BEE4: a primeira exchange de tokens de ações de empresas do país (blackdovfx/Getty Images)
Graziella Valenti
Publicado em 3 de maio de 2022 às 09h00.
Última atualização em 3 de maio de 2022 às 19h33.
O investidor brasileiro, institucional e de varejo, vai ganhar um novo mercado de negociação para aplicar em empresas, a BEE4. Quem pensou que esse nome pode ter relação com a bolsa brasileira, a B3, não se enganou. Sim, trata-se de uma plataforma de negociação muito semelhante a uma bolsa e que chega para complementar as vias de acesso do empresário brasileiro ao capital, além de oferecer diversidade em ativos de renda variável. Oficialmente, o termo “bolsa” não pode ser adotado, por se tratar de um mercado de balcão organizado — uma espécie de antessala do que é um pregão. Mas, em inglês, não haveria distinção: é uma exchange, um ambiente digital no qual se compra e vende frações de empresas.
Mas, na BEE4, no lugar das líderes setoriais que estão na B3, os interessados vão encontrar o que é conhecido como “companhias emergentes”. São as empresas que estão em um estágio anterior ao de uma oferta pública de ações (IPO) na B3, mas com planos de crescimento. “Somos um mercado de acesso. Nós nos vemos como um celeiro para a B3, não uma concorrência”, afirma Patrícia Stille, CEO da BEE4, em entrevista exclusiva ao EXAME IN.
A operação está prevista para começar a partir de 7 de junho. A data foi definida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), uma vez que BEE4 nasce dentro do sandbox regulatório, uma espécie de laboratório de teste para inovações de mercado que serão acompanhadas pela autarquia.
Em junho, haverá a estreia de mais uma outra plataforma para os investidores conseguirem variar suas aplicações em empresas. Também produto do sandbox regulatório, a SMU, que estrutura e organiza captações via crowdfunding, vai dar a largada na sua ferramenta para negociação secundária. Ou seja, os investidores das empresas poderão negociar as ações das companhias dentro do novo ambiente da casa.
Aqui, vale uma ressalva relevante: SMU e BEE4 não concorrem. Pode até parecer. Mas, na verdade, complementares entre elas — e em relação à B3. A SMU tem foco no chamado "early stage", companhias saídas do forno e com receita dentro do limite estabelecido pela regulação de crowdfunding (R$ 40 milhões anuais). Já na BEE4, estarão as empresas de pequeno e médio porte, mas com receita recorrente. O foco principal estará nos negócios com faturamento a partir dos R$ 50 milhões, embora a permissão seja válida para empresas a partir de R$ 10 milhões de receita.
Por anos, o mercado discutiu a situação de "monopólio" da B3, no aguardo do desenvolvimento de uma bolsa concorrente (algo que não esta´descartado). O que se tinha em mente era uma competição direta, um pregão que disputaria onde seriam feitos os IPOs e onde Vale e Petrobras estariam listadas, por exemplo. Mas o tempo e a inovação estão mostrando que os caminhos para expansão do mercado podem ser diferentes. As "novas bolsas" podem vir para complementar a B3 e, eventualmente, ajudar em seu crescimento — e não para brigar pelo mesmo espaço.
A BEE4 chega com inovação tecnológica embarcada: serão negociados tokens de ações de companhias. As iniciativas de tokenização não param de crescer. Só como um termômetro, vale mencionar que a gestora Valor Capital, em seu novo fundo (estimado em US$ 500 milhões), vai ter permissão para investir até 20% em ativos digitais — justamente porque algumas empresas estão pulverizando seu capital na forma de tokens e não mais em ações. O uso do blockchain nesse caso ajuda a plataforma a ser mais leve, na parte de desenvolvimento tecnológico e, portanto, mais ágil.
Poderão ser negociadas 10 companhias na BEE4, no período inicial de 12 meses. As companhias precisam ter uma receita anual de até R$ 300 milhões e as ofertas poderão movimentar até R$ 100 milhões. O período de ‘experiência’ pode ser estendido por mais 12 meses e nessa segunda etapa, se tudo sair bem na primeira, alguns limites conseguiriam ser revisados.
