A B3 ainda reforça que não deve prosperar interpretações de que o direito de voto previsto deva ser encarado como direito de veto para transações (NurPhoto/Getty Images)
Graziella Valenti
Publicado em 27 de abril de 2020 às 19h11.
Última atualização em 27 de abril de 2020 às 23h21.
A B3 divulgou, no fim da tarde do dia 27, parecer no qual ressalta que as ações preferenciais do Nível 2 de Governança Corporativa têm direito de voto em qualquer evento de incorporação. A bolsa enfatiza que o voto, nessa situação, tem valor igual ao da ação ordinária e que esse direito não foi desenvolvido apenas evitar situações de abuso de controle.
“Em face de todo o exposto, caso ocorra convocação de assembleia geral extraordinária de acionistas de companhias listadas no Nível 2, para deliberação de matérias atinentes à transformação, incorporação, fusão ou cisão, votam, de maneira equitativa, todos os acionistas da companhia, sejam titulares de ações ordinárias ou preferenciais.” Essa é a frase que encerra o comunicado da bolsa.
Antes disso, a B3 explora em seus comentários: “A edição do dispositivo insere-se em um contexto mais amplo, voltado a garantir representatividade ao acionista minoritário em assuntos de grande relevância na vida da companhia. Isso, ao longo dos anos, foi percebido como medida salutar de governança corporativa para companhias que estabelecem restrições ao direito de voto”.
A diretoria de regulação de emissores, responsável pelo documento, ainda reforça que não devem prosperar interpretações de que o direito de voto previsto deva ser encarado como direito de veto para transações. “O Nível 2, enquanto ‘último degrau’ antes do Novo Mercado, determinou a concessão de direito de voto em algumas matérias relevantes aos titulares de ações preferenciais como forma de se aproximar, tanto quanto possível, do tratamento igualitário consubstanciado no princípio de “uma ação, um voto” do Novo Mercado.”
A Bolsa se manifestou de forma geral, mas a discussão nasceu a partir da proposta de incorporação da AES Tietê pela Eneva, equivalente a 6,6 bilhões de reais. A oferta, tal qual apresentada, tirou da controladora americana, a AES Corp., o poder de definir o resultado do negócio, pois é dona de apenas 24% do capital total da empresa brasileira. Dessa forma, a companhia internacional não conseguiria, em assembleia de acionistas, garantir o resultado que desejasse sozinha.
Diante do modelo, a AES Corp reagiu e disse que não reconhecia o direito de voto tal qual o mercado compreendia, nem aceitaria a transação – e os advogados contratados para representá-la, os renomados Paulo Aragão, do BMA, e Carlos Mello, do Lefosse, afirmaram que os direitos dos preferencialistas eram, na prática, de veto, e que foram atribuídos aos papéis para evitar abusos de poder de controle. A bolsa afastou ambas as leituras.
A situação é, em seu conjunto, absolutamente inédita no mercado brasileiro. A aplicação do direito previsto no Nível 2 não é inusitada. Mas a circunstância em que o controlador é contra, mas pode ser ‘empurrado’ pela maioria, é nova.
A intenção da B3 – com um comunicado detalhado e que, apesar de geral, não teve melindre em citar o caso específico – foi dar fim a qualquer entendimento de que uma operação de incorporação aprovada em assembleia de acionistas de uma empresa do Nível 2 possa ser tratada como algo “forçado” ao controlador. Após o posicionamento da AES, a Bolsa passou a receber cartas de diversos investidores, nomes de peso do mercado nacional, preocupados com a segurança jurídica dos segmentos especiais.
A B3, até o momento, não tem nenhuma iniciativa em andamento ou estudo para rever as regras do Nível 2 em função do debate gerado pelo caso da AES Tietê – nem em razão de eventuais pleitos de controladores, nem de minoritários. A bolsa também, segundo pessoas próximas ao tema, deixou claro aos interessados que a consultaram que em situações muito específicas é possível obter “dispensa” de algumas regras do regulamento. Contudo, a questão depende de análise prévia aprofundada e pode estar relacionada a dois momentos da vida societária de uma companhia: a adesão ao segmento (como foi o caso da Petrobras, em 2018) ou a realização de uma oferta pública. Porém, jamais uma dispensa de direitos poderia ser solicitada no meio de uma transação, segundo fontes a par das discussões.
A postura da B3 foi aplaudida pelos investidores institucionais, preocupados que o preço atribuído às companhias do Nível 2 estivesse equivocado. Mas, nem assim, afastou o risco de litígio que a disputa entre Eneva e AES, pela AES Tietê, pode alcançar. Não falta quem aposte que a AES vai agora para cima da própria B3.