“Selic a 2% disparou uma busca desesperada por mais retorno. A bolsa foi o ativo preferencial, mas surgiram alternativas, inclusive, fundos ilíquidos”, diz Marcelo Cabral, da Neo (Divulgação/Divulgação)
Angela Bittencourt
Publicado em 8 de setembro de 2021 às 11h50.
Última atualização em 8 de setembro de 2021 às 18h33.
Números não mentem para o bem ou para o mal. 8 é quatro vezes 2. E 2021 poderá comportar os dois algarismos que, atualmente, são referência de Selic. Em março, a taxa estava em 2%, agora está em 5,25% e poderá chegar a 8% ou mais em dezembro – em nove meses estará multiplicada por quatro. A velocidade do ajuste é impressionante, rara e não garante, necessariamente, juro acima da inflação que anda em velocidade de cruzeiro. E tamanha correção de taxa terá repercussão em vários segmentos do mercado financeiro – do crédito aos investimentos – e vai exigir sangue-frio de bancos, gestores, aplicadores e tomadores. Não escapa ninguém. Ao EXAME IN, gestores da Azimut, Neo e Opportunity detalham os cenários.
Para além do juro pesa, sobre os investimentos, a tensão política agravada com os discursos do presidente Jair Bolsonaro em novos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), nas manifestações de domingo, 7 de setembro. Ontem, quarta-feira, o Ibovespa caiu 3,78%, para 113.412 pontos. O dólar saltou 2,89%, para R$ 5,32.
O custo do crédito vai subir e inovações propostas pelo Banco Central (BC) – como novas regras para recebíveis de cartões de crédito e futuramente recebíveis de duplicatas, modalidades que, em julho, movimentaram juntas quase R$ 80 bilhões – poderão dar um alívio ao setor de serviços e às pequenas e médias empresas em função do compartilhamento das agendas de faturas utilizadas para garantir crédito. Por ora, os ajustes são discretos. A taxa média no crédito saiu de 18,4% em dezembro passado, para 20,4% em julho, dado mais recente do BC. O spread, margem de ganho dos bancos, ficou praticamente estável em 14,6%. Em julho, porém, a Selic ainda estava em 4,25% ao ano – a metade do que algumas instituições projetam para o fim do ciclo de alta no primeiro trimestre de 2022.
Nos investimentos, ninguém duvida, a arrancada da Selic aumenta a atratividade da renda fixa. Mas o novo patamar do juro nominal – com margem real ainda negativa – será suficiente para provocar um retrocesso na migração de investidores para a bolsa ou ativos alternativos?
Entre a Azimut, Neo e Opportunity há consenso de que o processo de democratização dos investimentos, que levou a uma explosão de pessoas físicas na bolsa, não sofrerá retrocesso, mas um freio é esperado. É fato, que o apelo das ações disparou na cadência de queda do juro para níveis inéditos no Brasil. Investidores correram para ações; embarcaram em IPOs; em private equity, de olho no pujante segmento de startups; e avançaram até mesmo às criptomoedas.
“Na minha visão, a alta do juro vai segurar o processo de expansão na renda variável. Não creio em retrocesso. Mas, sem dúvida, uma redução significativa no ritmo de expansão porque, na margem, a renda fixa se torna bastante competitiva no nível esperado para a taxa de juros”, pondera Marcos Mollica, gestor de Multimercados do Opportunity, para quem a participação da renda variável – entre as demais aplicações no país – ainda é muito pequena para padrões internacionais.
Mollica, que vê IPCA a 4,50% em 2022 e Selic a 8% em dezembro deste ano, entende que, no Brasil, observamos uma mudança estrutural que não vai se alterar com variações conjunturais na taxa de juros. “No entanto, acho que os juros jogam água fria na euforia. A onda de ofertas públicas iniciais de ações, os IPOs por exemplo, deve esfriar substancialmente nos próximos meses. E, além dos juros, sobre os IPOs pesa o aumento da incerteza com a aproximação das eleições.”
