(Arte/Exame)
Editora do EXAME IN
Publicado em 19 de março de 2025 às 06h58.
Última atualização em 19 de março de 2025 às 09h33.
Após nove anos na diretoria financeira da Suzano, de papel e celulose, Marcelo Bacci assumiu como CFO da Vale com uma agenda intensa.
No fim de fevereiro, aproveitou uma janela bastante favorável para emissões externas e conseguiu alongar a dívida da companhia com um custo competitivo ao reabrir uma emissão de US$ 750 milhões em bonds de 30 anos no mercado internacional.
A demanda foi de quase quatro vezes o book e juros de 6,4% ao ano – ou um spread de 1,73% sobre os Treasuries, a menor taxa já praticada pela mineradora para um papel com esse vencimento. O capital permitiu recomprar dívidas mais curtas e caras, com cupons entre 6,8% e 8,2%.
“Só não aumentamos o tamanho do bons porque não tínhamos o que fazer com o dinheiro”, afirma o executivo, em alusão aos US$ 5 bilhões que a companhia tem em caixa. “Pelo mercado, daria para ter feito muito mais.”
Há pouco mais de três meses no cargo, Bacci já tinha ajudado a conduzir um pente fino em obras, reduzindo o capex previsto para este ano de US$ 6,5 bilhões para US$ 5,9 bilhões – mantendo o mesmo escopo do projeto, usando menos recursos.
Parte de uma nova diretoria e de um novo capítulo da Vale, que deixou para trás ruídos na governança e as incertezas sobre os gastos com acidentes de Brumadinho e Mariana, o executivo vem tentando trazer mais clareza sobre o novo momento da companhia par ao mercado.
No mês passado, junto com o balanço do quarto trimestre, a Vale anunciou uma mudança relevante na política de remuneração aos acionistas, com a distribuição de dividendos extraordinários de US$ 500 milhões junto com o balanço do quarto trimestre. E abriu um programa de recompra de até 3% das ações em circulação.
O CFO já havia deixado claro que a intensidade dessa política de remuneração vai depender da trajetória da chamada dívida líquida expandida, que inclui além dos compromissos financeiros aqueles com reparação dos acidentes de Brumadinho e Mariana, além de descaracterização de barragens.
O objetivo da companhia para destravar mais payout é levar esse indicador dos atuais US$ 16,5 bilhões para US$ 15 bilhões – ainda que a meta oficial vá de US$ 10 bilhões para US$ 20 bilhões para acomodar eventuais choques do preço do minério de ferro e gastos com M&A.
“Nesse momento, estamos confiantes de que vamos ficar no entorno dos US$ 15 bilhões. Tem uma parte da história que não controlamos, que é o preço do minério, mas ele continua em patamar interessante”, aponta.
Com várias notícias sobre um eventual interesse – e até mesmo certa pressão do governo federal – pela Bamin, mineradora de ferro na região da Bahia que tem vários compromissos logísticos na região, Bacci ressalta que a via orgânica de crescimento hoje parece muito mais atrativa do que a de aquisições.
“Em relação à Bamin, estamos num momento de análise preliminar, mas não estamos nem perto de ter uma decisão a respeito disso”, disse. “Dito isso, com o mercado do jeito que está hoje, não vejo grandes movimentos de M&A como prováveis.”
A seguir, os principais trechos da conversa de Bacci – a sua primeira exclusiva no cargo – ao Exame INSIGHT.
A Vale emitiu R$ 6 bilhões em dívidas com um spread negativo em relação ao títulos do Tesouro aqui no Brasil no fim do ano. E agora conseguiu captar mais US$ 750 milhões no mercado internacional, com prazo longo e custo bastante competitivo. Como está a dívida da companhia neste momento?
Da dívida líquida expandida total de US$ 16,5 bilhões, que inclui os compromissos de Brumadinho e Mariana, US$ 10 bilhoes são dívidas financeiras líquidas: US$ 15 bilhões de dívida bruta, mais US$ 5 bilhões em caixa. Nossa meta é de US$ 10 bi a US$ 20 bi. Está muito dentro daquilo que gostaria de ter na estrutura de capital.
Vimos a oportunidade de fazer a gestão dessa dívida e pegar uma dívida mais longa para pagar vencimentos mais curtos. Uma demanda muito grande pelos bons permitiu que comprimíssemos o custo. Só não aumentamos o tamanho do bond porque a gente não tem o que fazer com o dinheiro. Daria para ter feito muito mais.
Uma coisa interessante é que não fizemos road show, nem nada, abrimos e fechamos a emissão no mesmo dia. Isso mostra que a companhia é muito bem vista no mercado de capitais e dívida e como as pessoas estão confortáveis com a estrutura de balanço. Isso nos dá muita flexibilidade para operar nesse mercado.
Hoje, o portfólio é muito diversificado e isso nos dá flexibilidade para ir otimizando essa dívida ao longo do tempo. Dos US$ 15 bilhões de dívida total, mais ou menos metade são bons, 30% são empréstimos bancários e em torno de US$ 1 bilhão vem das debêntures que fizemos no mercado doméstico há pouco tempo. O resto vem de bancos de fomento e organismos multilaterais.
As condições para emissão no mercado doméstico pioraram um pouco em relação ao momento bastante propício para as empresas, de spreads comprimidos, que vocês aproveitaram no ano passado. Há alguma chance de uma nova emissão doméstica?
Somos uma companhia dolarizada. Quando tem emissão em reais, como foi o caso de fim do ano passado, fazemos faz swap para dólar. Neste momento, não está interessante fazer esse swap, mas essas coisas vão e vem. Hoje é mais barato captar direto no exterior. Temos que monitorar isso o tempo todo.
