A hora e a vez do investidor consumidor: pequeno aplicador individual faz o preço da estreia das empresas da era digital (Thinkstock/Thinkstock)
Graziella Valenti
Publicado em 12 de fevereiro de 2021 às 06h56.
Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 07h16.
A estreia da Westing, que de forma simplista poderia ser resumida como um e-commerce de móveis e decoração, teve uma oferta pública inicial (IPO) que pode ser considerada de sucesso. Bota sucesso nisso! A operação totalizou R$ 1,16 bilhão e a ação saiu a R$ 13, muito perto mesmo do teto da faixa de preço sugerida.
A distribuição dos papéis no tal do bookbuilding, que nada mais é do que um sistema de reserva de papéis que mede a demanda e regula o preço antes da chegada ao pregão, indicava um primeiro dia de negociação na B3 com pompa e circunstância. Mas eis que a ação caiu 8,5% em seu pregão inaugural e fechou em R$ 11,90.
A explicação para isso é um fenômeno que já ocorria, mas não nessas proporções. A popularização da bolsa está só no começo, mas aquele tal investidor-consumidor ou consumidor-investidor já está dando sinais de seu potencial. Não é segredo para ninguém que trabalhe com essa entidade coletiva diversa chamada mercado que IPOs de grandes marcas têm mais apelo para o pequeno investidor.
Pois bem. Junte isso a operações menores e negócios mais desafiadores para dar preço. Adicione ao cenário um investidor com a sensação que estava totalmente de fora da vertiginosa valorização do mundo tech e das startups — e essa parte especificamente vale para os fundões tradicionais e, muito para o investidor individual. No caso desse último beira, dado o risco envolvido, ser aquela coisa que está na moda, o FOMO — medo de ficar de fora, que vem da sigla em inglês para fear of missing out.
Pronto. Está quase tudo explicado sobre o estrondoso dia 1 de Mosaico, com seu Buscapé, Bondfaro e Zoom, mais o fenômeno Locaweb (quem nunca viu ou ouviu a propaganda?), e as estreias frustrantes de Bemobi e Westwing, apesar da forte demanda na reserva de ações — para não lembrar do primeiro mês em baixa de Méliuz e Enjoei, que estrearam em momento de mais ceticismo.
A demanda do varejo da Mosaico foi de nada menos do que R$ 10 bilhões — cabia quase a oferta inteira da Rede D’Or nesse bolso. As reservas para Westwing foram surpreendentes, mas ficaram em R$ 3,6 bilhões. O tamanho das operações foi praticamente o mesmo.
O volume dos interessados em comprar papéis da Mosaico, na oferta institucional, excluída a fatia dos investidores âncoras e do varejo, foi de 20 vezes. Na Westwing? De 24 vezes. Haja multiplicação. No caso da companhia de e-commerce de móveis e decoração, 70% dos papéis foram vendidos para fundos de longo prazo, dedicados ao fundamento das empresas.
As ações dessas companhias de tecnologia têm movimentado, num pregão, quando muito, muito mesmo, entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões — no dia da estreia da apoteótica da dona do Buscapé, o movimento financeiro foi de R$ 7,5 milhões. Com essa liquidez, é muito simples perceber que os institucionais ou entram na oferta e fazem cheques que façam sentido para seu tamanho — o que ajuda a entender o tamanho da demanda na reserva — ou ficam longo tempo de fora daquele negócio. Basicamente, o comprador e o vendedor do dia seguinte dessas empresas é o investidor pessoa física ou pequenas casas de investimento, mas pequenas mesmo.
Esse investidor, que está ainda em fase de educação financeira, não sabe quase nada do que está comprando, como atribuir um valor a isso. Quando aparece algo que ele conhece, parece uma benção. Dá a falsa sensação de compreensão e, mais, “se eu, investidor, uso é porque muita gente deve usar também.”
Não precisa muita ciência. Algumas conversas com agentes autônomos sobre as plataformas de investimento acabam com qualquer dúvida em cinco minutos.
Mas, ora pois, por que Westwing e Enjoei então não tiveram essa força? Porque, sem nenhum sexismo, essas plataformas são muito mais visitadas e acompanhadas por mulheres. E, sobre elas, a pesquisa da bolsa e os dados dizem algumas coisas: são apenas 26% do público total e 21% do valor total de ações sob custódia das pessoas físicas. Para ficar mais complicado para essas novatas: as mulheres são muito mais conservadoras, ficam mais distante de IPOs e ainda mais daquilo que não conhecem. Além disso, ambas ainda precisam divulgar ainda muito mais sua marca. Apesar de já terem público relevante, há um oceano a se desbravar.
Tirando o que é comércio pura e simplesmente, todas as startups digitais ou techs têm um grande desafio para se vender — e elas continuam se vendendo todos os dias na bolsa — que é fazer o público entender o que são, o que fazem, como ganham dinheiro e como farão para ganhar ainda mais dinheiro.
Essa é uma parte do caminho das pedras. O mercado é um bicho vivo e todos os dias aparece uma coisa nova, um movimento novo para ser entendido. E a lista de companhias digitais que está para vir à B3 é bem grandinha: há mais de duas dezenas.
