Black Friday: na disputa da atenção do consumidor com a Copa do Mundo, varejo saiu perdendo nas primeiras horas (Leandro Fonseca/Exame)
Esperança de melhora dos números do varejo, a Black Friday de 2022 pode ter sido um banho de água fria, ao menos se considerados dados do comércio on-line. A data é considerada uma das mais importantes para o setor, e a expectativa era de que poderia gerar um volume de vendas maior que em 2021, dando fôlego ao resultado das empresas, especialmente as grandes varejistas como Magazine Luiza (MGLU3), Via (VIIA3) e Americanas (AMER3). Mas, pelas primeiras parciais, os campeões de venda foram os itens de menor tíquete-médio, como alimentos e bebidas. Na ponta dos itens de maior preço, o destaque positivo é apenas para TVs: em unidades, a venda do produto cresceu 51% em novembro e 31% em outubro. A venda de televisão em ano de Copa é um clássico que, aparentemente, continua atualíssimo.
Ontem, o pessimismo com o varejo e consumo estava escancarado nas cotações nas ações das varejistas que estavam entre os destaques de queda do Índice Bovespa. As ações da Via foram a terceira maior baixa, com recuo de 6,28%. Lojas Renner (-6,26%) e Natura &Co (-5,99%) também estavam na lista dos cinco piores desempenhos. Magazine Luiza (-5,00%) e Americanas (-2,04%) também fecharam o dia em terreno negativo.
Segundo levantamento da Confi.Neotrust, empresa de inteligência de dados com foco em varejo on-line, em parceria com a ClearSale, de quinta-feira, 24, até as 19h de ontem, sexta-feira, 25, as vendas caíram mais de 30% em comparação a 2021. "O desempenho ruim no dia do jogo do Brasil era esperado. Hoje [sexta-feira], não", disse a head de Inteligência da Confi Neotrust, Paulina Dias, em entrevista ao EXAME IN, no início da noite de ontem.
O valor total das transações medidas somava R$ 3,1 bilhão e os pedidos chegavam a mais de 4,7 milhões. Os números representam queda de 34,18% e 28,24%, respectivamente, em relação ao ano passado. Houve grande impacto na véspera, que coincidiu com a estreia da seleção brasileira na Copa do Catar. Na quinta-feira, enquanto Richarlison consagrava a vitória do Brasil por 2x0, as vendas sofriam uma goleada: caíram 36,56% em valor, para R$ 935,5 milhões, e quase 30% em número de pedidos, para 1,8 milhão, na comparação com 2021.
"O cenário econômico é nada favorável. Bolso do consumidor está muito difícil, pois há incerteza nas classes C e D. Quem tem dinheiro, o tema da vez é Copa do Mundo", diz a analista.
Na avaliação de Dias, a Black Friday de 2022 deve terminar no zero a zero ou até mesmo consolidar o revés e terminar em queda, mesmo com o mês tendo começado positivo. "Hoje está muito ruim para o e-commerce. O único efeito é que novembro deve ser melhor que os meses anteriores. Quem antecipou as ofertas pode ter se dado melhor", conta. Os dados do mês não tinham sido atualizados até o começo da noite de sexta-feira, mas até as primeiras horas da manhã, o número de pedidos era 4,4% menor que um ano antes e a receita também caía 1,6%.
Antecipar as ofertas e estender o calendário de promoções ao longo do mês — e até mesmo em outubro — foi a estratégia das grandes varejistas. A plataforma de marketplace Mercado Livre (MELI) começou em 19 de outubro ações promocionais com o selo de "esquenta". Houve um esforço para não deixar a Copa canibalizar Black Friday. "São duas datas que concentram muita intenção de compra. A Copa traz um desafio adicional, já que existe uma necessidade de se preparar para acompanhar os jogos. Estamos, então, trabalhando para aproveitar todo esse impulso de compras ao longo de outubro já, dado que vamos ter algumas pausas no período tradicional da data", contou a diretora de marketplace do Mercado Livre, Julia Rueff, na época do lançamento das promoções antecipadas. "A maneira que nos organizamos vai mitigar os efeitos das pausas pelos jogos e já sentimos algum efeito de aumento [das vendas] até aqui", disse à época do anúncio.
O Magazine Luiza também refez sua estratégia e não concentrou as ofertas na última semana. Em entrevista à Exame Invest, Eduardo Galanternick, vice-presidente de negócios da varejista não abriu qual a projeção de crescimento, mas disse esperar avanços em unidades vendidas e receita.
Graças à Black Friday, o mês de novembro costuma representar um faturamento médio de 1,5 vez o registrado em outros meses. Depois de um terceiro trimestre vacilante, a expectativa do setor e de analistas é que o mês seja melhor quando comparado aos meses imediatamente anteriores, mas deixe a desejar na comparação anual.
É preciso ressaltar que o efeito completo só será perceptível quando houver dados a respeito das vendas em lojas físicas. Mas, até agora, a temperatura do comércio digital derrubou os termômetros.
