Guerra das maquininhas: competição no mercado de meios de pagamento roe as líderes de pouco em pouco (Leandro Fonseca/Exame)
Graziella Valenti
Publicado em 20 de maio de 2021 às 17h47.
Última atualização em 21 de maio de 2021 às 12h30.
O mercado de adquirência está em ebulição no Brasil e a agenda do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, confirma. Na segunda-feira, ele se reuniu por videoconferência com representantes da Stone e, em outra audiência, com o alto comando do WhatsApp e Facebook. O encontro tratou de “assuntos institucionais”.
Na liderança desse mercado estão Cielo, sociedade entre Banco do Brasil e Bradesco; Rede, Itaú Unibanco; GetNet, Santander; Stone e PagSeguro, empresas que carimbam a revolução em curso nos meios de pagamento do Brasil alavancados pelo uso massivo da tecnologia durante a pandemia do novo coronavírus.
Até 2010, o setor funcionava em duopólio: Cielo com VisaNet e Rede com RedeCard. Entre 2011 e 2014, o duopólio ainda existia, mas a competição começou a aumentar. Entre 2015 e 2020, imperou intensa concorrência com centenas de empresas passando a atuar como adquirentes ou subadquirentes — fazendo o meio de campo entre as empresas que utilizam maquinhas e as bandeiras dos cartões de crédito e débito.
Para se ter uma ideia do quanto a disputa é boa neste mercado e a relevância das operações sobretudo para a margem de ganho de bancos tradicionais em meio a um cenário de juros historicamente baixos, em 2020 os pagamentos feitos com cartões de crédito, débito e pré-pagos atingiram R$ 2 trilhões, informa a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) — cifra equivalente a 27% do PIB do Brasil.
Um passo à frente do simples uso de cartões, mirando, portanto, as plataformas, o WhatsApp foi autorizado pelo BC a operar como meio de pagamento há dois meses na modalidade P2P (person to person, pessoa para pessoa). A expectativa agora é com a opção P2B (person to business, para compras em lojas). Com o WhatsApp no Brasil estão Visa e MasterCard e Cielo. Quando as parcerias foram anunciadas, no ano passado, a Cielo chegou a ser barrada pelo BC e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) por riscos ao Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) quanto à concorrência.
Contudo, em fato relevante enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) há duas semanas, 4 de maio, a Cielo informa aos seus acionistas e ao mercado em geral que as transações de transferências por meio do WhatsApp, serão disponibilizadas aos usuários do aplicativo.
“A solução é resultado do trabalho conjunto entre Cielo, prestadora de serviços, Visa do Brasil Empreendimentos Ltda e Mastercard Brasil Soluções de Pagamento (Mastercard), instituidores de arranjos de pagamento, e do Facebook Pagamentos do Brasil Ltda, instituição de pagamentos autorizada a atuar como iniciador de transações de pagamentos pelo Banco Central do Brasil”, diz o fato relevante.
A Cielo, criada na década de 1990, tornou-se robusta com prestação de serviços a grandes empresas e, há dois anos, encara a transição para o varejo. Inclusive, por essa ampliação de foco, a parceria com o WhatsApp, sobretudo no P2B é de particular relevância para a Cielo que troca de presidente, com a repentina renúncia de Paulo Caffarelli sendo substituído pelo vice-presidente executivo de finanças Gustavo Henrique Santos de Sousa.
Embora os sócios BB e Bradesco vivam negando, não é segredo para ninguém que a gestão da companhia é um desafio com o atual desenho. Já se pensou quase de tudo ali, mas nada andou. A empresa, no fim das contas, é core business para ambos, mas não é de nenhum deles. Com isso, fazer avanços na estratégia exige esforços colossal.
No ano passado, o WhatsApp anunciou a intenção de cobrar taxa de 3,99% para comerciantes, sendo que uma parte da receita poderia ficar com os adquirentes. Com taxa Selic a 2%, onde chegou em agosto de 2020 e ficou até março deste ano, essa taxa soou um exagero.
A etapa P2B do WhatsApp ainda está em análise no BC e se dá ao mesmo tempo em que o Pix – plataforma de pagamentos instantâneos do BC decola — e a GetNet se prepara para ganhar fôlego internacional com abertura do seu capital. A GetNet confirmou ao EXAME IN o início do processo de abertura de capital que deve ocorrer ainda este ano.
O Santander Brasil aprovou a cisão da GetNet em fevereiro. E, através de uma relação de troca de 0,25, os acionistas do Santander Brasil deverão deter ações da GetNet, a ser listada na B3 e na Nasdaq em ADRs.
Com essa operação, a GetNet se tornará mais robusta e atiçará a concorrência. A empresa busca maior flexibilidade para acelerar sua expansão internacional e fortalecer sua posição dentro da estratégia global da PagoNxt — plataforma de pagamentos do Grupo Santander. E de olho, claro, no e-commerce expandido, também globalmente, pelo isolamento imposto em mais de um ano de pandemia.
Enquanto os concorrentes avançam, as líderes são verdadeiros queijos-suíços, com as taxas pressionadas. A receita líquida da Cielo teve queda de 6,6% na comparação anual, para R$ 1,16 bilhão nos três primeiros meses deste ano. O que mais chama atenção, porém, é que na comparação anual o yield da receita, em decorrência do cenário competitivo, ficou em 0,73%, ante 0,78% um ano antes. Apesar de a empresa ter melhorado as linhas de custos e despesas, o que tornou possível aumento do Ebitda e do lucro líquido, a pressão no balanço começa na primeira linha, na receita.
A Stone, por exemplo, teve o melhor trimestre em adições líquidas de outubro a dezembro de 2020 - último dado disponível. Foram somados à base 69.700 clientes, o que fez o total no ano alcançar quase 172 mil. A receita total teve alta da ordem de 30%, para R$ 3,3 bilhões em todo ano de 2020, mesmo com os efeitos da covid. A Stone colocou em marcha um processo de verticalização e o maior movimento nessa direção foi a aquisição da Linx, um passo de quase R$ 6,5 bilhões. O negócio, contudo, ainda não foi incorporado, no aguardo de aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Considerando o balanço da Stone e da Cielo, é como dizer que a rival fundada por André Street estivesse a apenas um trimestre de distância de alcançar a líder do setor no Brasil. A PagSeguro cresceu no mesmo ritmo que a Stone, um avanço de 33% na receita líquida, para R$ 2,1 bilhões.