Beto Abreu: "Não gosto de apostar contra a China, Eles são bem coordenados em movimentos econômicos" (Germano Lüders /Exame)
Repórter Exame IN
Publicado em 2 de setembro de 2024 às 15h37.
Última atualização em 2 de setembro de 2024 às 15h40.
Desde julho à frente da Suzano, Beto Abreu, como é mais conhecido José Alberto Abreu, tem olhado mais para fora.
A chegada do executivo veio em meio às tratativas para a aquisição da International Paper, uma transação de ao menos US$ 15 bilhões, que acabou não saindo do papel muito por conta do preço.
Mas, mesmo que com movimentos menos superlativos, a internacionalização é uma das rotas para gerar valor na gigante de papel e celulose.
Foi essa a razão para as aquisições recentes de duas fábricas de papel cartão revestido e não revestido da Pactiv Evergreen, nos Estados Unidos e de uma fatia de 15% da Lenzing, uma fabricante austríaca de celulose solúvel e tecidos.
“Agnóstica” quanto aos novos países de atuação, a Suzano estuda, segundo Abreu, ativos que tenham possibilidade de escalar.
“Não faz nenhum sentido entrar em um negócio que vá manter exatamente do jeito que ele está. Se não conseguirmos aumentar e ganhar escala, não faz sentido”, aponta.
Depois de cinco anos na Rumo, de logística, o executivo chega com a missão de comandar o crescimento da Suzano quando a empresa começa a operar uma das apostas mais altas da sua história: o Projeto Cerrado, maior linha de produção de celulose do mundo e destino de nada menos do que R$ 22 bilhões de investimentos.
O investimento elevou a alavancagem da Suzano nos últimos anos, mas agora promete ser uma potente injeção de recursos. Com custo mais baixo de produção, o novo ativo deve aumentar não só a capacidade, mas a rentabilidade da Suzano, um fator relevante no momento em que os preços da celulose estão em queda.
Mas Abreu segue confiante com o mercado externo. Nos Estados Unidos, temor de recessão é tema do passado, diz ele, e na China, um dos maiores mercados de celulose, o quadro não é tão negativo quanto creem os mais pessimistas. “Quando se fala em Ásia aí é que o crescimento acontece.”
Leia os principais trechos da entrevista:
Como é a sua visão de gestão para Suzano e o que a sua experiência prévia na Rumo traz para essa nova liderança?
Acredito que a escuta, a construção, o respeito e trazer o time junto são os fatores que criam uma organização na qual o processo de colaboração e criatividade seja acentuado. E isso, na minha visão, vale para qualquer empresa.
Talvez a diferença é que, na Rumo, depois da aquisição (da Ferrovia Norte-Sul), nós tínhamos uma companhia com uma série de problemas para serem resolvidos.
A diferença aqui na Suzano é que nos dá a oportunidade de olhar muito mais o futuro e não gastar tempo resolvendo problema. Não temos questões para resolver em função do histórico de gestão que temos aqui.
Mas o que tem em comum é a certeza de que se constrói as coisas em conjunto. O super-herói está fora de moda no ambiente corporativo.
Sobre o Projeto Cerrado, há uma expectativa alta tanto no ganho de produção quanto na rentabilidade do projeto, um dos principais investimentos da história do grupo. Como ele começa a se encaixar e potencializar o plano de negócio?
A companhia construiu uma vantagem competitiva muito relevante em função do seu tamanho e da sua operação do ponto de vista de custo. Temos um custo caixa abaixo da média do mercado e grande escala. Se olharmos para a fibra curta, é um market share de praticamente 30%.
Então, com o fim do Projeto Cerrado — e a planta já está em operação — há menos queima de caixa, mas também tem mais geração em função de um crescimento de 20% do nosso volume, que é o que o Cerrado traz para o nosso negócio.
Quando considerado num prazo mais extenso, a expectativa é de uma geração de caixa importante.
