Braskem: ativos internacionais, nos Estados Unidos e Europa, desperam atenção de estratégios (Paulo Fridman/Corbis/Getty Images)
Graziella Valenti
Publicado em 2 de junho de 2021 às 15h00.
Última atualização em 2 de junho de 2021 às 21h54.
O processo de venda da Braskem vai entrar, no fim do mês, na fase de recebimento das primeiras propostas indicativas. Na bolsa, o valor da empresa reflete a virada operacional do negócio: quase R$ 45 bilhões.
A avaliação atual da empresa na B3 já está acima do que era no longínquo carnaval de 2018, quando as conversas entre a LyondellBasell e o grupo Odebrecht — atual Novonor — começaram. Perto, portanto, da máxima histórica, que foi em torno dos R$ 48 bilhões, em setembro daquele ano. Para ficar mais claro ainda o tamanho da recuperação: o valor de mercado da companhia rondou os R$ 15 bilhões durante um bom período do segundo semestre de 2020. Ou seja, triplicou.
O Morgan Stanley está à frente dos trabalhos e, no total, mais de 40 potenciais interessados foram estimulados a participar do processo. Até o momento, cerca de 15 se engajaram, em maior ou menos intensidade. A expectativa, contudo, é que poucos passem para a próxima etapa de discussões.
Os mais atuantes nas conversas têm sido os private equities, que já estão em busca de estruturas de financiamento combinadas para a operação. Advent e Apollo, por exemplo, estão rondando mercado para estrutura financeira. O Apollo, para quem não se lembra, está no berço do que é hoje a LyondellBasell.
Mas o especial interesse de estratégicos — ou seja, companhias do setor — pelos ativos internacionais está mostrando que os caminhos para extração de valor da Braskem são muitos.
Comprar Braskem não é qualquer cheque. A Novonor, que está em recuperação judicial, tem 38% do capital total e a Petrobras, 36% — só nessa fase já são quase R$ 32 bilhões considerando o preço de pregão, sem prêmio algum. Mas os pouco mais de 25% em circulação têm “tag along”, ou seja, direito de vender as ações pelo mesmo preço do atual controlador. Portanto, é preciso considerar o valor “cheio” da empresa.
A virada da Braskem foi tão forte que a Novonor que, em 2020, não considerava assinar qualquer acordo neste ano já mudou de posição. A expectativa é que uma transação seja selada ainda em 2021, para efetivação no ano que vem. Ainda que todos saibam que uma due dilligence bem completa — algo que o porte e o risco do negócio pedem — ali possa ser demorada.
O primeiro trimestre de 2021 foi recorde na empresa, com um lucro líquido de R$ 2,5 bilhões. E alavancagem não caiu, despencou. A relação entre a dívida líquida e o Ebitda de 12 meses que estava em 5,8 vezes no segundo semestre do ano passado caiu para 1,8 vez, ao fim de março. O caixa livre gerado atingiu R$ 1,7 bilhão, só de janeiro a março.
Não é pressa da Novonor. Mas o grupo já sabe o que uma eleição presidencial faz com um processo de venda e não pretende mais enrolar nas tratativas. O debate para 2022 promete ser dos mais intensos já vividos no país. Além disso, não se sabe por quanto tempo os spreads do setor ficarão tão favoráveis (o eterno debate sobre inflação global e aquecimento da ativida econômica).
As conversas com Lyondell ficaram congeladas em 2018 e, até serem retomadas em 2019, nesse intervalo deu tempo de o conglomerado ter as finanças destroçadas (ainda mais) e estourarem os passivos em Alagoas, com o afundamento de bairros na capital Maceió relacionados à exploração das minas de sal-gema na região. Nesse momento, as provisões todas para lidar com a questão somam pouco mais de R$ 8,5 bilhões.
Não passa despercebido o silêncio de Joaquim Luna e Silva, o novo presidente da sócia Petrobras, a respeito do projeto para as petroquímicas. A venda da RLAM, a refinaria na Bahia, ao Mubadala foi aprovada pelo conselho de administração anterior, em seu apagar das luzes. Quem se relaciona constantemente com a estatal petroleira sentiu que Luna e Silva está ainda pegando pulso de tudo e querendo sim entender o que poderá ser sua marca na gestão. Há quem não se espantaria se a estatal decidisse continuar sócia do negócio — mas só vê esse cenário possível na aquisição por um estratégico.
