Hering: virada espetacular para varejo no fim dos anos 90, mas estagnação na última década (Germano Lüders/Exame)
Graziella Valenti
Publicado em 24 de abril de 2021 às 13h31.
Última atualização em 28 de abril de 2021 às 07h01.
*Reportagem atualizada para incluir a oferta do Grupo Soma às 10h30 de segunda-feira.
Depois de anos de calmaria, a temporada 2021 na Hering, uma das marcas mais conhecidas do país, está mesmo um furacão, como se já não bastassem os efeitos da pandemia. Além da pressão externa, de ter se tornado alvo da Arezzo (e da Soma, em oferta revelada nesta segunda-feira) para uma combinação de negócios, a companhia agora vai enfrentar uma briga entre herdeiros. Em causa: a posse da Inpasa, um holding familiar com 6,8% do capital da Hering, atualmente avaliada em R$ 5 bilhões na B3.
Na sexta-feira, 23, uma ação foi ajuizada no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em Blumenau, cidade de origem da empresa, que começou como indústria têxtil e, nos anos mais recentes, migrou para um modelo híbrido em que o varejo de moda predomina. No passado, após uma queda de 31%, a receita líquida da empresa somou R$ 1 bilhão.
A ação é movida por Pedro Hering Bell, Rafaella Hering Bell e Eduardo Teodoro Hering Bell, os três netos de Eulália Hering, que foi casada com Max Victor Hering, ambos já falecidos. São eles tataranetos do fundador da empresa, Hermann Hering.
Os réus na ação são a própria companhia Hering, Ivo Hering, presidente do conselho de administração da empresa, e ainda Klaus Hering (tio dos autores) e seu cunhado Antônio Diomário de Queiroz. Ivo e Klaus são primos, ambos bisnetos de Hermann Hering.
Pedro, Rafaella e Eduardo acusam o tio Klaus de ter expropriado a mãe, Eulália, em benefício próprio e também de Ivo Hering e alegam que tudo ocorreu com o conhecimento da companhia. Eles apontam que a holding Inpasa tem dois CNPJs, o que ensejou uma série de operações, segundo os autores, “fraudulentas”. Klaus teria passado as ações da mãe para si próprio em uma série de movimentos.
Dessa forma, querem a anulação dos atos ocorridos no passado. No texto da ação inicial proposta, os advogados Rogério Ives Braghittoni, Paula de Camargo Passos e Yasmin Pastore Abdala afirmam que ainda não conseguem estipular um valor para a causa. Pela participação da Inpasa em Hering, o valor dessa holding seria de R$ 250 milhões.
Conforme o texto da ação, as operações irregulares de transferência de ações envolveriam desde documentos com assinaturas falsificadas e sem registro em cartório até o uso de uma offshore sob os cuidados do escritório Mossak Fonseca, protagonista do escândalo Panamá Papers.
De acordo com os autores da ação, a avó Eulália era detentora de aproximadamente 10% da Inpasa, o que hoje lhes conferiria valor equivalente a R$ 25 milhões, a preços de mercado da Hering.
Ivo Hering está prestes a se aposentar e deixar o negócio. É hoje o maior herdeiro vivo da companhia, com cerca de 12% do capital entre ações que ele e seus filhos possuem direta e indiretamente na empresa. No fim deste mês, o bisneto do fundador passa a presidência do conselho para seu sobrinho Fabio Hering, pai de Thiago Hering, que será o novo presidente executivo. Fabio tem uma pequena participação no capital total, da ordem de 0,6%, conforme o EXAME IN apurou, ou o equivalente a R$ 22 milhões.
Embora o texto da ação demonstre que a desavença se arrasta há anos, dentro do processo de inventário da avó, somente agora os herdeiros decidiram ir à Justiça, curiosamente justo no momento em que a companhia pode trocar de mãos – após uma frustrada tentativa de acordo privado. A expectativa do mercado é que Arezzo ou outra empresa conseguirão comprar ou se combinar à Hering.
Apesar da coincidência temporal, os documentos do processo apontam que um termo para início de uma negociação extrajudicial foi encaminhado a Ivo, Klaus e Diomário, no dia 11 março, bem antes da oferta, portanto. Pedro, Rafaella e Eduardo, contudo, não tiveram sucesso na tentativa. A busca por um acordo ocorreu após o juiz do inventário de Eulália decidir que a nulidade dos tratos passados não seria possível dentro daquele processo e que seria necessária uma outra ação.
Agora, a passagem de bastão na Hering é vista como ensejo perfeito para que Thiago possa conduzir uma negociação. Algo compreendido como tremenda responsabilidade, dado os 140 anos de história da companhia.
A força da marca, a maior do varejo têxtil brasileiro, já atraiu diversos fundos renomados do país, que investiram recursos e tentaram auxiliar a gestão a promover um novo ciclo de crescimento ao longo da última década. Porém, sem sucesso. Fabio Hering preferiu sempre uma gestão conservadora. O faturamento da empresa nos últimos dez anos não acompanhou nem mesmo a inflação.
Junto com a família, com ações dispersas entre vários herdeiros e espólios, três gestoras de recursos conhecidas do mercado são os maiores acionistas: Atmos, Velt e Verde. Herdeiros, de um lado, somam quase 25%, tal e qual os fundos.
Apesar de não registrar nenhuma aceleração dos negócios, a Hering conseguiu sobreviver à crise do setor têxtil e se reinventar ao migrar para o varejo. A primeira loja piloto foi inaugurada em 1993, no Rio de Janeiro e, no fim daquela década, a estrutura de franquia começou a ganhar corpo. Hoje, é uma companhia sem dívida e com uma sobra de R$ 265 milhões em caixa.
A Hering e Ivo Hering foram consultados e não quiseram se manifestar. Alegam que ainda não têm conhecimento do assunto. A reportagem não conseguiu contato nem de Klaus, nem de Diomário.