Depois da divulgação dos resultados do quarto trimestre, você divulgaram o pagamento de dividendos além do mínimo e um programa de recompra cuja execução está atrelada ao objetivo de chegar a US$ 15 bilhões de dívida líquida expandida – um movimento que agradou muito o mercado. O quão confiante você está de chegar a essa meta no momento?
Nesse momento, estamos confiantes de que vamos estar no entorno desses US$ 15 bilhões. Tem uma grande parte da história que não controlamos, que é o preço do minério. Ele começou o ano num patamar acima do que tínhamos previsto, deu uma corrigida, mas continua em nível interessante. Eu acho que estamos no bom caminho. A Vale está entregando o que promete e operacionalmente muito estável.
O quanto movimentos de M&A podem mexer com essa trajetória da dívida? Tem havido muitas notícias sobre o eventual interesse da Vale pelos ativos da Bamin. Há apetite por movimentos nesse sentido.
Sempre olhamos M&A, as oportunidades estão no mercado, mas não vejo nada mais iminente que pode acontecer. Estamos com US$ 16,5 bilhões de dívida líquida expandida e nosso range é de US$ 10 bilhões a US$ 20 bilhões, exatamente para acomodar oportunidades que possamos querer aproveitar.
Em relação à Bamin, estamos num momento de análise preliminar, avaliando, mas nem perto de ter uma decisão a respeito disso. Dito isso, com o mercado do jeito que está hoje, não vejo grandes movimentos de M&A como prováveis.
Acabamos de lançar o projeto de Novo Carajás [de ampliação de produção de cobre e minério de ferro no Pará]. Vemos muita oportunidade de crescimento em cobre e temos reservas muito importantes para serem desenvolvidas. E as empresas de cobre estão sendo negociadas a múltiplos muito altos. Geramos um retorno muito melhor desenvolvendo nossos próprios projetos numa região em que já temos infraestrutura, conhecimento, do que eventualmente comprar uma empresa que faz isso.
Depois de anos bastante confusos, a tese de investimento da Vale parece estar mais limpa. Mas ainda assim é uma queixa comum de investidores a dificuldade de prever o fluxo de caixa da empresa, especialmente em relação aos pares internacionais. Você acredita que há uma necessidade de mudança de narrativa?
Não tem uma mudança de narrativa, mas tem um conceito que a gente vem usando há um tempo, que precisamos deixar mais claro, que é o conceito de dívida líquida expandida. Temos volumes expressivos de pagamentos, de reparações, ligados a Brumadinho e Mariana, e descaracterizações de barragens, com valores grandes a pagar especificamente em 2025 e 2026. A partir de 2027 isso diminui – e isso ficou mais claro com o acordo de repactuação firmado no ano passado.
Quando eu pego minha geração de caixa operacional e uso parte dela para pagar esses compromissos, é como se eu tivesse pagado dívida. Muitas vezes o investidor, principalmente aquele que não está tão próximo da companhia acaba confundindo um pouco essas coisas.
Porque quando você olha a geração de caixa livre da companhia e põe como uma saída de caixa esses compromissos, de fato é uma geração de caixa bem pequena. Mas na verdade, eu estou reduzindo o endividamento. Estou criando espaço para crescimento ou pagamentos de dividendos maiores.
Mas existe uma certa confusão em alguns players do mercado sobre o que é geração de caixa operacional e o que é redução de dívida. Estamos tentando ser mais claros em relação a isso. Não é mudança de narrativa, mas há uma necessidade de deixar as coisas mais claras.
A China é maior mercado consumidor de minério de ferro do mundo, e, portanto, o maior cliente da Vale. Há muita incerteza em relação ao crescimento da economia, mas as notícias mais recentes têm mostrado uma diminuição no ceticismo, especialmente no mercado acionário. Como vocês estão olhando a China em termos de demanda?
A China é o maior consumidor de minério e vai continuar sendo por muito tempo. O que está acontecendo agora é que, além de ser grande ela vinha crescendo e esse crescimento deixou de acontecer, principalmente porque o mercado imobiliário teve uma certa saturação.
Tem muito imóvel para ser vendido, o ritmo das construções diminuiu e isso virou um mau humor no mercado de minério de ferro no mundo inteiro. Mas esse mau humor diminuiu. Primeiro, porque a China de fato está marginalmente crescendo um pouco e não está caindo. Provavelmente o consumo vai cair um pouquinho, mas não vai ser algo expressivo.
Porque ao mesmo tempo que o mercado de construção está estagnado, você tem outros mercados crescendo, como o aço para consumo industrial, para bens de consumo e infraestrutura. Mas outro fator que está acontecendo são regiões no mundo que estão crescendo e substituindo esse crescimento que vinha da China, como o Sudeste Asiático, no Oriente Médio, e na Índia. Com isso, o balanço total do consumo de minério tem uma certa estabilidade.
Também temos chamado atenção no mercado para o fenômeno de exaustão das minas, que afeta o lado da oferta. Elas vão ficando mais velhas e caindo de produção. Uma mina dura em média 30 anos. Se você não fizer nada, a cada ano, a produção do mercado cai 3% mais ou menos, o que dá 50 milhões de toneladas por ano.
Parte dessa preocupação que o mercado tinha está compensada por essa exaustão que está bastante acentuada, principalmente na Austrália, no lado a oferta e do lado da demanda, você tem estabilidade. Por isso que o preço tem oscilado, mas não tem saído muito desse range entre US$ 110 e US$ 95 por tonelada, que é um patamar saudável.