Vale: mercado aguarda ansioso participação da Cosan na gestão do negócio, mesmo sem conhecer planos (Germano Lüders/Exame)
Editora Exame IN
Publicado em 31 de março de 2023 às 19h07.
Última atualização em 31 de março de 2023 às 21h28.
A governança da Vale continua sendo alvo de ruídos, polêmicas e críticas. Depois de a lista de indicados para eleição do conselho de administração neste ano ter deixado parte do mercado contrariada e ter levado um dos membros, Mauro Cunha, a fazer um duro voto de protesto contra a seleção dos nomes, agora a agência de recomendação de votos ISS veio para confundir ainda mais. A eleição do novo conselho da mineradora vai ocorrer na assembleia marcada para 28 de abril.
A ISS recomentou voto contra para Luis Henrique Guimarães, presidente do grupo Cosan, a indicação mais aguardada dessa eleição e a única realmente celebrada por investidores. O motivo? Excesso de participação em conselhos. O que eles chamam de “overboarding”. Por ser presidente do conglomerado de Rubens Ometto, Guimarães compõe os conselhos das investidas ou controladas: Compass, Raízen, Rumo, Radar e suas subsidiárias. Mas, na visão da ISS, é muita coisa - ainda que quase simultâneamente ele tenha renunciado ao colegiado da Compass, e da controlada Comgás, e Rumo.
Curiosamente, Guimarães é o único dos indicados com experiência em gestão executiva de grandes empresas brasileiras. O ISS deu seu aval para todos os demais nomes, inclusive à presença de um presidente e um ex-presidente da Previ, mesmo que nenhum deles tenha tido grande experiência como administrador de companhias abertas.
Antes de seguir, algumas explicações: há dois anos, a Vale adotou um modelo de votação para conselho por lista e não mais por chapa. Quando um acionista participa da assembleia escolhe nome a nome e não mais um coletivo fechado como a maioria das sociedades por ações do Brasil adota. A ISS é uma empresa de serviço de voto para grandes fundos internacionais que, entre outras coisas, analisa a pauta das assembleias das empresas e recomenda como o investidor deve votar.
Apesar de todo questionamento para que as gestoras tenham políticas próprias e sejam ativas, a ISS ainda tem grande poder de influência. Imaginem uma BlackRock, com seus mais de US$ 10 trilhões sob gestão, tendo de analisar assembleias do mundo todo ou uma Vanguard, com seus US$ 8 trilhões. Valores muito abaixo disso já dão um grande trabalho e é essa onda que a ISS surfa. Além disso, muitos fundos estrangeiros sentem-se compelidos a votar de acordo com ISS, pois a discordância suscitaria questionamentos.
Por isso, a recomendação da agência causou grande incômodo no mercado, tanto entre investidores brasileiros quanto estrangeiros. "Sabemos e entendemos que eles precisam ter padrões para as análises, mas claramente faltou uma visão de todo. É uma recomendação de quem usa check list para avaliar governança, o que nunca funciona", comentou um analista da mineradora.
A governança da Vale é algo que ainda tem muito a melhorar. Analistas e investidores concordam, embora ninguém goste de assinar por escrito essa avaliação. O barulho em torno do assunto só não é maior por uma combinação de fatores que incluem desde os gordos dividendos que a companhia paga e deixa os acionistas satisfeitos – são dezenas de bilhões, e de dólares - até o seu tamanho, que dificulta que investidores montem posições relevantes o suficiente para tentar influenciar na gestão.
Avaliada em pouco mais de US$ 70 bilhões, a Vale é a maior empresa não só da B3, como de todo mercado latino-americano, à frente de Mercado Livre (US$ 65 bilhões) e de América Móvil (US$ 67 bilhões). Sozinha, suas ações representam mais de 15% da formação do Índice Bovespa, à frente da estatal Petrobras com seus 11% do indicador.
Os números tornam os planos da Cosan ainda mais ousados. Ometto, que não faz investimentos meramente financeiros ou passivos, comprou 1,5% do capital da mineradora e pode alcançar até 6,5%, ao longo dos próximos anos, se obtiver aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Não é por acaso que a aquisição foi desenhada para que ocorra de forma paulatina, o que dá tempo tanto para absorção do investimento total, como para uma leitura mais próxima do esforço necessário para melhorias. A preços atuais, trata-se de quase R$ 24 bilhões. O grupo montou uma estrutura financeira que protege seu balanço e não aumenta em excesso o passivo, fazendo com que os próprios dividendos da mineradora ajudem a pagar o investimento.
Desde que foi privatizada, a Vale nunca teve um empresário, com visão de longo (menos ainda de longuíssimo) prazo à frente da gestão. O primeiro a lá estar foi Benjamin Steinbruch, devido a um cruzamento societário com a CSN e, em seguida, a empresa foi gerida durante longos anos por um acordo de acionista entre Previ, BNDES, Bradespar e Mitsui (os mais relevantes) e ainda as fundações Petros e Funcef.