Para quem duvida da força do investidor-consumidor, vale visitar o caso da Pink Farms. A fazenda urbana vertical que produz 1,5 tonelada de folhas em um galpão na Vila Leopoldina, na capital apulista, decidiu fazer sua próxima rodada de capital semente via crowdfunding. O que a companhia procura, além de R$ 4 milhões? Embaixadores de sua marca.
Esse cenário fica completo com a seguinte informação: do giro diário da bolsa no mercado à vista de ações, a pessoa física tem hoje quase o mesmo tamanho do institucional doméstico, fica com uma fatia entre 21% e 23% de tudo.
O investidor brasileiro estava acostumado a mineradoras, siderúrgicas, petroleiras, papeleiras, teles, elétricas, bancos. Coisa assim, que uma palavra explica. Vá dizer o que, para ficar no mais básico, o Enjoei faz em uma palavra só — brechó online não vale porque está errado. Diga o que é a Méliuz, ou mais, o que a Bemobi (quem?) faz.
Para finalizar: nem os agentes autônomos estão conseguindo fazer esse papel. São poucos os que sabem de verdade o que é cada uma. Faça uma entrevista com o seu próprio, se tiver um. E pegue mais alguns da família.
Começa errando quem diz que a Westwing vende móveis e decoração online. Quem participou da oferta explica que é errado, até mesmo, colocar o negócio no mesmo balaio que tem a Mobly, outra novata do pregão, ou que a recém-transformada-em-unicórnio MadeiraMadeira.
O motivo da diferença: não vende exatamente as mesmas coisas e, muito menos, da mesma forma. A proposta da empresa é algo meio etéreo como “inspirar cada pessoa a descobrir mais beleza no seu viver”.
Dito assim, quase não parece slogan, e sim missão de algum guru espitirual. Mas, com essa missão corporativa, a dupla Andres Mutschler e Eduardo Balbão Oliveira, presidente e diretor operacional da companhia, tem conseguido fazer a operação gerar caixa desde 2016, quando ainda era um braço da matriz alemã de mesmo nome.
Após assistirem o escritório central na Alemanha minguar a aposta no Brasil, apesar de a operação estar progredindo, eles foram em busca de um fundo de capital de risco e decidiram juntos comprar o negócio. Levaram para casa, junto com a Axxon Capital, não só todo chão do que rodava por aqui, mas o direito da marca para toda América Latina. A Westwing daqui, com isso, não paga roylaties e nem depende em nada da lá de fora. Bebeu na mesma fonte no começo e ponto.
A transação, que leva o nome de management buy-out, foi concluída em 2018 e, de lá para cá, o trio de sócios viveu o perrengue de desenvolver tecnologia, retomar posicionamento de marketing e colocar tudo de pé sozinho. Em 2019, a casa ficou arrumada e voltou a crescer. Na pandemia, a coisa explodiu, com meses de vendas com mais de 100% de crescimento. Daí, decidiram que era hora de levantarem um cheque maior.
Fizeram as contas e concluíram que R$ 400 milhões era o tanto que precisavam para melhorar logística, fazer mais “galerias”, um tipo de loja conceito (só há uma, na Vila Madalena, por enquanto) e acelerar bastante o marketing.
Conseguiram R$ 430 milhões na oferta. Os outros R$ 730 milhões foram da venda secundária de parte do que os sócios detinham, para conseguir oferecer a transação para os fundões que atuam no mercado de empresas abertas, cujos tíquetes são bem maiores que os do venture capital.
A Westwing encantou algumas casas — Tork Capital, Equitas e poucos outros atuaram como âncoras e assumiram 25% do negócio — pelo engajamento de público que consegue. A empresa apresenta seus produtos “embalados” em propostas estéticas completas. Tudo tem cenário. Pode ser por tema, etnia ou cor. Mas tudo chega como numa revista da Casa & Jardim ou melhor. E tudo está à venda. Absolutamente tudo.
A companhia expõe em redes sociais 14 mil itens por semanas e cerca de 40% é sempre novo. Os seguidores, mais de 1 milhão na Instagram e mais as 11 milhões de visualizações mensais na Pinterest (é a maior do segmento decoração do site), entram na plataforma cerca de 4 vezes por semana e fazem cerca de 4 compras por ano.
A plataforma é uma mistura de entretenimento e estilo de vida. Em média, os usuários passam 40 minutos por semana fuçando nas campanhas. E para deixar claro porque Mobly e MadeiraMadeira são outros bichos, vale citar que 13% das vendas de 2020 não foram de produtos de móveis e decoração.
Mais do que isso, foi só a partir de março de 2020 que o consumidor passou a entrar na Westwing e buscar por “poltronas”, “sofás”, enfim, categorias estáticas, por meio do Westwing Now. Até então, o cliente ficava refém da campanha do momento.
A companhia tem como fronteiras de crescimento a redução do prazo logístico, o aumento das lojas físicas e o investimento em marketing. Dentro da plataforma, a perspectiva é vender mais de produtos que sejam estilo de vida e não necessariamente decoração e móveis e fazer campanhas exclusivas como um private label.
O balanço da companhia dos nove primeiros meses de 2020 aponta que foram negociados R$ 270 milhões dentro da plataforma, praticamente o dobro na comparação anual, o que levou a uma receita líquida de R$ 168 milhões de reais, ante R$ 93 milhões de igual período de 2019. O Ebitda nessa mesma base passou de R$ 2,8 milhões para R$ 10,4 milhões.