Americanas: conversas passaram a ser feitas um a um com credores (Gustavo Lacerda/Reuters)
Editora Exame IN
Publicado em 2 de março de 2023 às 16h27.
Última atualização em 2 de março de 2023 às 16h47.
A discussão sobre o plano de recuperação para a Americanas (AMER3) avançou nos últimos dias e, finalmente, o trio de sócios Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles entendeu que vai mesmo ter de aumentar o volume de capital a ser colocado na companhia. Já está compreendida a mensagem de que R$ 10 bilhões é o número mágico que pode fazer a negociação deslanchar de vez, conforme o EXAME IN informou aos leitores já no dia 17 de fevereiro. No dia 20 de março, a companhia precisa apresentar à Justiça um plano. Não é necessário um plano definitivo, mas é obrigatório que haja um. A novidade mais recente é que tudo caminha para que até lá haja um esboço atualizado ao compasso das conversas. Ou seja, já diferente, nos volumes financeiros, daquele que foi levado aos credores no mês passado e que trazia uma proposta de aporte novo de R$ 6 bilhões pelo trio.
Dos R$ 43 bilhões em compromissos listados pela companhia no processo, R$ 36 bilhões são dívidas com bancos, detentores de debêntures e de títulos emitidos no mercado externo.
Desde a grande reunião com credores realizada no dia 15 de fevereiro, Luiz Muniz, do Rothschild, e também Roberto Thompson, um ex-sócio do trio e uma espécie de representante direto, conduziram encontros com os credores. As conversas foram mais um a um. A percepção é que as apresentações coletivas, dada a animosidade que havia entre bancos e acionistas, criavam um ambiente mais propício a reações dramáticas do que a debates produtivos.
O valor final do aporte dos sócios não está cravado na pedra, mas está melhor encaminhado. Ainda também não está definido — e essas são as próximas conversas — como o dinheiro será colocado no caixa da Americanas. Para que tudo seja em ações, significaria que o valor das dívidas que os bancos usariam para trocar por participações acionária também aumentaria.
Está claro para todos os envolvidos nas negociações que nem o trio, nem os bancos querem sair da recuperação judicial “donos” da Americanas. Assim, segue em aberta a possibilidade de que parte dos recursos de Sicupira, Lemann e Telles seja colocada na forma de dívida subordinada, conforme o EXAME IN apontou no mês passado.
Para os credores, o que foi oferecido antes era uma recompra de até R$ 12 bilhões em dívida (valor de face), com desconto, mais a troca de cerca de R$ 8,5 bilhões por participação acionária e de R$ 9,5 bilhões por dívida subordinada. Outros R$ 6 bilhões seriam as dívidas que ficariam na empresa e que seriam substituídas em prazos e condições adequadas ao fluxo de caixa do negócio. Uma injeção de capital maior pelo trio deve mudar essa composição, mas a estrutura não deve sofrer alterações muito significativas.
Dívidas subordinadas são consideradas um instrumento híbrido entre dívida e capital, uma vez que são compromissos de longuíssimo prazo — acima de 10 anos de vencimento — e cujo custo não gera pagamento intermediário. Os juros são acruados, incorporados, ao total ao longo do tempo, sem onerar a empresa com saídas de caixa recorrentes.
Não que as conversas serão fáceis daqui para frente e que tudo esteja garantido, mas a situação já é bem melhor do que o começo das tratativas. A solução financeira, contudo, não resolve a situação de governança da Americanas. A construção de narrativas e de versões sobre como a fraude foi engendrada segue mais viva do que nunca.
O EXAME IN apurou que o trabalho do Comitê Independente que está investigando os acontecimentos dentro da empresa está apenas no começo. Não restam dúvidas sobre fraude nas contas por parte da administração executiva — mas não se sabe quais ou quantos os responsáveis. Já o envolvimento ou a ciência do conselho de administração, parcial ou integralmente, não está nem próxima de ser esclarecida.
Tudo que se sabe, conforme divulgado ainda em janeiro, é que o comitê de auditoria havia feito questionamentos sobre a existência de risco sacado à administração. O fato de as perguntas terem sido feitas, segundo especialistas, pode ser um bom sinal, mas não representa garantia de que os conselheiros e membros dos comitês agiram de forma comprometida com seus deveres de diligência ou que não tinham conhecimento das práticas. Existir perguntas e respostas em atas não significa necessariamente questionamento ou debate, preocupação genuína com o tema. Somente a investigação do conjunto de documentos da companhia e mais as entrevistas com os envolvidos é que poderão trazer luz sobre os acontecimentos.
O esforço do comitê não será pequeno, nem rápido. Estão sendo levantadas informações de muitos anos, quase uma década, período no qual houve muitas formações do conselho de administração e do comitê de auditoria. Tampouco estão descartados outros problemas contábeis relacionados a fornecedores. E tudo isso é trabalho dobrado. A empresa “Americanas” existe apenas a partir de dezembro de 2021. Antes disso, havia duplicidade de órgãos e de contabilidade, pois eram listadas na B3 a Lojas Americanas, dona da estrutura de lojas físicas, e a B2W, responsável pelo comércio online, união entre Americanas.com e Submarino.
A única coisa certa de verdade até o momento é que, para ter chance de sobrevivência, a Americanas precisa de um plano de recuperação antes da conclusão das investigações. Ainda que o trio possa estar preocupado com esses trabalhos para as repercussões sobre reputação, não poderá se esconder atrás dessa questão para assumir a responsabilidade pelo futuro da empresa. A Americanas é o primeiro investimento relevante de Sicupira, Lemann e Teles na dita “economia real”, realizado há 40 anos. É do tempo em que eram conhecidos como banqueiros, não como empresários.