Em 2017, esses sócios acordaram em migrar a empresa para o Novo Mercado e pulverizaram o capital da mineradora na bolsa. Em 2020, o acordo de voto entre eles terminou de fato. Atualmente, os maiores acionistas são Previ (8,7%), Mitsui (6,3%), BlackRock (5,8%) e Capital World Investors (7,0%), mas sem nenhum vínculo que os una obrigatoriamente.
Foi por esse motivo que em 2021, antes da assembleia geral ordinária de acionistas, a empresa criou um comitê, que foi liderado por Pedro Parente, para propor uma governança nova. Criou-se, então, o sistema de lista para votos individuais. Passada a primeira eleição, a lista sugerida para a segunda votação prova - na opinião de diversas fontes ouvidas pelo EXAME IN - o que o mercado temia: a montagem do colegiado, em função do modelo individualizado de voto, segue a lógica de interesses pessoais, e não do interesse da companhia.
A lista completa de nomes tem, além de Guimarães: João Fukunaga e Daniel Stieler, presidente e ex-presidente da Previ, José Luciano Penido, Fernando Buso Gomes (Bradespar), Manuel Lino de Souza Oliveira, Marcelo Gasparino e Rachel Maia, que no ano passado foram indicados por um grupo de investidores de mercado, Shunji Komai (Mitsui), Vera Marie Inskter, Douglas James Upton e Paulo Hartung. Há uma renovação da ordem de 50%, considerada excessiva.
Houve um esforço do comitê de indicação, que selecionou os nomes, para fazer uma acomodação e com isso evitar que algum investidor solicite voto múltiplo – e não está claro porque o uso desse sistema seria assim tão prejudicial. Em especial porque o conselho, segundo analistas e investidores, não tem uma formação tão heterogênea e equilibrada como deveria, tanto em habilidades e conhecimentos, como de gênero. E, por fim, continua enorme. “São 12 membros, o conselho parece uma assembleia”, comentou o gestor de um fundo que tem participação na mineradora.
Desde que o acordo de acionistas acabou, o agregado da remuneração para os administradores aumentou 25%, saindo de um valor global de R$ 182 milhões para R$ 225 milhões - a proposta para 2023 repete o valor do ano passado.
A presença de um empresário no quadro societário e na gestão da Vale, na visão de analistas, se faz especialmente necessária porque a questão central do negócio é alocação de capital – mais do que eficiência, já que o minério de ferro da empresa é o de melhor qualidade no mundo, com o menor custo de produção, ou seja, que aguenta muito desaforo.
“A administração decide projetos que vão trazer retorno dentro de cinco a seis anos. Faz falta alguém que se importe com o negócio por um tempo longo”, defende um investidor que vê com bons olhos a chegada da Cosan ao capital da empresa. Em números: do início de 2019 ao fim de 2022, a Vale investiu quase US$ 19 bilhões, ou perto de R$ 100 bilhões.
Vem daí a ansiedade em torno da chegada da Cosan, que ao longo do tempo conquistou a confiança do mercado sobre sua capacidade de gestão, a despeito das críticas do passado sobre a governança de Ometto. Embora não monte posições financeiras, o conglomerado ainda não revelou se tem e quais seriam os planos para a Vale.
Em seu voto contrário à lista sugerida, Mauro Rodrigues da Cunha expõe seus motivos. Ex-gestor de recursos, com longo tempo de permanência em casas como Investidor Profissional, Bradesco Templeton e Mauá, Rodrigues da Cunha se transformou em conselheiro profissional e tem vasta experiência em companhias abertas, além de ser um ferrenho defensor de boas práticas de governança.
O administrador listou as seguintes razões para o seu não: incoerência entre a mensagem do Chairman no Relatório Anual, que indicava evolução positiva do colegiado, e a proposta que implica na renovação de 50% do conselho, pelo segundo ciclo consecutivo; inobservância de praticamente todas as premissas de trabalho acordadas entre o CIG [Comitê de Indicação e Governança] e o conselho de administração, tais como construção de plano sucessório, consideração do tenure [estabilidade] como parâmetro de renovação, contribuição individual dos conselheiros e condições de independência em sua essência; manutenção de um colegiado grande demais; inclusão de candidatos que jamais participaram de conselhos de administração; foco excessivo em “check the boxes” e na tentativa de evitar voto múltiplo, ao invés de recomendar o melhor colegiado para a Vale; ambiente condutivo à captura e groupthink, excluindo membros que desafiem o management e o colegiado, em oposição ao Comportamento-Chave de Diálogo Aberto e Transparente.
Tudo isso colocado assim às claras, mais a confusão da ISS, tornam o acompanhamento do resultado da assembleia de abril digno de novela: será que a Cosan conseguirá garantir sua participação? será que a abstenção aumentará? Quantos investidores vão se colocar como incapazes de decidir em uma empresa que depende tão somente das decisões desse coletivo de sócios, uma vez que não possui nem controlador, nem acionista de referência. Pelo menos, não ainda.