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A "small cap" que, sem IPO, virou pioneira de educação básica na B3

Com 10 mil alunos, companhia estreia sem IPO como única do setor no segmento de ensino fundamental e médio, em meio aos desafios da pandemia

Gabriel Ribeiro, novo presidente da Bahema Educação: expectativa de que pandemia deixe legado de valorização da escola e dos professores (Divulgação/Divulgação)

Gabriel Ribeiro, novo presidente da Bahema Educação: expectativa de que pandemia deixe legado de valorização da escola e dos professores (Divulgação/Divulgação)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 1 de junho de 2020 às 09h40.

Última atualização em 12 de junho de 2020 às 15h40.

Em meio a um dos maiores desafios já enfrentados pelo setor de educação, a pandemia do novo coronavírus, a B3 ganhou mais uma companhia desse segmento. A primeira dedicada exclusivamente ao ensino fundamental e médio: a Bahema. Discretamente, a empresa comunicou sua mudança de nome, de Bahema Investimentos para Bahema Educação.

E não é perfumaria. É parte do esforço para ser percebida como um negócio do setor e não uma holding de investimentos que aplica recursos em escolas.

Este será o primeiro ano que a companhia, uma “small cap” avaliada em 155 milhões na B3 e listada no Bovespa Mais, refletirá em seus números  a consolidação dos investimentos iniciados a partir de 2017 — quando os primos Guilherme Affonso Ferreira Filho e Frederico Marques Affonso Ferreira Filho escolheram o segmento de ensino fundamental para dar um novo foco à holding familiar, com mais de 60 anos de história. Naquele ano, depois de comprar o controle de um dos mais conhecidos colégios construtivistas de São Paulo, Escola da Vila, a dupla iniciou a aquisição de diversas fatias minoritárias de outras bandeiras, com opção de controle em três anos.

Agora, o futuro chegou e é como se 2020 marcasse a estreia do negócio semeado naquele momento. As escolas Bahema iniciaram este ano com 9,8 mil alunos. Até dezembro, o grupo consolidava apenas 1,9 mil deles no balanço. No resultado do primeiro trimestre, esse número subiu para 6,8 mil e chegará a 8,4 mil a partir do segundo trimestre — o restante continua nas opções de compra de controle que ficaram para ser exercidas no futuro.

Os números refletem a lista de novidades de 2019 e do começo deste ano, quando a empresa assumiu o controle de seis escolas, entre o exercício de opções negociadas no passado e novas aquisições — sem contar investimentos não majoritários.

Somando tudo, em 15 meses, foram investidos o equivalente a quase 250 milhões de reais, entre aquisições e assunção de dívidas. Na largada do projeto da nova Bahema, em 2017, as compras somaram em torno de 50 milhões de reais — a maioria no controle da Escola da Vila.

“Estamos nos consolidando como uma empresa de educação, passando a participar de forma mais ativa da operação das escolas que fazem parte de nosso ecossistema” afirma ao EXAME IN Gabriel Ribeiro, que acaba de assumir como presidente da companhia, após 14 anos na Ânima Educação. A chegada do executivo é parte do reforço dessa especialização.

Ribeiro tem para gerir não apenas um projeto para mais de 30 anos, como costuma frisar Guiga, apelido pelo qual Ferreira Filho é conhecido, mas uma coleção de desafios de curto prazo trazidos pela Covid-19, como a perspectiva do aumento de inadimplência e evasão, além de possíveis novas oportunidades de consolidação.  Uma combinação e tanto para uma estreia.

A expectativa do executivo é que, dado o foco no segmento que o mercado financeiro chama de K-12, o setor sairá fortalecido. “Entendo que tanto a escola, como instituição, quanto o professor sairão muito mais valorizados pela sociedade como um todo. Isso sem dúvida alguma será um legado muito positivo”, disse ele, em entrevista por e-mail.

