somos uma família muito unida e nenhum de nós deu qualquer declaração à revista Exame”.
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