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Brasileiro nunca investiu tanto em títulos de dívida de empresas. Saiba porquê

Estoque de fundos alocado em debêntures alcança 72% de tudo que está investido em ações

Dinheiro em movimento: aplicações migram de ações para títulos de dívida de empresas (Getty Images/Getty Images)

Dinheiro em movimento: aplicações migram de ações para títulos de dívida de empresas (Getty Images/Getty Images)

Graziella Valenti
Graziella Valenti

Editora Exame IN

Publicado em 11 de abril de 2023 às 15h50.

Última atualização em 11 de abril de 2023 às 16h01.

A saúde financeira das empresas brasileiras importa mais do que nunca. Agora, a preocupação com a piora na qualidade de crédito das companhias, que aumentou com a persistência da taxa Selic em 13,75% ao ano, vai bem além dos empregos gerados e da capacidade de investimento. E olha que já é dor de cabeça suficiente para o país. Mas o tema afeta ainda os investidores. E não é pouco.

Estimulados por uma temporada longa de Selic para cima de dois dígitos, o brasileiro nunca investiu tanto em papéis de dívida de companhia como agora. É uma forma de buscar um rendimento além da Selic. Para completar, há um ambiente de estímulo extra para debêntures incentivadas, ligadas ao setor de infraestrutura, e títulos como CRAs e CRIs, com isenções de imposto de renda e fácil distribuição via plataformas digitais. O cenário de constrição de crédito e preocupações com alavangem das companhias pega tanto a indústria de fundos de investimento como os investidores que preferem aplicar de forma independente no auge da exposição a esse risco.

A indústria de fundos nacional tem um patrimônio total de R$ 5,8 trilhões. Desse total, R$ 523,7 bilhões estão aplicados em ações brasileiras e R$ 377 bilhões, em debêntures. A relação do total de recursos investidos em dívida de companhias e o total em ações passou de 68% para 72% entre o fim do ano passado e fevereiro deste ano. Os dados são da Anbima e se tornaram públicos na quinta-feira, pré-feriado de Páscoa.

O que se vê na indústria de fundos é o mesmo que acontece com os investimentos diretos feitos pelas pessoas físicas. A B3 detalha em estudos trimestrais a alocação. O último levantamento disponível é relativo a dezembro e ilustrativo da mesma forma. Enquanto o saldo investido em ações recuou 12% na comparação com 2021, para R$ 329 bilhões, a alocação em debêntures aumentou 32%, passando de R$ 73,1 bilhões para R$ 96,7 bilhões. O volume aplicado em dívida privada está quase do mesmo tamanho da posição detida em títulos públicos, via Tesouro Direto, que terminou dezembro em R$ 99,6 bilhões. No agregado total (debêntures mais CRIs e CRAs), a posição em títulos de dívida privada, sem contar papéis de bancos, aumentou 40% e terminou dezembro em R$ 212 bilhões.

Não por acaso, episódios como de Americanas (AMER) e Light (LIGT3) assustam e geram repercussões no mercado. Com isso, a demanda por esses títulos cai.

A relação debêntures e ações nos fundos e na alocação direta, a mais alta já vista no setor, é reflexo principalmente do grande crescimento das emissões de debêntures no país (CRIs e CRAs), com o desenvolvimento expressivo de um mercado secundário devido à digitalização do setor financeiro. Os anos de 2021 e 2022 foram recordes em captações via esses títulos. Com mais papéis, naturalmente a alocação aumenta. Em tempos de Selic alta, então, com a preferência do investidor pela renda fixa, a demanda absorveu tudo facilmente.

A fotografia atual reflete ainda uma outra informação: uma das menores alocações em ações pelos fundos, desde que a medição da Anbima teve início, em 2006. Em fevereiro, o total do patrimônio dos fundos investido em ações caiu para 9%. Desde que a série histórica existe, percentual semelhante só foi registrado entre 2015 e 2017. Por acaso, período em que a taxa de juros também subiu de forma acelerada e para patamar muito semelhante. Mas, há ao fim de 2017,  a relação entre a posição em debêntures e a posição em ações estava em 34%. As maiores gestoras multimercados do país estão com alocação em Brasil muito reduzida, especialmente em bolsa. 