No maior exercício do típico humor do brasileiro, são recorrentes os memes de pais saudosos das escolas. Piadas à parte, a evidência do desafio da educação, fruto da intensidade da convivência entre pais e filhos durante o isolamento, não deixa de ser um ativo estratégico, uma vantagem em relação ao segmento de ensino superior. A questão será saber o quanto compensará uma esperada contração de renda das famílias.

Em 2019, o balanço pro-forma apontava para uma receita líquida de R$ 252 milhões reais, com Ebitda de 12 milhões de reais, na soma de todos os negócios investidos. Para se ter uma ideia do que a consolidação significará para o balanço da companhia, as demonstrações financeiras oficiais do ano  registram receita líquida de 53 milhões de reais, com Ebitda negativo de 2,3 milhões de reais.

No ano passado, a companhia adquiriu o controle da carioca Forum Capital, da paulista Brazilian International School (BIS), do Colégio Apoio, de Recife, além de uma fatia de 15% na escola Centro Viva, também do Rio de Janeiro. Também exerceu a opção de assumir a maioria do capital da Escola Parque, investiu em debêntures conversíveis do projeto greenfield Escola Mais, de ensino para classe de menor renda em São Paulo, e formou uma joint-venture com a escola MeiMei para um projeto de educação montessoriana, no Rio de Janeiro.

Neste ano, a Bahema consolidou o controle da paulista Escola Viva em abril, antecipando o exercício de uma opção devido ao cenário financeiro desafiador gerado pela pandemia para o colégio, e da mineira Balão Vermelho.

Com exceção da Escola Mais, um projeto que se apoia no conhecimento pedagógico das escolas do grupo, todos os investimentos são em colégios de alto padrão. A anuidade média das controladas supera 38 mil reais. Que o valor da educação está na qualidade do ensino é um mantra repetido pelos sócios fundadores em todas as apresentações a investidores.

Em 2017, a receita anual somada das companhias investidas, a maioria ainda não controladas, equivalia a 160 milhões de reais e o total de alunos estava pouco abaixo de 6 mil.

Apesar de a versão moderna da Bahema ser fruto do projeto de Guiga e Frederico, o maior acionista hoje é a Mint Capital, comanda por Cássio Beldi, com cerca de 60% do negócio. A posição foi alcançada após algumas capitalizações. O último aumento de capital da Bahema ocorreu em outubro do ano passado, no valor de 73,5 milhões de reais. A Mint tornou-se sócia da empreitada em 2018, já com foco nesse projeto em educação, e Beldi é o presidente do conselho de administração da companhia.

Desde que adotou o novo foco, a Bahema já captou quase 105 milhões com emissão de ações. Mas o negócio não precisou passar por uma oferta pública inicial, o famoso IPO, uma vez que foi montando sobre a antiga holding da família Affonso Ferreira. O registro de companhia aberta da empresa data de 1974 e é anterior à própria Lei das Sociedades por Ações, aprovada apenas dois anos depois.

Matemática

Ribeiro diz que não estão descartadas novas aquisições, porém serão alinhadas ao contexto atual e ao posicionamento estratégico. “Em todas as indústrias e setores da economia, crises historicamente são catalisadores importantes para processos de consolidação.  Acreditamos, infelizmente, que muitas escolas podem não ter fôlego para sobreviver de forma independente ao momento atual, criando, assim, oportunidades de fusões e aquisições”.

Mesmo atenta a oportunidades, a Bahema admite que o restante de 2020 não deve ser tão movimentado como foram os últimos 12 meses. O esforço estará concentrado na unificação da gestão — sempre preservando o projeto pedagógico independente  — com integração da administração de centros de custos, marketing, compras e contratos, entre outros, além da própria gestão financeira, um dos maiores desafios das escolas de ensino fundamental e médio.

