Rios: Não é necessariamente o fim do mundo para a economia americana, mas temos que trabalhar com múltiplos mais normais (Arte/Exame)
Editora do EXAME IN
Publicado em 23 de abril de 2025 às 12h01.
Última atualização em 23 de abril de 2025 às 12h03.
Poucos gestores tiveram uma leitura tão cristalina sob os impactos que Donald Trump teria para a economia mundial e para os preços dos ativos quanto Fabiano Rios.
Um call na contramão do mercado feito por ele durante o CEO Conference do BTG Pactual em fevereiro sinalizando uma virada de proporções sísmicas para os ativos americanos foi um das raras previsões dadas no começo do ano que envelheceu (muito) bem.
O sócio-fundador da Absolute Investimentos – casa com R$ 50 bilhões sob gestão – já tinha antecipado uma virada de timing para a bolsa americana e o dólar em 2022, quando boa parte do mercado ainda acreditava numa freada brusca na economia à rente, em meio à alta brutal contratada para as taxas de juros no país.
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Naquela época, a gestora foi às compras num momento de ações descontadas, apostando que o motor fiscal garantido pelo domínio dos democratas nas duas casas do Congresso daria fôlego à atividade.
No fim do ano passado, ele virou a mão, mirando a tese de que o freio nos gastos públicos sinalizado por Trump e por sua equipe colocaria fim à tese do ‘excepcionalismo americano’, tornando uma recessão e uma correção nos preços dos ativos americanos muito mais provável.
A aposta pioneira de dólar e bolsa para baixo e crescimento mais espalhado em outras economias fez o Absolute Hedge, o multimercado carro-chefe da casa, acumular uma alta de 2% apenas neste mês, marcado pelo tarifaço. O Vértex, produto equivalente de maior volatilidade, sobe 3,55% apenas em abril – um retorno de seis vezes o CDI do período.
Com uma capacidade singular de separar o sinal do intenso ruído gerado mandatário americano, Rios se fia nos planos que vem sendo anunciados por Trump desde que ele se desenhou com favorito ao pleito. No fim das contas, pondera, é tudo uma questão de preços.
“Não é necessariamente o fim do mundo para a economia americana. Só que nessa ordem, temos que trabalhar com expectativas de crescimento mais baixas e múltiplos mais normais do que trabalhamos nos últimos tempos”, afirma o gestor, numa rara entrevista.
É uma mudança tectônica e que ainda está apenas começando a acontecer. Sua maior aposta segue numa forte desaceleração da moeda americana – numa espécie de unwind de um vício em ‘Buy America’ que dominou o mercado pelo menos nos últimos 15 anos.
“Não acho que o dólar vai deixar de ser a moeda de reserva global, mas há 20 anos ele já era a moeda de reserva global e não estava nesse nível de valorização. Nesse cenário, acho que o euro pode ir para US$ 1,25, sem acontecer nenhuma tragédia na economia mundial”, afirma. A bolsa europeia é outra grande aposta.
Tudo faz parte dos objetivos do governo Trump, que quer um dólar mais fraco para estimular sua indústria. Na guerra comercial, as tarifas são o menor dos problemas – e a grande questão agora para o mandatário americano é trazer as moedas dos demais países, China principalmente, para um patamar mais normal e menos predatório, ele pondera.
A rotação para fora dos Estados Unidos é positiva para os demais países emergentes, Brasil incluído no pacote, aponta Rios, que tem uma posição pequena em bolsa local e aplicada (apostando na queda) dos juros no país.
Mas a valorização para esse grupo deve vir numa segunda pernada. Por enquanto, o gestor tem concentrado a aposta na rotação dentro de mercados desenvolvidos.
A seguir, a entrevista na íntegra, condensada para melhor entendimento:
No começo do ano, a visão consolidada no mercado era de ‘excepcionalismo’ americano, a despeito das ameaças do Trump sob tarifas. Mas você já estava com um call desde o fim do ano passado de que os planos dele eram mais recessivos e deveriam provocar uma mudança na forma como a economia global estava organizada. O que te fez ir na contramão do mercado?
O Trump é apenas um personagem. Mas tanto ele quanto a equipe que ele colocou lá já estavam falando de forma muito uníssona algumas coisas que me parece que as pessoas não estavam prestando tanta atenção.
A grande questão é que tudo que está acontecendo tem ligação com um objetivo final, não são coisas ao acaso. Pode ter sido mais atabalhoado do que todo mundo – inclusive eu – esperava. Mas as raízes e os objetivos não mudaram.
No fim das contas, o raciocínio hoje é o mesmo lá do começo do ano: a principal economia do mundo está querendo mudar seu posicionamento na economia global e isso tem reflexos importantes para outras economias e para os ativos em geral. E para fazer isso tudo, é preciso uma reorganização muito grande de como a economia está montada.
Afinal, quais são os objetivos de Trump?
