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Brasil: humor com país será ditado mais por cenário externo do que pelas urnas

Investidor estrangeiro colocou R$ 90 bilhões na bolsa brasileira, enquanto doméstico tirou R$ 57 bilhões

Cristo Redentor: símbolo do Brasil, que pode ganhar destaque na cena internacional (Alex Livesey - FIFA/Getty Images)

Cristo Redentor: símbolo do Brasil, que pode ganhar destaque na cena internacional (Alex Livesey - FIFA/Getty Images)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 3 de outubro de 2022 às 11h02.

Última atualização em 4 de outubro de 2022 às 12h15.

Os compradores estão à espreita. É como se todos estivessem em suas posições esperando o “tiro” da largada para investir na bolsa brasileira. Os estrangeiros, que já estão mais animados com o país desde o começo de 2022, poderão soltar o freio e os locais, voltar a se animar. Dez entre dez gestores nacionais estão otimistas com o país. Não é, contudo, a eleição o motivo: é apesar dela. A principal razão é o contexto global. De qualquer forma, a definição das urnas a respeito de quem será o novo velho presidente — com a disputa para segundo turno entre os já conhecidos ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro — deve ajudar a reduzir as pressões.

A despeito do otimismo dos gestores locais que vem ganhando corpo, pouco ainda se traduz em fluxo de compra doméstico, uma vez que não dá para ignorar a direção do dinheiro. Os investidores alocaram R$ 120 bilhões em renda fixa neste ano, até o momento, e tiraram quase R$ 140 bilhões dos fundos de ações (R$ 57 bilhões em saques) e multimercados (saída de R$ 81 bilhões). Como costumam dizer os mais experientes: contra fluxo não há argumento. A taxa Selic em quase 14% ao ano é um chamariz quase irresistível.

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Mas, no contexto global, o cenário está tão tenso, em especial na Europa, que a eleição, por si só, já é motivo de destaque. O Brasil, fazem coro os locais e os gringos, é uma democracia, e na qual os contratos são respeitados. Soma-se a isso sinais positivos da economia, como a dianteira do país na curva de juros — que deve entrar em tendência de queda antes do restante do mundo, e a taxa de investimentos, que tem crescido apesar de o nível de empenho do capital estatal estar no patamar mais baixo dos últimos 40 anos. O Brasil, quem diria, teve ter uma inflação em 2022 inferior à americana e europeia. Até o fim da semana, o ingresso líquido de capital externo na B3 somava quase R$ 90 bilhões — mais do que o dobro de 2021 inteiro, e que já havia sido o melhor ano pelo menos desde 2015.

A vontade “compradora” tem também outra razão: a bolsa brasileira, dizem os especialistas, está uma pechincha. A relação entre preço e lucro projetada para 2023 está em torno de 6 vezes, ante 20 vezes na Índia, por exemplo, que se tornou uma nação emergente a competir com o Brasil por capital, diante das tensões na Rússia, no Leste Europeu e as preocupações com a economia na China.

Como já foi dito e redito, as empresas brasileiras estão financeiramente saudáveis neste ciclo de alta da Selic, com indicadores muito mais sólidos do que no fim do governo Dilma Rousseff, quando o país viveu uma forte onda de reestruturações de dívida e recuperações judiciais. Na semana passada, a Fitch Ratings, em um relatório com a fotografia do país para o período eleitoral, apontou que a liquidez de 38% dos emissores acompanhados pela agência foi considerada robusta, 18% acima da média, 24% na média e apenas 20%, abaixo da média. E, mesmo entre as empresas que estão no pior percentual, muitas já colocaram em marcha planos de melhoria da estrutura de capital.

Para completar o cenário, estão na B3 segmentos tradicionais do value investing, pouquíssimas são as empresas de “crescimento” e do setor de tecnologia no país.

As recentes ofertas públicas de ações realizadas, pela empresa de shoppings Iguatemi e pela locadora de caminhões Vamos, foram uma espécie de antessala do que está à espera do Brasil: investidores gigantescos internacionais e com foco em longo prazo chegaram perto para olhar. Ainda não compraram, mas quiseram ver. Só isso já ligou o radar dos bancos de investimento, uma vez que nenhuma das operações tinha volume para chamar esse tipo de casa, pois ambas foram inferiores a R$ 1 bilhão. Aliás, no caso de Baillie Gifford, as ofertas inteiras em questão eram inferiores aos dois únicos cheques que fez por aqui: o IPO de Raízen e uma fatia da B3, no secundário.

Daqui para frente, duas variáveis afetam o Brasil: o ritmo do acerto nos Estados Unidos, no equilíbrio entre taxa de juros e atividade econômica, e a questão dos bancos, comerciais e centrais na Europa. No caso da China, a questão a ser respondida é qual o tamanho do ajuste, mas é algo relativamente esperado.

Se não houver nada muito fora das expectativas, o futuro para Brasil pode ser realmente interessante, como destaque entre investidores internacionais e um esperado retorno das aplicações à renda variável, tão logo a taxa de juros entre em ritmo de queda.

Porém, essa está longe de ser a primeira vez em que o Brasil é o país do futuro. A dissociação do restante do mundo, em todas as vezes que esteve para ocorrer, foi abortada por eventos ou crises externas de magnitudes não esperadas.

Para o longuíssimo prazo, a história é outra: é o porém do atual momento. A estabilidade que o país tem a oferecer a despeito das eleições, é também o que desanima os investidores para um horizonte maior: O Brasil é isso, perde uma energia enorme andando sempre para frente e para trás, comentam os especialistas. Não tem muitas surpresas, o que é ótimo no atual momento global, mas uma desilusão a respeito da explosão do potencial interno.

 

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