Sadia e Perdigão: depois de anos amargos, momento favorável ajuda melhoria da rentabilidade (Alexandre Battibugli/Exame)
Graziella Valenti
Publicado em 17 de julho de 2020 às 18h49.
Última atualização em 17 de julho de 2020 às 19h19.
A BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, deu mais um passo no processo de melhoria do perfil de seu endividamento — ou dois, na verdade. De forma simples, a empresa colocou em marcha operações que vão reforçar seu caixa com uma emissão de dívida no Brasil de longo prazo e tirar de circulação dívidas de prazos mais curtos em dólar. E ainda vai ficar com cerca de 600 milhões de reais a mais no caixa.
Nesta sexta-feira, a companhia liquidou a captação de 2,2 bilhões de reais em certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs), em duas séries, de sete e dez anos. A partir de segunda-feira, os papéis começam a ser oferecidos aos investidores do varejo por praticamente toda a Febraban, a associação que reúne os bancos do país.
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O caminho trilhado pela BRF é muito semelhante ao feito pelo frigorífico Minerva, no começo de junho, que levantou 1,2 bilhão de reais com duas emissões de CRAs e recomprou 100 milhões de dólares em papéis emitidos fora do Brasil, ou perto de 600 milhões de reais na época. Para as empresas, tem feito sentido captar em reais e recomprar dívida externa porque o rendimento da aplicação local, com a Selic em 2,75% ao ano, não é interessante. Tem mais lógica gastar à vista em reais e liberar o fluxo de caixa em dólares, já que o serviço da dívida internacional ficou mais salgado com a alta do dólar.
No início da manhã desta sexta-feira, a BRF colocou na rua uma oferta de recompra de 300 milhões de dólares, ou 1,6 bilhão de reais, em títulos emitidos no mercado internacional com vencimentos que vão de 2022 a 2026 — uma parcela dos 13,5 bilhões de reais existentes no balanço de março. Em um momento que o dólar vale mais de 5 reais e a demanda da China está elevada, a companhia tem reforçado a geração de caixa por ser exportadora. Da receita líquida total de 8,67 bilhões de reais no primeiro trimestre, 46% veio do mercado internacional — e 53% do Ebitda de 1,3 bilhão de reais veio de fora do Brasil.
Consultada, a BRF não quis comentar a iniciativa.
Os papéis emitidos têm características interessantes para quem quer salvar a maior quantidade de dólares possível para o futuro. Economias fazem sentido em momentos de vento a favor, já que como toda indústria cíclica, a BRF também enfrenta períodos de margens comprimidas de tempos em tempos. A primeira série dos CRAs, de 705 milhões de reais, não tem amortização. A emissão vence toda em 2027 — é o que o mercado chama de bullet, uma bala de revólver. A segunda, de 1,495 bilhão de reais, vence em 2030, com amortizações apenas a partir do oitavo ano. O custo da primeira é de IPCA mais 5,3% ao ano e da segunda, de IPCA mais 5,6% ao ano.
Esse não é o primeiro movimento recente da BRF para reperfilamento de sua dívida. No ano passado, a companhia captou 750 milhões de dólares com prazo de dez anos e usou tudo para recomprar papéis internacionais que venceriam em 2022 e 2023. Com isso, conseguiu subir o prazo médio de sua dívida de 3,1 anos para 4,5 anos e economizar com o serviço da dívida. Mas ainda há um caminho a percorrer até uma folga maior, embora a situação já esteja muito diferente da encontrada pela atual administração, há exatamente dois anos.
A dívida bruta da BRF hoje é de 24,6 bilhões de reais, para 9 bilhões de reais em caixa. A disparada do dólar fez a dívida aumentar um total de 5 bilhões de reais e o serviço financeiro dos compromissos gerou um desembolso 11% maior — tudo na comparação com o quarto trimestre de 2019. Contudo, a alavancagem bruta mostra que no intervalo de um ano os compromissos passaram de 8,62% o Ebitda para 4,23%.
Os CRAs da BRF serão oferecidos aos investidores do varejo nas plataformas de investimento. Esses papéis, assim como as chamadas debêntures incentivadas, do setor de infraestrutura, são isentos de tributação e têm despertado grande interesse de aplicadores individuais. É o que tem garantido o funcionamento desse mercado em plena pandemia. Os bancos absorvem na largada e, em seguida, com um desconto em relação à sua remuneração original, revendem no mercado secundário. Em tempos de CDI minguado, o apetite é tanto que, por exemplo, a Minerva fez duas operações de 600 milhões de reais depois que a primeira desapareceu em poucos dias no mercado.
Na opinião do analista de crédito da EXAME Research Odilon Costa, os papéis são interessantes para o aplicador diversificar risco no mercado de crédito, inclusive dos frigoríficos. “Os níveis de remuneração ofertados no mercado secundário oferecem uma opção atrativa para pessoas físicas que visam acumular renda”, escreveu ele em relatório. A recomendação, explicou, pode ser considerada por investidores com perfil moderado e arrojado, em razão do risco de crédito da companhia. “A mudança de gestão, o foco em aprimoramento da execução, a venda de ativos não estratégicos e o mercado mais favorável nos últimos trimestres trouxeram as métricas de endividamento e liquidez para um patamar mais confortável. Apesar disso, a empresa possui algumas obrigações significativas até o vencimento dos CRAs”, avalia ele.
Para o especialista, faz sentido a compra dos papéis desde que ofereçam um prêmio de risco — em relação ao título público de vencimento semelhante (NTN-B 2028 e NTN-B 2030) — de mais de 2% ao ano. Na prática, significa que neste momento os certificados de sete anos da BRF precisam oferecer retorno superior a IPCA mais 4,58% e os de dez anos, de IPCA mais 5,03%.