Setor de Higiene e Limpeza, Perfumaria e Cosméticos defende essencialidade na reforma tributária e quer justiça fiscal (AFP/AFP)
Angela Bittencourt
Publicado em 20 de julho de 2021 às 18h11.
Quatro dos seis continentes foram atacados pelo Sars-Cov-2 e seus quatro filhotes: Alfa, do Reino Unido; Beta, da África do Sul; Gama, do Brasil; e a popular Delta que surgiu na Índia e já coloca governos em polvorosa pelo rápido contágio quando a pandemia parece sob controle. Mas se a Covid-19 mudou com as variantes, a recomendação preventiva contra a doença continua a mesma: lave bem as mãos com água e sabão ou higienize-as com álcool gel, sem esquecer de higienizar bem todos os objetos usados e tocados e use máscara. O mantra levou às alturas o consumo de álcool em gel – produto cuja venda explodiu no Brasil e que está na linha de frente da mobilização de um setor industrial inteiro contra a reforma do Imposto de Renda nos termos colocados pelo relator, deputado Celso Sabino.
No Brasil, as vendas do álcool em gel dispararam 808% em 2020, ante o ano anterior, informa a Associação Brasileira da Indústria de Higiene e Limpeza, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), que reúne empresas do terceiro setor mais tributado no país, perdendo apenas para tabaco e combustíveis, e “completamente surpreendido” pelo relatório preliminar do deputado que, a princípio, deve ser votado em agosto, na retomada dos trabalhos no Congresso após o recesso parlamentar em curso.
“Não entendo o conceito de carga tributária que o governo adota, de essencialidade. No início da pandemia fomos considerados, por decreto, produtos essenciais. Essa condição fez com que nossas fábricas não parassem pela importância das categorias de produtos que fabricamos”, diz João Carlos Basílio, presidente executivo da ABIHPEC em entrevista ao EXAME IN, que alerta para os impactos que o setor poderá sofrer com mudanças sinalizadas no parecer da reforma do IR.
O executivo recorda que o governo enviou sua proposta de reforma do IR ao Congresso em 26 de junho e, em 13 de julho, o relator apresentou um texto completamente diferente do projeto do governo. “A proposta do governo falava de reforma do IR, mas o relator mexe com o PIS e Cofins que estão sendo discutidos em outro projeto – o da reforma tributária. E uma questão que se coloca é tirar o setor do tratamento tributário monofásico, imposto há mais de vinte anos, quando, na ocasião, o governo (também sem discussão) chamou o setor para contribuir para uma renúncia fiscal que aconteceria com o lançamento dos medicamentos genéricos”, diz Basílio.
Consultado pelo EXAME IN, o advogado Douglas de Oliveira, especialista em Direito Empresarial e sócio do escritório Oliveira, Vale, Securato & Abdul Ahad Advogados, explica que o ‘regime monofásico’ consiste na cobrança dos tributos de maneira concentrada. Isto é, a indústria já recolhe os impostas das demais fases da cadeia produtiva. “Essa sistemática de recolhimento, geralmente se justifica em cadeias comerciais pulverizadas e de difícil fiscalização”, explica. “Imagine, por exemplo, se a Receita Federal tivesse que fiscalizar o recolhimento e apuração do PIS e da Cofins de cada vendedor de produtos de limpeza, cosméticos e de perfumaria. Certamente, seria impossível, senão improvável, que a Receita conseguisse fazer isso sem gastar mais para fiscalizar do que a arrecadação pretendida. Justamente por isso, em alguns ramos industriais, o recolhimento se dá logo no começo da cadeia produtiva, pois ajuda a fiscalização o contribuinte”, afirma o especialista.
O especialista esclarece que o relatório preliminar apresentado pelo deputado Celso Sabino propõe a revogação da tributação em ‘regime monofásico’ de alguns setores. “Se aprovada essa proposta, a tributação passa a ser realizada de acordo com a regra geral do PIS e Cofins, ou seja, regime cumulativo para as empresas no Lucro Presumido e não-cumulativo para as empresas no Lucro Real”, diz Oliveira. O advogado lembra que na primeira fase da reforma tributária, o governo propôs a união do PIS e da Cofins em um único imposto, a CBS. Com essa sistemática de apuração [ainda não aprovada no Congresso], cada contribuinte apuraria o tributo com alíquota de 12% sobre o valor adicionado pela empresa, em um sistema de débitos e créditos mais transparente e, em tese, menos litigioso. “Há um alinhamento das duas propostas. O que não pode acontecer, é ser aprovado um projeto e não ser aprovado o outro”, alerta o advogado Douglas de Oliveira.
A ABIHPEC, que reúne indústrias hoje no sistema monofásico de tributação com mais de 800 mil pontos de venda no país, segue tentando expor sua posição ao relator Celso Sabino. “Uma reunião foi agendada, mas cancelada. Estamos conversando diariamente com o seu gabinete, mas há problema de agenda. Também pedimos reunião com o Ministério da Economia e Receita Federal, mas ela não aconteceu”, diz Basílio para quem as mudanças feitas pelo relator na proposta de reforma do IR “levam a um evidente aumento de carga tributária. Estamos estudando os impactos, mas o sentimento das principais empresas é de que o aumento será grande”.
Segundo Basílio, presidente executivo da Associação, o setor vem procurando controlar o reajuste de preços dos produtos, apesar do aumento de custos. “Há demanda por reajustes, mas também uma preocupação em fazer ajustes escalonados. Estamos em um período em que a inflação está saindo do controle. O IPCA em 12 meses até junho somou 8,3%. O setor contribui com 1,5 a 2 pontos percentuais na inflação e não somos o que colabora para o aumento da inflação até porque há o acirramento da concorrência. As empresas do setor sabem que perder ‘market share’ é muito fácil e rápido, reconquistar é muito difícil.”
O executivo reforça que a concorrência é saudável e que o setor trabalha para que ela ocorra de forma a atender consumidores com preços mais acessíveis. “Sempre incentivamos a concorrência, mas queremos justiça fiscal. Não é possível que um setor tão importante, de participação tão expressiva para o bem-estar do indivíduo, seja prejudicado. Sem contar que 94% do que consumimos nessa área é produzido no país. E sabemos que teremos que contribuir com a renúncia fiscal que existirá na reforma do Imposto de Renda. A favor do setor há uma característica: somos muito resilientes. Afinal, não dá para não lavar as mãos.”
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