Aumento do comércio eletrônico na pandemia fez brasileiro preferir varejistas nacionais, no lugar de Amazon e Mercado Livre (NurPhoto / Colaborador/Getty Images)
Graziella Valenti
Publicado em 16 de julho de 2020 às 08h25.
Última atualização em 16 de julho de 2020 às 16h35.
O coronavírus não fez pela Amazon no Brasil o mesmo que fez pela gigante nos Estados Unidos. Na Nasdaq, o valor da empresa foi catapultado a 1,5 trilhão de dólares, com uma valorização de 70% no ano — sozinha, ela vale duas vezes o valor somado de todas as companhias abertas brasileiras. Mas, por aqui, o desempenho comercial não teve esse mesmo ritmo. A empresa perdeu participação na preferência dos consumidores quando se avalia os downloads de aplicativos entre varejistas. A lógica de que as vanguardistas do comércio eletrônico seriam beneficiadas na crise não valeu para ela no mercado local na mesma intensidade. Na briga com Mercado Livre, Magazine Luiza, B2W e Via Varejo, sua fatia caiu dos 7% registrados em fevereiro para 5% em abril.
O levantamento leva em consideração as movimentações no Google Play e foi feito pelo time de analistas do Itaú BBA liderado por Thiago Macruz. Todas as empresas tiveram aumento no total absoluto de downloads, a distribuição entre elas é que mudou. Magazine Luiza e Via Varejo comeram a fatia da americana. Mas ninguém sabe se o comportamento é definitivo. Quem também perdeu com a redistribuição causada pela pandemia foi o Mercado Livre, que saiu de 29% dos downloads em fevereiro para 23% em abril.
Como parte da análise de valor das companhias, a equipe estuda as redes sociais. Na opinião de Macruz, elas apontam tendências que, no fim das contas, se verificam nos resultados dos negócios e, portanto, em seu valor. O levantamento aponta que a pandemia foi especialmente importante para as brasileiras. O aplicativo da Magalu, como é conhecida a companhia de Luiza Helena Trajano, subiu de 22% para 27%, na mesma comparação que as demais, enquanto a empresa tocada pela família Klein aumentou de 15% para 18%.
Macruz destaca que em uma janela de tempo maior, a Via Varejo teve maior evolução. Até a Black Friday, que acontece tradicionalmente em novembro, a companhia não alcançava dois dígitos na preferência, variando entre 6% e 8%. No mês das giga-promoções, essa fatia alcançou 12% e continuou subindo. Os downloads estão ajudando a empresa a melhorar a penetração de seus aplicativos neste ano. A presença nos aparelhos móveis do país subiu de 6,5% para 8,2%. A companhia ainda tem uma das menores participações, mas foi a que mais cresceu nesse quesito durante a pandemia.
O analista também acompanha de perto as inteirações das companhias nas redes sociais. Em especial, a da Via Varejo, para verificar se a reestruturação que foi colocada em marcha a partir de junho está no caminho certo. Essa reviravolta é capa da edição desta quinzena Revista EXAME. Os indicadores avaliados por Macruz mostram um avanço expressivo da atividade na empresa, mas também que caminho a percorrer na satisfação dos clientes ainda é longo. “Ainda não é hora de esperar resultado. Ele tem que vir, mas agora é preciso ver se a direção está correta. A empresa está no começo de um processo.” Quando se observa a atividade da companhia nas redes sociais nos últimos três anos, 56% está concentrado no último ano. E, segundo Macruz, neste ano o aumento é ainda maior.
Só que na medição dos últimos três anos, Magazine Luiza é que tem o feedback mais positivo nas redes, com 55% das reações positivas. É única que tem mais da metade dos feedbacks favoráveis. Na Via Varejo, por exemplo, 68% das inteirações são negativas — desempenho que só é melhor que Mercado Livre e B2W. Um olhar mais aberto desses três anos mostra que Amazon é quem tinha a melhor percepção do cliente em 2017, mas foi ultrapassada pela Magalu ainda em 2018 – que manteve a liderança desde então. Em Magalu e Via Varejo, ainda que em intensidades bem diferentes, o calcanhar de Aquiles é o mesmo: o pós-venda. Ao menos, essa é a história que contam os clientes que se manifestam em redes sociais sobre as empresas.
Todos esses dados acompanhados pelo Itaú BBA são considerados KPIs, a sigla da moda em gestão. Todo mundo quer medir o seu. Na tradução livre, significa indicadores-chave de performance. Dentro das empresas, todo mundo bisbilhota os KPIs da concorrência. Quando em 1952 Samuel Klein fundou a Casas Bahia, marca mais importante da Via Varejo, não havia inteligência artificial, banco de dados. O KPI quem tinha era o olho do dono. Era a tal da barriga no balcão que fazia diferença. Agora, é desses microdados que não se pode desgrudar a visão — e os da Via Varejo não iam nada bem.
Michael Klein, seu filho, conduziu no ano passado a volta da família como principal acionista do negócio — depois de ter ficado sob controle do empresário Abilio Diniz, dono do Grupo Pão de Açúcar, e da rede francesa Casino, em seguida. A família hoje não é mais dona, mas com 22,75% das ações é o que o mercado chama de acionista de referência, pois tem a maior participação da empresa.
Há pouco tempo, Raphael Klein, neto do fundador, assumiu a presidência do conselho de administração. De lá, acompanha como a nova direção executiva está virando tudo do avesso para tentar colocar a empresa na rota do mundo digital.
Em breve entrevista por email a EXAME, Michael Klein disse que quis “salvar o legado da família”, que são os valores disseminados pelo seu pai. E mostrou que está ciente de que o jogo mudou, mas seus objetivos continuam bem parecidos com aqueles existentes desde a fundação em São Caetano do Sul. “A transformação digital é uma realidade, há alguns anos, em vários setores da economia, no Brasil e no mundo. É uma evolução natural do comércio. A revolução digital transformou a forma de se fazer negócios e se relacionar com os clientes”, admite.
Mas o que mais repete em sua fala é que o cliente é o rei. “Isso não pode ser diferente no online e no offline.” Quando questionado sobre qual o futuro quer para o negócio, disse que nada além da perpetuidade no varejo brasileiro. “Quero que a Via Varejo seja a primeira a ser lembrada pelas famílias no atendimento ao público.” O desafio da nova administração é fazer com que essa memória seja boa.