O legado da pandemia da covid-19 ainda parece pesar no desempenho. Agora, porém, é pela base de comparação mais difícil. Embora a Black Friday não tenha sido nenhuma maravilha, ela ainda era bastante mais digital do que agora, o que favoreceu mais o varejo on-line. "Ano passado ainda era pandemia e consumo era mais on-line. Em 2022, o varejo físico voltou mais fortemente. Então é natural que o consumidor compre mais no varejo físico", diz o head de e-commerce de NielsenIQ Ebit, Marcelo Osanai. Os números da NielsenIQ em parceria com a Bexs Pay mostram que as vendas cresceram 8% em faturamento na semana que antecede a Black Friday, mas as últimas 24h até as 14h de sexta-feira eram de queda de 16%.
Além da distribuição do consumo ao longo de novembro e da participação mais forte do varejo físico outro fator é apontado pelos especialistas para o desempenho mais fraco. O cenário macroeconômico é, definitivamente, um deles. "O que pode influenciar é o contexto político e econômico vivido. Também a inflação e os níveis de desemprego ainda altos podem impactar na confiança do consumidor", argumenta Osanai. Esse contexto somado aos juros básicos altos, reforça ele, impacta a oferta de crédito, as opções de parcelamento e mesmo o nível de descontos dos varejistas.
Com tudo isso em jogo, as ofertas de tíquete médio mais baixo ganham relevância. A categoria de alimentos e bebidas cresceu 24% entre os dias 18 e 23, impulsionado por bebidas não alcoólicas, bomboniere e cesta básica, segundo a NielsenIQ.
O setor de varejo e consumo têm sido marcado como um dos piores desempenhos na B3. Os balanços dos terceiro trimestre deixaram claro o quão desafiador está aumentar vendas, na comparação com 2021. Magazine Luiza conseguiu, líder do varejo, conseguiu sustentar a receita no comparativo anual. Mas, desde o segundo trimestre do ano passado, o valor total de vendas (GMV) da companhia — na soma entre lojas físicas, on-line próprio e market-place — está em torno de R$ 14 bilhões, e isso em um aumento inflacionário. Ou seja, em tese, o valor deveria subir fruto do aumento de preços dos produtos.
Na Lojas Americanas, o GMV do terceiro trimestre recuou 8,3%, para R$ 11,8 bilhões. Na Via, a mesma tendência: queda de 7,6%, para R$ 10,2 bilhões. De um lado, as empresas conseguiram melhorar as margens operacionais e o discurso geral aos investidores se concentrou no esforço de melhorar rentabilidade, numa troca de receita menor por rentabilidade maior.
Mas isso é reflexo de um aumento macroeconômico em que o brasileiro vê a renda pressionada pela inflação e as condições de compra pioradas pelas taxas de juros elevadas, com menos parcelas à disposição. Para completar o restante do balanço, as companhias sofrem com esse cenário de duas outras maneiras: as despesas financeiras aumentam, com custo mais alto sobre a dívida e sobre o desconto de recebíveis, e ainda a inadimplência nas vendas parceladas sobe.
Logo após o resultado das eleições, que deu vitória a Luiz Inácio Lula da Silva, houve uma rápida euforia em torno do setor. A leitura era que, no meio de tantas incertezas sobre o novo governo, havia um terreno seguro: o consumo. O discurso todo de Lula, enquanto candidato, era de melhorar as condições da população. A interpretação imediata é que isso traria um movimento maior no consumo.
No entanto, o passar das semanas, com a discussão a respeito do futuro das contas públicas, o cenário macroeconômico traz uma previsão de piora. As taxas futuras de juros, no mercado, alcançaram o maior percentual desde 2016. Na prática, significa que o mercado está começando a colocar na conta que a Selic não cai, como era o esperado que começaria a ocorrer em 2023, ou até mesmo sobe.
Desde o dia 4 de novembro (o otimismo com o setor durou 3 dias na bolsa), as ações da Magazine Luiza recuaram quase 30%, os papéis da Americanas caíram mais de 38% e as cotações de Via tiveram baixa também próxima de 30%. Esse é o retrato. Somou-se à decepção com os balanços, a falta de esperança de melhora — ou até mesmo uma expectativa de piora.
A manutenção do juro em um patamar elevado, como o presente vem demonstrando, é um prognóstico para lá de pessimista para o varejo. Não está claro ainda qual será o resultado de tudo isso. Por enquanto, está no campo das previsões do mercado. Mas as notícias se espalham pela população, que vê o dólar em alta, os economistas uníssonos falando de piora no cenário e temem a continuidade da inflação. Resultado: com a renda de hoje pressionada, as pessoas também seguem cautelosas para compromissos futuros e novas parcelas no cartão ou no crediário e o consumo se retrai.
O que era otimismo com o quarto trimestre, rapidamente, virou pessimismo.
A Black Friday é um evento comercial, conhecido pelos descontos em produtos de diversas categorias, tanto em estabelecimentos físicos quanto em lojas online. A data da Black Friday surgiu nos Estados Unidos e sempre acontece na última sexta-feira do mês de novembro, uma semana após o feriado de Ação de Graças.
A primeira Black Friday no Brasil foi realizada em 2010. Cerca de 50 lojas do varejo nacional adotaram a data já utilizada nos Estados Unidos e conhecida pelo grande número de vendas de produtos com descontos. A cada ano, o evento se espalha pelo varejo e vem sendo adotado também pelos pequenos comerciantes. Não é raro caminhar na rua e encontrar promoções em padarias, açougues, petshops de bairro e toda sorte de comércio.