Para o futuro próximo, segundo Ribeiro, são consideradas novas rodadas de capitalização. Mas o executivo não informa nem prazo, nem valores. “Nossos planos de crescimento passam por buscar uma estrutura de capital diversificada. Mas vamos sempre priorizar recursos que enxerguem a Bahema como um projeto de educação de longo prazo, e não como uma simples oportunidade de retorno. Vejo cada vez mais investidores com esta visão balanceada, que entendem as especificidades do setor e as vantagens ao investir num projeto como o da companhia”, afirma ele, ao tratar também da expansão orgânica do negócio.

Considerando as 512 turmas de ensino abertas no início do ano, sem aumento de estrutura, a Bahema tinha uma taxa de vacância de pouco menos de 26%, o que equivale a uma oportunidade de receita adicional da ordem de 100 milhões de reais.

Esse era o mundo antes da pandemia, em que a expansão estava no radar, e não a contração. Muito menos o risco de encolher em um cenário de ampliação das despesas com os esforços de gestão de coletivos no retorno do isolamento — o novo cenário de todo o setor.

Na tentativa de controlar inadimplência e evasão, a Bahema criou um sistema que oferece um desconto temporário nas mensalidades, que em alguns casos chega a 50%, com o saldo devedor podendo ser parcelado em 16 mensalidades, até dezembro de 2021. Em situações mais graves, houve a suspensão dos pagamentos, que também serão parcelados com a retomada da economia. Ribeiro diz que no início houve um pouco de “estranhamento” pelas famílias, mas que a adesão tem sido “crescente”. A companhia, com isso, está adiando receita deste ano para o próximo, no esforço de buscar maior estabilidade para a carteira de alunos.

O executivo afirma, mas sem dar números, que nas escolas do grupo está conseguindo manter as métricas de atrasos de pagamento e cancelamentos controladas. “Acho que boa parte disso se deve a uma capacidade de reação e adaptação de nosso modelo presencial ao ensino virtual”, resume. Mas, para se ter uma ideia dos desafios, comunicado aos pais da Escola Viva apontava que a taxa de inadimplência nos meses de abril e maio superava 20%.

A pandemia chegou em um momento no qual a companhia vinha colhendo os primeiros frutos de participar, mesmo como minoritária, da gestão das escolas investidas. A marca de 9,8 mil alunos na largada de 2020 significa a primeira expansão desde 2017 — nada menos que 9,2% sobre o ano anterior. O resultado inclui não apenas um aumento da captação de mais alunos como uma redução do percentual de evasão, para 12,1% — o menor dos últimos cinco anos.

Como resultado dos investimentos recentes, a Bahema expandiu a atuação para além do guarda-chuva pedagógico construtivista, com investimento na escola Forum Cultural, de Niterói, de modelo bastante tradicional, e na bilíngue BIS.

Ao fim de março, a empresa registrava 40 milhões de reais em caixa para 25 milhões de reais em compromissos com empréstimos e financiamentos. O balanço, contudo, aponta 143 milhões de reais em contas a pagar referentes às aquisições da consolidação da Escola Parque e do Colégio Apoio. Esses totais não incluem as dívidas 50 milhões da Escola Viva (em sua maior parte fiscal e tributária, com parcelamentos de longuíssimo prazo) e os compromissos de 14 milhões de reais ligados ao exercício da opção do controle da Balão Vermelho.

História

A Bahema foi fundada em 1963, em Salvador, pelo avô de Guiga, Afrânio Affonso Ferreira, para atuar no setor de implentos agrícolas. Com o excesso de caixa gerado pela operação, a companhia passou a investir em na compra de participações em ações e fez apostas rentáveis, como a empresa de fertilizantes Manah e a companhia de autopeças Mahle Metal-Leve. Contudo, a grande tacada foi a compra de uma participação na holding dona do Unibanco. Após a aquisição do banco pelo Itaú, a Bahema decidiu distribuir a participação na instituição combinada diretamente aos acionistas da família Affonso Ferreira. A partir de então, veio a busca por um novo foco, até que os primos se decidiram pelo setor de educação, há pouco mais de três anos, reinventando completamente o negócio.

 

 

 

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