A companhia desistiu da aquisição da International Paper, mas vocês têm sido vocais nas comunicações com mercado sobre o objetivo de internacionalizar a operação e fizeram aquisições recentes nesse sentido.
Temos recentemente dois exemplos importantes de internacionalização. O primeiro é o movimento nos Estados Unidos, com a aquisição de ativos da Pactiv, em Arkansas. Temos a expectativa de usar essa plataforma como um primeiro passo de cooperação nesse país e, com certeza, vai dar a oportunidade de conhecermos bastante o mercado, os desafios e as oportunidades.
Agora, sem dúvida, uma empresa com o nosso tamanho quer ativos que sejam escaláveis e quer segmentos que também sejam escaláveis, para que tenhamos, mais uma vez, a diferenciação aplicada nesses ativos que nós trazemos para o nosso portfólio. Nós temos muita disciplina financeira para não sobrepagar nenhum tipo de ativo. O objetivo é sempre geração de valor.
Vocês também fizeram a aquisição de uma fatia de 15% da Lenzing, que atua na indústria têxtil. Esse é um segmento escalável dentro dessa visão?
A Lenzing é uma empresa austríaca que é uma das líderes, uma plataforma de inovação e de tecnologia que nos interessa muito e que a gente vai trazer para o Brasil no momento adequado.
O bacana desse formato, do ponto de vista de negócio, é que temos a opção de controlar essa empresa, uma vez que o closing seja concluído. Um ano depois do closing podemos exercer o controle. É uma opção, um call para controlar a empresa. Vamos tomar essa decisão no momento adequado. Há tempo suficiente para estudar o mercado. Mas é uma outra linha de negócio, que é o mercado do têxtil, que a gente inaugura.
A Suzano tem apostado nessa diversificação de portfólio, um exemplo foi o crescimento de tissue (papel de uso higiênico e sanitário), com o movimento da compra dos ativos da Kimberly-Clark no Brasil, como a marca Neve. Qual a estratégia para tissue hoje?
Nós temos uma boa parte da nossa celulose que é convertida no tissue. Tanto nos mercados dos Estados Unidos quanto no da Europa essa é uma conversão quase que direta.
No Brasil, já temos quase um terço do segmento de tissue (além da Neve, o grupo é dono da Mimmo, Floral, La Vie Blanc e Max), além de uma participação bastante importante de papel para escrever e de papel cartão. Então nosso objetivo agora é crescer, de fato, nesses novos mercados.
Existem ativos de tissue sendo avaliados nos mercados dos Estados Unidos e Europa?
Não abrimos nossa estratégia de M&As, o que posso dizer é que somos agnósticos com relação a regiões geográficas. Mas, vale lembrar, as premissas são as mesmas de geração de valor e de muita disciplina na hora de fazer os movimentos.
Queremos entrar em negócios em que possamos ter relevância para também replicar essa vantagem competitiva e nos diferenciar. Não faz nenhum sentido entrar em um negócio que vá manter exatamente do jeito que ele está. Se não conseguirmos aumentar e ganhar escala, não faz sentido.
E quais são as categorias que vocês consideram para ampliar o mercado endereçável da Suzano?
Falamos do tissue, mas outro exemplo de consolidação é o mercado de fluff, que é usado também em vários produtos. Tem uma ampliação acontecendo no Brasil, com uma operação que começa ano que vem, em Limeira (SP). Esse é um mercado também que nós vemos um potencial de crescimento bastante relevante, além da celulose.
Mas também esperamos seguir crescendo em papel e embalagem, como esse movimento que fizemos nos Estados Unidos. São vários segmentos que vão ter suas respectivas estratégias, dependendo da região geográfica, dependendo do momento de mercado. Olhamos todos os segmentos, mas vamos nos concentrar naqueles que nós conseguimos nos diferenciar e que sejam escaláveis. Somos seletivos.
Vocês já são os maiores produtores globais de celulose e vão dar mais uma injeção de oferta com o Projeto Cerrado. Estamos num momento de preços que já não é o mais forte. Como fica esse equilíbrio?