Na SMU, também serão 'listadas' 10 empresas. Dessas, seis serão ofertas realizadas pela própria SMU e outras quatro, de outros participantes do mercado. Ao fim do todo período dentro do sandbox, a expectativa é que a BEE4 e também SMU tenham um registro definitivo para suas atividades e que a CVM consiga ter uma regulação pronta para esses novos ambientes.
O empreendedor brasileiro, antes do crescimento da indústria dos fundos de venture-capital, vivia de capital próprio e dívida. Surgiu agora essa nova frente, mas muito dedicada à inovação tecnológica. Já a bolsa mesmo era (e ainda é) um sonho distante, um espaço muito restrito no Brasil, para um grupo excessivamente pequeno de companhias. Por mais que tenha se esforçado — e não foi pouco — , a B3 não conseguiu criar um mercado de acesso efetivo.
A BEE4 quer justamente preencher esse 'gap' e oferecer uma alternativa aos empresários. O espaço está aberto não apenas às companhias de tecnologia, como também aos mais diferentes tipos de atividade econômica. A listagem também pode ocorrer na forma secundária, ou seja, para dar uma saída para algum fundo de venture capital, por exemplo.
Ambas as plataformas, BEE4 e SMU, têm experiência e estão inseridas em um ecossistema maior. A SMU é pioneira no mercado de crowdfunding, e iniciou sua atividade há oito anos antes mesmo da regulação para esse segmento ser criada pela CVM. Já a BEE4 nasceu dentro um coletivo de negócios, todos pensados para o empresário brasileiro de pequeno e médio porte. A exchange está no mesmo grupo da Solum Capital, fundada pela dupla de ex-XPs Rodrigo Fiszman e Patricia Stille e já com um volume entre R$ 70 e 80 milhões sob gestão, e da Beegin, uma plataforma que conecta companhias e investidores, inclusive via crowdfunding. É justamente a Beegin que será responsável pela oferta que resultará nas listagens na plataforma.
De forma simples, SMU e Beegin já atuavam na captação via crowdfunding, mas não havia mercado secundário. Ambas, portanto, vão evoluir suas estruturas e permitir a negociação secundária. No caso da Beegin, o ambiente de negociação será a BEE4.
Os empresários que aderirem à qualquer uma das plataformas não precisarão do registro de companhia aberta na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e, por conta disso, não terão de cumprir com diversas obrigações de estrutura que encareceriam o acesso ao pequeno e médio negócio.
"Estamos montando esse negócio para a vida, com visão de longuíssimo prazo e de construção do mercado. O sandbox é um fastrack para nós estruturarmos de forma mais rápida e inovadora", enfatiza Patricia. Ela conta que, no início da Solum e da Beegin, os fundadores já viam o mercado secundário como uma oportunidade, mas que não tinham planejado nada de imediato. O teste de inovação promovido pela CVM, no fim das contas, acelerou os planos.
A plataforma comandada por Patricia tem como parceiras a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP) e a Finchain, de Marcelo Miranda, como provedora da tecnologia. O time que está junto com Patricia deixa claro que ninguém vê o sandbox como uma brincadeira ou algo temporário. Depois de meses de conversas e trocas de ideia, Amarilis Sardenberg, ex-COO da então Bovespa, se juntou à sociedade e levou outro ex-executivo da bolsa, até pouco tempo consultor da B3, Agenor Silva Júnior.
A SMU, com mais de 40 ofertas de crowdfunding realizadas, e a BEE4 com todo seu ecossistema chegaram para mostrar que o sandbox é um espaço de criatividade controlado de perto pela xerife de mercado, mas que ninguém ali está para brincadeira.
Embora as 'listagens' só possam ocorrer em junho. Ambas as plataformas já têm um pipeline interessante de candidatas, dos mais variados segmentos, Na BEE4, a estreia deve ocorrer com uma healtech.
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