Freddy Vega, cofundador e CEO da Platzi: “Acredito que a comunidade de pessoas com interesses similares é o que segura estudantes em cursos online" (Platzi/Divulgação)
Karina Souza
Publicado em 6 de dezembro de 2021 às 14h00.
Última atualização em 6 de dezembro de 2021 às 14h59.
Ir à escola dos 5 aos 17 anos e emendar esse período com mais quatro (cinco, seis…) anos de faculdade. Pode parecer trivial, quase uma ordem natural das coisas, mas se trata de um privilégio no Brasil atual. Dados da OCDE de 2019 mostram que o país está atrás de todos os demais pares latino-americanos quando o assunto é quantidade de pessoas com diploma: tem cerca de 21% dos adultos de 25 a 34 anos com ensino superior, enquanto a Argentina tem 40%, o Chile, 34%, a Colômbia, 30% e o México, 24%. Para agravar esse cenário, a pandemia fez com que mais de 172.000 alunos deixassem o colégio só em 2020, tornando a educação brasileira a segunda mais afetada pela covid-19 na região. De olho no futuro de quem não pode pagar por uma graduação ou teve de abandoná-la, a startup Platzi se prepara para chegar ao Brasil em 2022. A promessa da companhia é fornecer educação de qualidade a preços baixos, para aumentar a empregabilidade e os ganhos de profissionais na América Latina. E, para isso, já captou 300 milhões de reais com a Prosus (ex-Naspers).
As edtechs estão, cada vez mais, disseminando o conceito de 'long life learning', ou seja, uma espécie de conceito de ensino continuado, no qual as pessoas estudam por um período mais curto, começam a vida profissional e seguem se desenvolvendo e se aprimorando. Vale tanto para quem vai à universidade, como para quem começa por uma formação mais técnica.
Fundada em 2014 na Colômbia por Freddy Vega e Christian Van Der Henst, a startup nasceu de uma oportunidade identificada a partir das consequências da recessão global de 2008 para ambos — que, até então, eram rivais em companhias que forneciam serviços para programadores. No ano seguinte à decisão de criar a empresa, quase nos primórdios do venture capital da região, já receberam um aporte da aceleradora Y Combinator (pela qual já passaram companhias como Airbnb, DoorDash, Coinbase, Twitch e Reddit) — sendo a primeira companhia latino-americana a ser investida por eles. Em 2018, a Platzi fez uma rodada série A liderada pela Foundation Capital (que investiu na Netflix) e, agora, acaba de fechar uma série B com a Prosus (ex-Naspers), que já investiu em outras companhias de educação, como a Udemy.
“Eu estava muito hesitante em fazer essa nova rodada de investimentos, mas quando vi a relação que a companhia tem com programadores, além do apoio a plataformas de educação na Índia e China, esse foi um grande diferencial”, diz Freddy Vega, CEO e cofundador da Platzi, ao EXAME IN. O principal atrativo da Prosus para a plataforma de educação está relacionado justamente a essa conexão que a companhia tem com a maior comunidade de programadores ao redor do mundo, a Stack Overflow, segundo Vega.
O aporte chega em um momento em que as startups de educação estão conquistando espaço na preferência daqueles que querem melhorar sua situação profissional sem necessariamente passar por uma universidade ou uma escola profissionalizante convencional. A oferta dessas empresas está, na prática, educando a população a respeito de uma nova forma de se preparar para o mercado de trabalho.
Além disso, o ano de 2021 tem sido especial para as startups da América Latina, que estão atraindo investimentos recordes de grandes fundos globais de venture capital. O Brasil e companhias da região que atuam no país têm espaço de destaque. Até outubro, o país já havia recebido 8 bilhões de dólares em aportes — mais que o dobro dos 3,7 bilhões de dólares de todo ano de 2020, de acordo com dados da Distrito. As empresas de educação estão em quarto lugar na preferência, à frente dos segmentos de agronegócios e saúde, por exemplo, e atrás apenas das fintechs e das startups dedicadas aos setores imobiliário e de varejo.
Num ambiente com tantas oportunidades, conseguir estabelecer uma oferta única e sair do estigma de educação online com vídeos gravados ou apenas com videochamadas pode ser um desafio, encarado com prazer pela Platzi. A companhia acredita que a própria oferta é sustentável ao longo do tempo porque tem uma abordagem diferente para a educação — descrita como “científica” por Vega. Para começar a entender o que isso quer dizer, a Platzi não contrata professores para ensinar aos alunos, mas apenas profissionais de mercado. Eles são treinados com uma metodologia desenvolvida pela companhia e seguem um roteiro montado por uma equipe de profissionais da Platzi para garantir que tenham didática suficiente para ensinar.
