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Alpargatas: os desafios de sucessão de liderança que não cabem em um só cargo

Simplificação no portfólio de marcas, como foco em Havaianas, não reduziu a complexidade do negócio

Alpargatas: prejuízo de R$ 200 milhões no primeiro trimestre (Kai Hendry/Wikimedia Commons)

Alpargatas: prejuízo de R$ 200 milhões no primeiro trimestre (Kai Hendry/Wikimedia Commons)

Graziella Valenti
Graziella Valenti

Editora Exame IN

Publicado em 5 de maio de 2023 às 11h06.

Última atualização em 5 de maio de 2023 às 11h18.

O balanço da Alpargatas (ALPA4), dona da Havaianas e acionista da Rothy’s, divulgado ontem à noite estampa com cores fortes o tamanho do desafio da companhia e os motivos da necessidade da revisão da liderança, até então conduzida por Roberto Funari – que assumiu como CEO após a aquisição do controle por Itaúsa e Cambuhy, os veículos de investimentos não financeiros das famílias Setúbal e Moreira Salles.

Desde que os novos donos chegaram, a empresa se concentrou na marca Havaianas. Mas o resultado não foi simplicidade, como poderia parecer. E, na visão de investidores de mercado e alguns poucos analistas que acompanham a empresa na bolsa, mexer só no corpo executivo – Funari renunciou ao cargo há duas semanas — talvez não seja suficiente para lidar com as complexidades hoje envolvidas no negócio. Talvez seja necessário pensar inclusive em um conselho mais diverso, para lidar com a soma de necessidades que a empresa possui e que dificilmente vão se encerrar em só nome.

A companhia teve prejuízo de R$ 200 milhões entre janeiro e março, comparado a um lucro de R$ 21 milhões em igual período de 2022. Os detalhes de como se chegou a essa conta final importam mais do que o número em si: houve queda de 2,7% na receita líquida, para R$ 902 milhões, com redução de 8% no volume vendido. O Ebitda recuou 63%, para R$ 62 milhões – a margem encolheu de 18% para 7%.

A companhia afirma que 40% dessa redução veio da desalavancagem operacional, ou seja, perda de eficiência gerada por vendas menores. A diferença reflete uma combinação de aumento dos gastos com marketing (30% maiores), tecnologia e consultorias. E esse Ebitda não considera ainda a provisão de quase R$ 270 milhões da venda da operação da Argentina para lidar com o calote de Carlos Wizard no pagamento.

Com esse quadro, deu para entender por que a reunião do conselho de administração, na semana retrasada, foi o clímax sobre o futuro de Funari. De forma consensual com a visão do colegiado, o executivo renunciou ao cargo – o anúncio ocorreu no dia 26. O conselheiro Luiz Fernando Ziegler de Saint Edmond assumiu a presidência interinamente. A troca foi a jato. Funari ficou apenas até quinta-feira da semana passada.

A boa notícia é que o diagnóstico está bastante claro para os acionistas. A mensagem da administração que acompanhou a divulgação do resultado do primeiro trimestre deste ano é a prova disso. “As iniciativas de expansão de geografias, canais e categorias, em que pese terem aberto importantes novas avenidas de crescimento, também trouxeram novos desafios, traduzidos sobretudo em um aumento de complexidade para os processos internos e na estrutura organizacional”, diz o texto. Mas não significa que a tarefa daqui para a frente será fácil. “Diante desse cenário, nos concentraremos em poucas alavancas de crescimento, redução de custos e despesas e simplificação de estruturas”, já avisa a companhia.

Funari fez ajustes para lá de relevantes na Alpargatas. Conduziu a venda de ativos considerados fora do core business, concentrou a operação em Havaianas, e colocou a companhia em uma direção digital e rumo ao contato com o consumidor. No meio da pandemia, os investidores chegaram mesmo a acreditar que havia feito tudo que a empresa precisava. O valor em bolsa da companhia passou de R$ 20 bilhões. Agora, está avaliada em R$ 5,5 bilhões – de volta ao mesmo preço de quando Itaúsa e Cambuhy assumiram o controle da empresa.

Tudo isso, porém, trouxe uma grande complexidade à operação e, de alguma maneira, o que estava sendo feito na ponta final da distribuição não foi acompanhado de ajustes industriais. O resultado é que a empresa perdeu eficiência de produção e, com isso, gerou problema nos canais. A venda massiva nos canais alimentares – grandes supermercados e hipermercados – ficou descuidada. O problema é que mesmo com venda online, lojas dedicadas, pop-ups e outras iniciativas, as grandes redes varejistas são de extrema importância para alavancagem operacional pelo volume que representam.

Embora o desafio nos Estados Unidos tenha se tornado um assunto para lá de recorrente nos balanços de 2022 para cá, a verdade é que acessar esse mercado de forma eficaz, com força de marca e distribuição, sempre foi um desafio. Já na Europa, onde os produtos se tornaram itens de desejo, houve problemas novos. Para completar, tudo ficou mais sofisticado com a decisão da empresa de ampliar o leque de produtos, partindo para moda têxtil.

Uma só andorinha nunca fez verão

Encontrar um talento que possa assumir o leme da Alpargatas e resolver todas essas frentes não será um desafio simples. O conselho de administração da companhia terá um duro processo de seleção pela frente. E assim como provavelmente não exista uma só pessoa capaz de colocar tudo em ordem, também não é possível afirmar que os desarranjos foram todos produzidos por Funari sozinho. Mais uma vez: a empresa tem dono e ativo, o que é bom.

E, entre os investidores, de longa data do negócio, a percepção é que no meio de tanta coisa para arrumar há uma coisa no lugar certo: os controladores. A companhia finalmente possui agora donos presentes que acompanham muito de perto o negócio. A Alpargatas ficou durante anos nas mãos do grupo Camargo Corrêa – esse mesmo, do setor de construção! – e era um negócio obviamente nada central. Depois disso, passou uma temporada curta com a J&F, dona da JBS. A percepção de valor da Havaianas é tamanha que ajudou com muita rapidez a resolver duas crises da Operação Lava-Jato e seus desdobramentos: garantiu liquidez de recursos tanto para Camargo como, poucos anos depois, para o grupo da família Batista.

Desde que Carla Schmitzberger transformou a Havaianas de um chinelo popular em um acessório desejado de moda, no Brasil e em muitos outros países, o produto não perdeu status. A executiva foi responsável pela marca durante muitos anos dentro da gestão do ex-CEO Márcio Utsch e saiu após a compra pela JBS, após mais de uma década na companhia. Hoje, dedica-se à participação de alguns conselhos de administração, como da Natura &Co. Contudo, a companhia não chegou a uma versão madura de estratégia, que combine indústria, tecnologia e consumo. Essa combinação, aliás, vem sendo um desafio de diversas grandes marcas.

Apesar do conforto de a Alpargatas ter um dono forte e presente, não significa que todas as engrenagens de governança estejam em seu nível ótimo. O conselho de administração da empresa é percebido como excessivamente concentrado em membros com conhecimento financeiro. Falta uma combinação mais diversa, na qual estejam presentes talentos industriais, de marketing, moda e até posicionamento digital para marcas de consumo.

A formação eleita recentemente é composta de oito membros. Desse total, seis representam controladores e acionistas (Silvio Tini) e apenas dois – o próprio Edmond (ex-CEO da Ambev) — e mais Staecy Brown (diretora de varejo da Apple) são independentes convidados.

O sucesso da Alpargatas talvez seja, cada vez mais, um conceito maior de time do que de um só capitão.

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