São dois principais. O primeiro é criar uma indústria dentro dos Estados Unidos dos setores que eles julgam essenciais e estratégicos: farmacêutico, de semicondutores e militar. Não só para o produto final, como para a cadeia inteira. Hoje eles se sentem muito vulneráveis, muito dependentes daquele que é o maior seu maior inimigo potencial.
O segundo objetivo é a redução do déficit fiscal. Na cabeça deles, rodar com o déficit no nível que eles rodam de maneira consistente, e não apenas quando precisam dar um impulso à economia, é insustentável. É meio que uma droga: no começo é bom, mas depois vem a conta.
Queria focar nessa questão da redução do déficit fiscal. Porque lá atrás, em 2022, grande parte do seu otimismo com os Estados Unidos e com a economia americana mesmo quando os juros ainda estavam muito altos tinha a ver com esse motor fiscal garantido pela administração democrata. Essa é a principal mudança?
Lá atrás eu não via, e sigo não vendo, como você faz essa “privatização” da economia, como se tira esse impulso fiscal do governo e se traz o investimento privado a reboque de maneira coordenada. É muito difícil que isso aconteça. As tarifas exacerbaram o quanto esses dois movimentos podem ser separados e o quanto isso pode gerar uma recessão. Não por outro motivo, o Trump voltou atrás em algumas coisas.
A tese do governo é: vou cortar gasto, com isso tenho condição de cortar juros – ou pelo menos o juro longo fecha, porque eu vou precisar emitir menos dívida. Com isso, tanto tanto consumo quanto investimento privado ficam mais atrativos. Só que essa coordenação obviamente não é tão simples assim.
E, para os ativos, o principal ponto é que essa mudança veio num momento onde os preços embutiam um cenário de exuberância – ou de ‘excepcionalidade’, como virou moda falar.
Eu passei anos respondendo porque o S&P estava negociando a múltiplos tão altos e porque eu achava que ele não estava caro. Em algum momento, o S&P ficou caríssimo e as pessoas simplesmente pararam de perguntar isso. Elas simplesmente compraram essa tese do excepcionalismo como dada.
E com a tese do excepcionalismo indo embora, o que fica agora? O que vem no lugar?
Não é necessariamente o fim do mundo para a economia americana. Só que, nessa nova perspectiva, temos que trabalhar com expectativas de crescimento mais baixas e com múltiplos mais normais do que trabalhamos nos últimos tempos. Então voltamos para uma situação normal, em que recessões são mais prováveis e onde volatilidade de margens e de lucros são maiores também.
Desde o anúncio do tarifaço, o S&P já teve uma forte queda. Você acha que é só o começo? Como está posicionado?
Agora não estou vendido em bolsa americana, mas também não estou comprado. Por outro lado, eu estou mais otimista com bolsas em outros lugares do mundo, por exemplo na Europa, onde estamos comprados.
E o que você espera nas negociações de tarifas?
O que eu esperava e sigo esperando? Que o Trump ia colocar as tarifas, chamar todo mundo para a mesa e negociar um acordo. E acho que, em relação às tarifas, em algum momento se chega a um acordo. As tarifas são a parte fácil.
Mas esse não é o maior problema. O governo Trump falava e segue falando do VAT [impostos de valor adicionado] como barreiras não tarifárias, uma forma dos outros países subsidiarem suas empresas.
E também das moedas, no sentido de que os outros países de alguma maneira manipulam suas moedas para que elas fiquem desvalorizadas e consequentemente para que o dólar fique forte. Agora nós estamos entrando nessa fase de negociar essas barreiras não tarifárias e isso é mais difícil, mas acho que vamos ter novidades no curto prazo.
E o que seria uma novidade nesse sentido?
Eu acho que dentro desses acordos que estão sendo costurados sairá com vários países alguma coisa com relação às moedas. É difícil controlar o preço da moeda, mas acho que os Estados Unidos pode querer, por exemplo, que os países não tenham sua reserva em dólar ou a maior parte das suas reservas em dólar.
A reclamação deles é: você fica comprando dólar e, ao fazer isso, desvaloriza sua moeda do jeito que ela deveria estar. Ao fazer isso, você está acabando com a competitividade da indústria americana. É uma das facetas do tal do ‘mercantilismo’ asiático, como eles chamam. Eu não sei exatamente o que vem. Mas alguma coisa nesse sentido, eu acho que vem. E a consequência seria desvalorizar o dólar, que eu acho que é um dos objetivos para que ocorra essa reindustrialização americana.
Você acredita que tarifa é mais fácil de negociar inclusive com a China?
Eu não sei se a China vai chegar a um termo que seja suficiente para os Estados Unidos, mas acho que o problema não é a tarifa chinesa, o problema é outro e por isso que é mais difícil. A China tem um problema maior porque a moeda é mais desvalorizada. Os Estados Unidos enxergam essa coisa da moeda chinesa como uma coisa muito fora do que deveria ser.
Por muitos anos você teve uma posição comprada em S&P e dólar contra yuan e as duas coisas funcionaram. Como você está posicionado em China agora?
