Will Bank: instituição estava com passivo a descoberto de R$ 99,1 milhões ao fim do primeiro semestre de 2023 (Will Bank/Reprodução)
Editora do EXAME IN
Publicado em 11 de julho de 2024 às 14h23.
Última atualização em 11 de julho de 2024 às 15h02.
Além de ampliar a posição do Banco Master no varejo, a aquisição do Will Bank anunciada em fevereiro deste ano tem bastante em comum com a estratégia da instituição de comprar negócios em dificuldade.
Uma análise dos balanços do Will mostra que a instituição estava com passivo a descoberto de R$ 99,1 milhões ao fim do primeiro semestre de 2023 e precisava de R$ 188 milhões de capitalização para se enquadrar nos requisitos mínimos de capital do Banco Central.
No mesmo período, o capital circulante estava negativo em R$ 1,26 bilhão, indicando dificuldades para honrar seus compromissos de curto prazo.
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A venda para o Master veio como parte de um plano para solucionar o problema, de acordo com termo de comparecimento firmado com o regulador.
O banco de Daniel Vorcaro também não foi o único comprador envolvido na transação.
A gestora REAG, de João Carlos Mansur – que, assim como o Master, tem apresentado crescimento vertiginoso nos últimos anos – levou uma parte dos ativos, incluindo os créditos fiscais oriundos de prejuízos acumulados e um ‘pré-precatório’ avaliado em R$ 510 milhões.
Fundado em 2017, o Will tem uma oferta de empréstimos e produtos financeiros para a população desbancarizada, com forte atuação no Nordeste.
Seu forte crescimento nos últimos três anos, contudo, veio acompanhado de uma explosão no custo de captação, na inadimplência e nas despesas gerais e administrativas, levando-o a sucessivos prejuízos.
Nesse contexto, um aporte de R$ 250 milhões feito por um fundo de private equity da XP e pela gestora Atmos em 2021 foi rapidamente consumido. Os investidores tinham ficado com 25% do negócio.
Um aperto nas regras de requerimento de capital mínimo para instituições de pagamento, figura na qual o Will se encontra, por parte do Conselho Monetário Nacional (CMN) que começou a valer em julho de 2023 acabou complicando de vez a situação – e levando a fintech ao desenquadramento.
Em agosto do ano passado, o Banco Central firmou um termo de comparecimento para que a instituição dissesse como pretendia se enquadrar de volta nos parâmetros regulatórios. Em bom português, ela precisaria mostrar qual o plano para fugir da insolvência.
Os caminhos possíveis eram dois. O primeiro, encontrar um sócio disposto a capitalizar a companhia. Houve diversas tentativas ao longo de 2023, mas nenhum potencial comprador queria colocar dinheiro novo, relatam múltiplas fonte que conheciam bem a operação.
Outra alternativa seria tombá-la para dentro de outra instituição mais capitalizada.
O Will seguiu o segundo caminho, com a venda do controle grupo para o Banco Master – que já vinha aberto uma linha de captação para a fintech desde dezembro de 2023, quando outras fontes começaram a secar.
A venda do Will incluiu uma ampla reestruturação societária.
A Will Pagamentos, a controladora do grupo, foi vendida para a gestora REAG. É o nome de João Carlos Mansur, CEO e sócio da REAG, que aparece como novo controlador do Will no pedido aplicado ao Banco Central.
O Master ficou com empresas que estavam embaixo dela: Will Financeira, responsável pela captação, Will Holding, Will Produtos e mais dois FIDCs (que serão detalhados nas próximas seções).
Esse conjunto de empresas foi apartado e passou a se chamar Grupo Will Holding, que é que vai ficar com os ativos operacionais do banco. O Master terá 75% do grupo, com os outros 25% nas mãos da XP, que passa a ser sua sócia, e funcionários do Will. A Atmos saiu do negócio na venda para o Master.
Pelo acordo firmado com a REAG, a Will Pagamento vai ceder à financeira todos “ativos e passivos operacionais para a continuidade da operação do Will Bank”, que incluem “o negócio de emissão de moeda eletrônica, emissão de instrumento de pagamento pré-pago e pós-pago, administração de cartão de crédito, gestão de contas de pagamento e direitos creditórios originários de suas operações”.
Abaixo da Will Pagamento – e, portanto, sobre o controle da REAG – ficarão apenas os saldos de ativos intangíveis e créditos tributários oriundos de prejuízo fiscal, que podem ser aproveitados por empresas que são lucrativas.
Há ainda um outro acerto de contas entre REAG e Master, envolvendo um ‘pré-precatório’ avaliado em R$ 510 milhões na transação.
Puxando o fio desde o começo: na compra do Will, o banco de Vorcaro levou também FIDC Azo.
Trata-se de um fundo constituído em julho de 2023 que tem como único ativo parte dos direitos em uma ação judicial multibilionária impetrada pela massa falida da construtora CIB contra o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), avaliada em cerca de R$ 30 bilhões.
É uma causa que teve início nos fim dos anos 1990 e foi reaberta em outubro de 2018 por conta de uma discussão sobre lucros cessantes por conta de uma recusa do órgão em fazer uma revisão no contrato de obras. Ação tramita em segunda instância no TRF2.