Quando você tem um projeto dessa envergadura, mexe com o balanço de oferta e demanda global. Vamos chegar a 13 milhões de toneladas ano, que é um número bastante relevante, um crescimento de 20%. Então, isso mexe com esse balanço.
Agora, esses são projetos que são desenhados com uma visão de muito longo prazo. No setor de commodities, as oscilações de preços são normais. É parte do jogo. Então, nós vamos lidar com isso e estamos acostumados.
A gente vai ver, sim, um mercado com uma dinâmica um pouco diferente no curto prazo. Provavelmente, à medida que a demanda, que cresce um milhão e meio de toneladas por ano, continue, essas coisas vão se organizando. A chave, no setor de commodities, é ter competitividade.
Há um temor em relação à desaceleração da economia global e seu impacto sobre as commodities. Como você está vendo o cenário externo?
Do ponto de vista geopolítico, todo mundo está vendo que nós passamos por um momento delicado, com tensões no Oriente Médio, uma guerra na Europa, uma polarização bastante importante entre Estados Unidos e China, independentemente de quem vença as eleições americanas. Tudo isso precisa estar no radar.
Mas do ponto de vista econômico, o risco de recessão foi um temor que durou 24 horas. Já vemos inflação sobre controle e a perspectiva de um pouso suave da economia americana. Então estamos bastante otimistas com o mercado americano.
O europeu já é mais sazonal e o crescimento depende de cada segmento, então é mais neutro. Agora, quando se fala em Ásia, aí é que o crescimento acontece.
Mesmo com a China podendo crescer menos?
Tem muita aposta contra a China há muito tempo. Eu não gosto de apostar contra a China, sendo bem honesto. A China é bastante coordenada em movimentos econômicos.
E é um país pouco endividado do ponto de vista público, apesar de ter bastante dívida no setor privado, e o chinês e o governo, eles têm a capacidade de, numa velocidade muito grande, fazer movimentos, como o que foi feito para retomar crescimento, mesmo com uma queda de quase 50% no setor de real estate.
Mesmo com essa queda, o país cresceu no ano passado 5,2%. E o partido colocou como meta para 2024 5% de crescimento, e está entregando. No meio do ano, está dentro do plano.
Há outros mercados emergentes aparecendo como proeminentes?
O que precisa entrar no radar, para quem trabalha, de novo, com mercados globais, é a Índia. A Índia pode ser o próximo motor da economia global nos próximos anos, substituindo a China, porque tem uma população equivalente, de quase um milhão e meio de pessoas.
Está crescendo 7% ao ano, e a expectativa é que, nos próximos 10 anos, continue crescendo 7% ao ano. Claro que vai depender muito de política pública. A Índia indica que pode ser um mercado consumidor importante nos próximos anos para muitos produtos.
E o Brasil? Como você vê o momento do mercado interno?
O Brasil também vem surpreendendo, do ponto de vista de crescimento. Estamos apontando de novo um crescimento que as projeções no início do ano eram abaixo de 2%, já se fala em alguma coisa em torno de 2,5% a 3% no Brasil.
Do ponto de vista de consumo, em função do aumento da renda média do trabalhador brasileiro e pela queda relevante do desemprego, vemos um crescimento dentro das nossas expectativas para mercados como bens de consumo e produtos que nós atuamos.
Agora, para qualquer empresa que investe, o desejo é de que se tenha, no longo prazo, uma taxa de juros mais palatável. A taxa de juros elevada em função da gestão fiscal machuca muito os negócios no longo prazo.
O índice de investimento no Brasil é muito baixo, fica abaixo de 20% seja no setor público ou privado, sendo uma das menores dos países da OCDE.
Precisamos reduzir a depreciação no país e isso vem com produtividade, capacitação de mão de obra e taxa de juros mais ajustadas com o que o empresário precisa para fazer os investimentos.