Ao EXAME IN, Han Kim, responsável por investimentos, e Carolina Taira, portfolio manager da Azimut Brasil Wealth Management, afirmam que Selic a 8% significa, sim, maior atratividade para ativos de renda fixa pós-fixados e um custo de oportunidade maior na alocação de risco. “Como alocadores precisamos acompanhar os fluxos que deverão naturalmente migrar para renda fixa pós-fixada e lidar com o impacto nos preços decorrentes dessa migração. No entanto, as decisões relacionadas aos percentuais de alocação devem ser baseadas na expectativa de retorno de cada classe de ativos aliada ao perfil de risco do cliente. Historicamente, ativos bem selecionados nas classes de maior risco dão retornos acima do CDI mesmo em cenários de taxa de juros elevadas.”
Para a Azimut, as carteiras diversificadas com boa seleção de ativos continuarão agregando valor para os clientes no longo prazo. “Mudanças de política monetária, mesmo contracionistas, trazem boas oportunidades de investimentos principalmente para os gestores que conseguirem fazer uma leitura mais correta dos movimentos decorrentes dessas mudanças”, diz Kim.
Carolina Taira avalia que a Selic mais alta vai impactar custos de capitalização das empresas e custos de oportunidade para investidor. No entanto, sempre haverá boas oportunidades de IPOs para negócios sólidos com boas perspectivas de recebimento de fluxos futuros. A executiva do Azimut reconhece que Incertezas relacionadas à política fiscal, às reformas estruturantes e às questões políticas têm impacto mais direto sobre o comportamento da bolsa e potenciais ofertas de ações.
Marcelo Cabral, CEO da Neo Investimentos, relata que Selic a 2% disparou um movimento coletivo em busca de mais retorno para as aplicações financeiras. “A bolsa foi o ativo preferencial, mas surgiram outras alternativas. Inclusive, fundos ilíquidos. Assistimos a plataformas de investimento para pessoas físicas oferecendo Federal Funds e Private Equity, oportunidades que até pouco tempo atrás estavam voltadas para investidores com horizonte de aplicação de 20 anos. Hoje, essas ofertas de investimento são comuns. E alguns desses fundos oferecem, inclusive, ferramentas garantindo liquidez a essas operações após três anos do início da aplicação E isso acontece porque os gestores sabem que os clientes em geral não têm fôlego para ficar anos sem retorno.”
Para o CEO da Neo, nesse contexto de busca por retorno há aplicação inovadoras em startups e criptomoedas “porque a taxa básica desapareceu. O risco, porém, nunca desaparece. Ele está nos excessos”.
Apesar da alta do juro, Cabral não vê retrocesso no interesse e disposição dos investidores transitarem na renda variável. “Não vejo inversão de cenário porque a Selic vai bater 8% ou 10%. Trabalhamos com Selic de 7% ou 7,5%, taxa que comporta a inflação mais um juro, considerando um quadro de estabilidade fiscal no longo prazo e remuneração mínima de capital no curto prazo. Porém, o cenário pode mudar pela política porque é a decisão do que fazer com o arcabouço fiscal é uma decisão política em suas várias esferas. E, no médio prazo, são essas decisões que levarão mais empresas ao mercado ou se o brasileiro sairá de 99,9% que mantém na renda fixa, seguindo para a renda variável ou investimentos como imóveis, startups ou até criptomoedas. Mas a regra é clara: alguns vão perder e alguns vão ganhar. A democratização que estamos tendo nos investimentos não vai mudar.”
O CEO da Neo reconhece, entretanto, que em momentos de crise há um dinheiro desesperado em busca de retorno que acaba migrando para inovações financeiras,” sendo algumas excelentes ideias”. Ele pontua que esse movimento foi muito forte em direção às startups e não em pequenas iniciativas. “Grandes empresas estão montando grupos e outras vezes adquirindo pequenas soluções em busca de inovações que coloquem o cliente no centro de suas prioridades. E esse movimento é excelente para gerar valor para o investidor, mas há muito exagero”, alerta.
Na onda de IPOs que o mercado surfa há muita coisa boa, mas também muita coisa ruim, avalia Marcelo Cabral. “Mas os preços não são muito diferentes a despeito da diferença de qualidade dos papéis. Há um exagero nos ativos, mas que não é homogêneo. Os ativos em geral estão hoje com uma taxa de retorno intrínseca baixa. Conforme a Selic vai aumentando no curto e no longo prazo, como estamos assistindo, os ativos vão se ajustando como um todo. E isso não quer dizer que não temos ativos baratou ou absurdamente caros. Hoje, ainda estamos com exageros em valuation que são irreais. Uma correção ocorrerá.”
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