Qualquer virada mais drástica da Petrobras sobre suas intenções com ativo pode impactar o processo de venda. Os private-equities todos sabem como ser sócio do governo pode tornar decisões lentas e a construção de valor complexa. De qualquer forma, o entendimento é que uma saída via mercado de capitais hoje, com uma oferta de pulvertização de controle na B3 — como pressionava o ex-presidente da petroleira Roberto Castello Branco — está fora de cogitação. O desconto exigido seria destruidor de valor e o volume total, talvez impossível.
No começo do ano, circularam comentários de que poderia ser feito um fatiamento dos ativos e uma venda consorciada da Braskem. Quem está no centro das conversas, conforme o EXAME IN apurou, acredita que essa primeira rodada de indicação de interesses e valores vai deixar claro o melhor desenho possível: o pacote cheio ou uma eventual divisão.
Mas já ficou evidente que a questão dos ativos internacionais seria para Novonor e Petrobras um enorme destravamento de valor na Braskem, mais do que fatiar os ativos brasileiros. Enquanto a empresa negocia no Brasil a múltiplos entre 6 vezes e 6,5 vezes Ebitda, o setor é transacionado em bolsa entre 7x e 8x Ebitda ou mais no mercado internacional. É algo que os private equities, por exemplo, sabem bem quando olham para o todo.
A estimativa é que, com a nova planta industrial nos Estados Unidos que entra em operação em breve, a geração de caixa lá fora em 2022 alcancará algo como US$ 500 milhões a US$ 550 milhões, em grandes números. Na mesa, portanto, estaria um ativo de US$ 4 bilhões — ou R$ 20 bilhões para mais, cerca de metade da empresa na bolsa hoje.
A companhia holandesa LyondellBasell que já esteve bem próxima de adquirir a Braskem, mas desistiu no meio de 2019 especialmente devido às incertezas relacionadas aos passivos de Alagoas, estaria em grande vantagem competitiva se quisesse fazer um novo lance. É a única da lista de interessados que conhece tudo de trás para frente, após uma due dilligence de quase um ano.
Mas, após a compra da parte da sul-africana Sasol em uma joint-venture nos Estados Unidos, por US$ 2 bilhões, não se espera nenhuma grande tacada. Agora, a Lyondell preferiria ficar apenas, conforme fontes familiarizadas com o assunto, com ativos fora do Brasil. Não é a única, mas uma delas.
A Advent também tem lá seu centro de conhecimento estratégico nessa briga: Fernando Musa, ex-presidente da Braskem, que se uniu à gestora como um “operating partner” no ano passado. A gestora de private equity está bastante avançada na negociação para aquisição da Oxiteno, do grupo Ultrapar, um ativo de US$ 1,5 bilhão.
Para a Novonor, extrair o maior valor possível da Braskem não é opção, é dever. Esse é o principal ativo da companhia e lastro de uma recuperação judicial que reorganizou nada menos do R$ 51 bilhões em dívidas. Desse total, R$ 15 bilhões são compromissos que têm as ações da Braskem não em garantia, mas em cessão fiduciária. É ter o primeiríssimo lugar na fila.
O objetivo do conglomerado é conseguir pagar essa fila e ainda conseguir algum para ratear entre os demais credores. Não se pode tirar da mente que há mais ou menos, nesses valores, cerca de R$ 2 bilhões de impacto tributário negativo, o que faz o valor total absoluto ter de ser o mais interessante possível.
Quando o plano de recuperação foi montado, o laudo que deu suporte à negociação com os credores atribuía um valor mínimo de R$ 17 bilhões aos 38% da Braskem — o que dá R$ 45 bilhões pela companhia toda. Quando negociou com a LyondellBasell, a intenção do grupo era alcançar uma avaliação da ordem de R$ 20 bilhões por sua participação. Não custa lembrar que o dólar não estava onde está hoje e que a planta dos Estados Unidos não estava nem perto de operar ainda. Tudo isso altera, e bastante, o valor de tudo.
Seu feedback é muito importante para construir uma EXAME cada vez melhor.