Portanto, está respondida uma das perguntas mais repetidas durante o auge da pandemia, quando a taxa Selic foi reduzida a 2% ao ano: o que acontece com o mercado se a taxa de juros voltar para dois dígitos? O de ações encolhe brutalmente e o de dívida cresce. Em dezembro de 2020, 15% do patrimônio dos fundos estava investido em ações. O encolhimento reflete não só a saída das posições como também a perda de valor das empresas nesse período.

Apesar de ser muito importante para o país um mercado de títulos de dívida forte, a preferência de alocação não é exatamente uma boa notícia. "É reflexo de uma economia menos pujante, menos dinâmica. O juro alto dificulta a vida do empresário para investir. Fica difícil encontrar um projeto que remunere adequadamente para o nível de risco", destaca Pedro Rudge, da gestora Leblon Equities. "É por isso que a aplicação desse remédio [juro alto para conter inflação] não pode durar muito. Há um impacto muito grande na economia."

É recorde mesmo?

Apesar de a relação entre a aplicação em debêntures e ações ser a maior da história, o total investido em papéis de dívida de companhias alcançou o teto, em termos absolutos, em dezembro e janeiro: acima de R$ 387 bilhões

Para se ter uma ideia do tamanho da evolução, a alocação dos fundos em debêntures estava em R$ 210 bilhões em 2019. Houve uma expansão de quase 85% no total investido, um percentual muito superior ao crescimento do patrimônio total. Nesse período, o patrimônio da indústria teve alta de 23,5%. A exposição total aumentou  de 4% do total para algo entre 6% e 7%. Em termos gerais, é uma alocação tímida ainda em dívida, dado o potencial do mercado, mas o aumento é inegável.

De janeiro para fevereiro, o total aplicado em debêntures recuou R$ 10 bilhões, ou o equivalente a 2,5%. A explicação, não tem como, passa pela tragédia da varejista Americanas (AMER3), que anunciou ter um encontrado um rombo de R$ 20 bilhões nos passivos declarados, praticamente dobrando os passivos financeiros da empresa. Não apenas alguns gestores reduziram a posição em empresas mais arriscadas, como houve uma correção nos preços - já que, apesar de ter se desenvolvido, o mercado sencundário de dívida ainda tem muito para conquistar em liquidez.

Alerta geral

Os números todos, porém, contém um alerta geral relevante. É verdade que credores têm preferência sobre acionistas, mas quando as coisas vão mal todos sofrem. Para os investidores, o aviso é que mesmo em dívida existe risco e volatilidade. Para os gestores - ainda que a indústria comporte uma exposição muito maior em títulos privados - é um recado de que precisam estar preparados para o choque daqueles que pensam estar aplicando em "renda fixa". Um gestor que já viveu situações extremas resume bem a questão: "O investidor nunca está preparado, de verdade, para o nível de risco que ele contrata."

No mesmo compasso

Apenas como registro, faz sentido mencionar que o aumento do investimento em debêntures, CRIs e CRAs foi no mesmo ritmo da alta de aplicações em CDBs, LCIs e LCAs. O que é desproporcional é o volume. O aumento também foi de 32%: passou de R$ 806 bilhões, em dezembro de 2021, para R$ 1,2 bilhão no fim do ano passado. A conta aqui é com 13 casas antes da vírgula.

Dá para entender porque a demanda por esses papéis todos, como investimento direto, tem ajudado o mercado de fundos diminuir de tamanho. De acordo com os dados da Anbima, os fundos acumulam R$ 262 bilhões em resgates (já líquidos da captação) nos últimos 12 meses. Desse total, R$ 165 bilhões são de fundos de renda fixa. Em tempos de Selic alta só existem três destinos para os saques e bem simples: pagar dívida, consumo e procura por títulos isentos, já que os fundos são tributados. Nos títulos emitidos por instituições financeiras, a alocação em LCIs e LCAs cresceu 68% e 90%, respectivamente, em 2022.

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