Quando viemos com esse call de dólar fraco, diminuímos muito essa posição. Não chegamos a zerar, mas diminuímos muito, exatamente porque acho que o yuan está nas cartas da negociação.
Por outro lado, não acho que o chinês não vai fazer nada forçado ou que dê um sinal de fraqueza. Então, eu fico muito na dúvida do que vai acontecer. Quando você está na dúvida, a melhor coisa a fazer é não ter posição.
E até onde que você acha que vai a desvalorização do dólar? A correção atual está fazendo muita gente falar que a moeda pode inclusive deixar de ser a moeda de reserva global.
Não acho que vai deixar de ser a moeda de reserva global, mas há 20 anos ele já era a moeda de reserva global e não estava nesse nível de valorização. É tudo uma questão de nível de preço. Em fevereiro, eu falei na conferência do BTG que o euro estava em US$ 1,04, ou US$ 1,05 e poderia ir fácil para US$ 1,15 sem acontecer nada. E isso realmente aconteceu, sem ter acontecido nada mais trágico em termos de desaceleração da economia americana em si ainda, que nem bateu nos números.
Hoje, acho que o euro pode ir para US$ 1,25, sem acontecer nenhuma tragédia na economia mundial. Eu espero que essa tendência de desvalorização do dólar continue.
E quanto à taxa de juros americana? Tem uma preocupação com o nível de preço dos Treasuries, que fez empinar a curva de juros americanos de mais longo prazo. Como você está vendo essa dinâmica?
Eu ainda acho que haverá uma desaceleração na economia americana, que ainda não apareceu nos números. Por isso, recentemente, remontamos parte das posições aplicadas [apostando na queda das taxas de juros]. Tenho uma preferência pela parte mais curta da curva, porque acho que ela é menos ruidosa.
Mas acho que nessa inclinação, se tiver algum tipo de disfuncionalidade, o Treasury tem como atuar, parando de emitir na parte longa, por exemplo. Eles estão montando uma agenda da desregulação para permitir que os bancos voltem a ter posições maiores nessa parte longa da curva. Tem um plano em relação a isso.
Hoje, quais são suas principais posições?
Em ordem de preferência, dólar para baixo frente a moedas de países desenvolvidos. Depois, bolsa europeia. Ela sofreu junto com a bolsa americana junto com as tarifas, mas eu acho que é mais fácil deles resolverem essa questão de tarifas. Além disso, essa questão do aumento do gasto fiscal na Europa é emblemático. Eu já achava que viria uma resposta grande e – e veio maior ainda, e mais rápido.
Em terceiro lugar, tem essa posição aplicado na parte intermediária e curta de Estados Unidos. Mas é a posição que eu menos gosto das três.
Tem um temor de que essas incertezas geradas pelos Estados Unidos podem provocar uma desaceleração muito grande na economia global. Como você está vendo esse risco?
A desaceleração global vai depender da resposta fiscal que cada país vai dar. Mas estamos vendo respostas não só por parte da Europa, mas também já da China, da Coreia, da Australia, ainda que em magnitudes diferentes.
E qual sua visão para Brasil? Você acha que saímos beneficiados?
No curto e médio prazo é um cenário deflacionário. Se concretizado, é um cenário positivo, porque o Brasil tem um problema de inflação. Se ele tiver um choque positivo tanto de moeda quanto de tradables isso vai ajudar a levar a inflação para o centro da meta num momento no qual o juro aqui está muito restritivo. Essa combinação pode ser muito benéfica na inflação aqui e consequentemente para juros.
Temos buscado uma posição aplicada [apostando na queda da taxa de juros] aqui, mas temos preferido ficar em países desenvolvidos. Acho que o efeito para mercados emergentes vem numa segunda pernada e o Brasil está inserido nessa dinâmica. Em bolsa, temos alguma posição, acho que é um ativo mais protegido nos vários cenários, mas a posição também não é grande.
Você me parece estar vendo um cenário em que há um plano dos Estados Unidos e os riscos assumidos por eles são, de alguma forma, calculados. O que pode dar muito errado nesse cenário e trazer ainda mais estresse ao mercado?
Um ponto é se a China decidir desvalorizar a moeda dela, por algum motivo. Eu não necessariamente perco dinheiro nesse cenário com as posições que eu tenho hoje, mas seria um choque grande de volatilidade.
Mas principalmente, dado que a fonte de tudo isso é o que a nova administração quer fazer com a economia americana, é se a ala mais ‘apaixonada’ o governo começar a ganhar mais terreno. Eu vejo duas alas, uma mais técnica, representada pelo Bessent [Scott Bessent, secretário do Tesouro], e outra mais apaixonada, representada pelo Lutnik [Howard Lutnik, secretário do Comércio].
Principalmente depois desse show de horror do anúncio das tarifas, eu acho que o lado do Bessent ganhou muita força. O Trump percebeu depois das tarifas que ouvir a outra ala tem consequências. Não importa só o objetivo, mas o “como” também tem muito peso.