A Aura não escapou das restrições impostas pela pandemia, mas desempenho não foi atropelado e segue em expansão (Divulgação/Divulgação)
Angela Bittencourt
Publicado em 9 de agosto de 2021 às 08h50.
Pureza, compromisso, garantia. O ouro tem significados que vão da religião à superstição, passando pela economia e a tecnologia. Em 2020, a pandemia – temperada por uma pressão inflacionária global que patrocinou o rali do metal ao recorde de US$ 2 mil a onça-troy – levou governos a desovarem toneladas para fazer caixa e enfrentar a Covid-19. Neste 2021, os bancos centrais se apressaram em adquirir ouro, aproveitando cotações US$ 200 mais baixas para ampliar suas reservas cambiais. Seja qual for o destino, a produção de ouro dá trabalho, exige foco na gestão e está na gênese da canadense Aura Minerals, mineradora de ouro e cobre, cotada na Bolsa de Toronto desde 2006 e, na B3, desde o final do ano passado.
A Aura, que divulga o balanço do segundo trimestre na terça-feira, 10, não escapou das restrições impostas pela pandemia, mas não teve seu desempenho atropelado pela doença. Encerrou 2020 com uma produção de 204 mil onças, um aumento de 15% na comparação com 2019. Neste ano prevê produzir entre 250 mil e 290 mil onças e planeja dobrar de tamanho até 2024, atingindo 480 mil onças, com investimento de R$ 1,5 bilhão em quatro anos – 2/3 desse montante serão aplicados no Brasil.
Em entrevista ao EXAME IN, Rodrigo Barbosa, CEO da Aura Minerals, explica que a companhia ajustou sua produção às regras adotadas nos países onde atua: México, Honduras e Brasil. “Em Honduras, a produção parou totalmente, no México reduzimos a produção durante alguns meses e, no Brasil, onde a mineração foi considerada atividade essencial, reduzimos significativamente as operações por duas semanas para um replanejamento de atividades. Não registramos casos de transmissão entre funcionários. A mineração é uma atividade em que todos trabalham a céu aberto e em seus maquinários. Em refeitórios e transportes conseguimos praticar um bom distanciamento e criamos o Aura Tracker, um dispositivo para mapear quem teve contato com alguém que contraiu Covid”, relata o executivo que vê a pandemia condenada a terminar com a vacinação em massa.
“A pandemia vai passar, mas as consequências macroeconômicas das intervenções monetárias e fiscais de bancos centrais e governos estão só no começo. As intervenções eram inevitáveis e foram bem endereçadas para problemas no curto prazo, mas o reequilíbrio das economias levará alguns anos. A incerteza permanece”, avalia Barbosa que destaca a injeção de US$ 15 trilhões a US$ 20 trilhões pelos bancos centrais nos mercados para dar suporte às suas economias. “Nesse sentido, devemos dar atenção ao comportamento do dólar. Em algum momento, o dólar não vai se desvalorizar? Lembro do Ray Dalio, gestor do Bridgewater, que alerta para esse ponto e recomenda investimentos em ativos reais.”
Rodrigo Barbosa concorda que as incertezas favorecem o mercado onde a Aura Minerals está inserida, mas lembra que as oscilações de preços têm impacto direto na receita da empresa. “O preço é volátil, mas o tempo atenua as variações. O rali do ano passado se deu em função de preocupações com as consequências econômicas da pandemia.”
Estruturalmente, o ouro é impactado por expectativa de taxas de juros reais, questões geopolíticas e incertezas macroeconômicas apoiadas, inclusive, na perspectiva de comportamento do dólar. “Por ora, os mercados estão anestesiados pelo excesso de liquidez proporcionado pelos bancos centrais, mas não sabemos o que virá”, diz o CEO da Aura que alerta para a necessidade de monitoração atenta de eventos internacionais que podem ter grandes efeitos no Brasil.
Ex-CEO da Tavex/Santista, líder mundial das fabricantes integradas de jeans com operações globais, e ex-CFO da holding de investimentos do Grupo Camargo Correia, Rodrigo Barbosa assumiu o comando da Aura em 2017 com a missão de promover o ‘turnaround’ da companhia.
“A gestão é baseada em três grandes pilares e no objetivo de fazer tudo simples e bem feito. Nos pautamos por bons projetos e bons ativos; balanço saudável e robusto; e um time bom com cultura de gestão para maximizar o retorno dessas ações. Temos trabalhado em cada um desses pilares”, relata o executivo que recorda a venda do projeto Serrote pela Aura que passou a reinvestir em suas operações. “Conseguimos uma expressiva redução de custos [operacionais] e de levantamento de recursos. Repensar o financiamento fortaleceu nosso balanço e a empresa tem endividamento negativo, mesmo após pagar US$ 60 milhões de dividendos, equivalente a retorno de 8% para o investidor.”
Questionado sobre a perspectiva de criação de uma alíquota adicional de 1,5% na Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) – iniciativa proposta na nova versão do parecer do relator, deputado Celso Sabino, à revisão do Imposto de Renda -, Barbosa pondera que, em qualquer país do mundo, a discussão sobre a cobrança de royalties sempre estará presente. “A discussão é saber qual é o valor ideal a ser cobrado de forma a otimizar ao máximo o retorno para o Estado e que minimize o efeito desse pagamento ao investidor. A ideia é não comprometer os investimentos.”
O CEO da Aura afirma que, no caso da mineração, ainda que se tenha evoluído muito no uso da tecnologia para ganho de eficiência, a mineração de depósitos de altíssimo teor de pureza não existe mais. “Os portugueses começaram [no Brasil] minerando teor de 100 gramas por tonelada de ouro. Cinquenta anos atrás, já eram 8 gramas por tonelada e, hoje, 1 grama por tonelada. E a mineração, em áreas mais profundas, exigem investimentos crescentes em tecnologia.”
O executivo lembra também que a mineração é uma atividade global. “Portanto, uma análise de tributação não deve se limitar ao Brasil, uma vez que o investidor pode ir para qualquer lugar do mundo. E ele irá onde conseguir maior retorno para sua atividade. A discussão tem mesmo que ocorrer, mas dentro da realidade do setor e não pode ser arbitrária.”
Ao EXAME IN, Rodrigo Barbosa não revelou particular preocupação com a tensão política observada no Brasil atualmente. Segundo o executivo, como empresa global, a Aura Minerals tem obrigação de monitorar as instituições. “Estamos focados nas Américas porque entendemos que os países são democráticos e têm políticas bem-sucedidas de estabilidade e na preservação de suas leis. A discussão política ‘per si’ não deve interferir em políticas e planos de investimentos.”
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