Caso o tribunal reconheça a necessidade de pagamento, ela vira efetivamente um precatório, uma obrigação que necessariamente precisa ser paga. O prazo para isso, no entanto, pode variar e chegar a décadas.
Diversos fundos operam a compra e venda de ‘pré-precatórios’, apostando, em grande medida, na probabilidade de ganho da causa e da probabilidade de que ela seja paga dentro de um horizonte de médio prazo.
O Master é bastante conhecido pela sua atuação nesse segmento: sua carteira ‘direitos creditórios federais’ – as ações ainda não convertidas em precatórios --, é de R$ 7,5 bilhões segundo balanço de dezembro de 2023
O FIDC foi dado em pagamento pelos antigos controladores do Will, a empresa Avista, fundada por Walter Piana e que deu origem à fintech. Na cisão, ficaram compromissos a serem pagos para o Will avaliados em R$ 600 milhões no balanço de 2022.
A supervisão do Banco Central exigiu a constituição de uma provisão – indicando a pequena probabilidade de recebimento de parte do valor –, gerando uma baixa de R$ 106 milhões o balanço de 2023.
O Master levou o FIDC, mas já engatilhou o repasse para a REAG. O contrato prevê que a transferência ocorra em até 12 meses a partir da data de aprovação da venda do Will pelo BC.
No balanço do Will, há uma ressalva da Deloitte, responsável pela auditoria, quanto ao valor dos ativos do FIDC.
“A carteira do FIDC AZO é essencialmente composta por direitos oriundos de pré-precatórios federais, os quais foram precificados pela administração com base em premissas diversas, tais como a estimativa de valores incontroversos e projeções de cenários e probabilidades de êxito nos desdobramentos nas discussões acessórias do atual processo de execução judicial e liquidação de sentença, além dos fluxos de caixa projetados, estimativas e premissas mercadológicas e operacionais”, disse o auditor no seu parecer.
Nas demonstrações financeiras, o Will afirma que a avaliação dos ativos do FIDC está amparada em pareceres jurídicos e conta com o aval de uma empresa de auditoria “Big 4”, que não foi nomeada.
“Não obtivemos evidência de auditoria apropriada e suficiente em relação à mensuração do valor justo do FIDC AZO e, consequentemente, do valor recuperável dos saldos a receber junto aos ex-controladores”, disse a Deloitte.
Diversos ajustes contábeis
Além do plano para garantir a solvência, o termo comparecimento firmado com o BC em julho de 2023 passou um pente fino nas contas do Will, que acabou resultando em diversas baixas contábeis.
Parte delas foram pequenos: R$ 3,8 milhões por saldos atrelados a CPFs em situação irregular e R$ 6,7 milhões clientes com histórico de prejuízo no Sistema Financeiro Nacional.
Um maior, no entanto, de R$ 130,5 milhões veio para ajustar a forma como o Will contabilizava empréstimos em atraso.
Outros R$ 125 milhões foram baixados para refletir o risco do FIDC Recupera, que fica com boa parte dos créditos inadimplidos da companhia – e tem o Will como único cotista.
A avaliação do BC é que o banco precisava contabilizar o risco desse FIDC de acordo com a probabilidade de recebimento, e não apenas a valor justo, como fazia anteriormente. Em dezembro de 2022, essa provisão era de apenas R$ 20 milhões.
Na época da aquisição, Daniel Vorcaro disse a diversos veículos de imprensa que vê um potencial de cross-selling relevante entre o Will e o Banco Master.
“Vamos oferecer produtos de crédito do Will para os nossos clientes do Credcesta – que hoje não têm nem conta bancária nem cartão – e outros produtos nossos, como seguros e FGTS, para os clientes do Will. Além dessas sinergias, vamos implementar um novo plano de expansão do Will.”
O Credcesta é um cartão de benefício consignado, para aposentados e pensionistas do INSS.
Além disso, outro interesse do banco no ativo foi o DNA tecnológico do Will, “que permite acelerar o desenvolvimento de novos produtos baseados em cartão de crédito, débito, empréstimo, captação, consignado e outros serviços financeiros”, disse o presidente de varejo do Master, Augusto Lima.
Para fazer frente a um crescimento vertiginoso de captação e ativos, o Master vem ressaltando que pretende chegar a R$ 5 bilhões de patrimônio líquido ao fim do ano. Em abril, esse valor era de R$ 3,7 bilhões.
Parte dos recursos virão da compra do Voiter, antigo Indusval, voltada para reforçar o braço de atacado do banco.
Os controladores já se comprometeram a fazer um aporte de R$ 400 milhões e o restante deve vir por conta do lucro do banco, disse Vorcaro ao Valor no começo do ano.
Ainda que pequeno perto do tamanho do Master, o Will deve contribuir negativamente para o plano – ao menos na largada.
Procurado para falar sobre o seu plano para reverter a situação do Will Bank, o Master não quis se pronunciar.
Mansur, CEO da REAG disse se trata de uma “aquisição conjunta” e que, além de ativos não operacionais que julgava valiosos no balanço do Will, vai usar a tecnologia de contas digitais para o braço de wealth management.
A aquisição efetiva do Will ainda depende do aval do Banco Central.