“Não é que eu acredite que professores são ruins. Muito pelo contrário, são ótimos e com certeza têm conhecimento de qualidade. O meu ponto é que, para pessoas que não têm acesso à educação de qualidade, o ambiente acadêmico pode ser desencorajador. Pessoas frequentemente não entendem muitos termos usados em aulas e podem desacreditar da própria capacidade a partir disso. Ou pensar que um curso de qualidade não é para elas. E isso vai contra o que queremos”, diz o CEO da empresa colombiana.
Para garantir que os alunos fiquem na plataforma, a companhia aposta na criação de comunidades, apoiada por algoritmos. A Platzi consegue identificar interesses similares de alunos, região em que estão e ritmo com que aprendem. A partir disso, reúne esses alunos em fóruns de discussão, para que possam trocar conhecimento. E tudo que é gerado ali pode virar um “tutorial” a ser acoplado ao conteúdo desenvolvido inicialmente por um profissional da área, garantindo que esteja sempre atualizado. Hoje, metade do conteúdo dentro da plataforma da Platzi é feito pela comunidade de estudantes.
Essa é a principal diferença da companhia para outras que oferecem cursos de qualidade, porém estritamente focados no público que já frequentou ambientes acadêmicos com mais frequência, como o Coursera, que traz cursos de universidades renomadas para estudantes — e teve 30 milhões de novas inscrições durante a pandemia, globalmente.
“Eu acredito que a comunidade de pessoas com interesses similares é o que segura estudantes em cursos online. Do contrário, eles podem se desinteressar rapidamente ou fingir que estão prestando atenção com a câmera fechada. Para mim, o maior exemplo de educação online atualmente está em esforços como o da GameStop”, comenta o empreendedor.
Outra motivação está nos dados que a empresa traz: 70% dos alunos que passaram pela Platzi conseguiram duplicar a própria renda e 20% empreenderam no ramo de tecnologia. Hoje, são pelo menos seis verticais de cursos: desenvolvimento e engenharia, negócios e empreendedorismo, design e UX (experiência de usuário a partir da tecnologia), conteúdo digital, marketing e soft skills. A ideia, com o aporte, é ampliar esse portfólio, focando em conteúdo em português.
Hoje, a Platzi tem 3 milhões de alunos. A companhia teve um crescimento acelerado, com 370.000 alunos em 2017, 600.000 em 2018 e 1 milhão em 2019. Com a maior busca por cursos online acelerada ao isolamento social, a companhia chegou à marca atual. Daqui para a frente, a meta é crescer para chegar a 25 milhões de estudantes dentro dos próximos três anos — sendo que mais da metade deles deve vir do Brasil.
A empresa já estuda o mercado brasileiro há alguns anos, a fim de identificar particularidades encontradas aqui em relação aos demais mercados. Entre essas particularidades, Vega explica que os estudantes do país, em geral, procuram por tópicos similares ao aprender tecnologia. Mas, por exemplo, o ensino de Java é muito procurado e muito popular por aqui — ao contrário das demais regiões.
“Além disso, o brasileiro não quer aprender em espanhol com legendas. Se for em inglês, tudo bem, especialmente para estudantes com mais de 20 anos. Pessoas mais novas não têm a barreira com o espanhol, mas percebemos que será necessário intensificar a produção de conteúdo local para atrair mais estudantes.”
Mesmo com um conteúdo totalmente adaptado, a companhia ainda enfrenta um desafio fundamental no país, que vai além da evasão escolar: o desemprego. No Brasil, dados do IBGE mostram que o país tem mais de 15 milhões de pessoas sem emprego (uma taxa de 12,6%), além de inflação de dois dígitos e perspectivas de estagflação. Para lutar contra esses fatores, o fundador da Platzi explica que a companhia tem atenção ao preço que vai cobrar para a assinatura dos serviços no país.
Atualmente, fora do Brasil, a assinatura anual custa cerca de 300 dólares. Mas, pelo câmbio atual, o propósito de trazer educação de qualidade às pessoas com renda menor poderia ficar comprometido, já que seria o equivalente a cerca de 1.650 reais. “Estudamos cobrar 399,90 reais por ano ou 39,99 reais por mês, mas ainda não temos esse valor completamente fechado”, diz o executivo. Para efeito de comparação, hoje, a assinatura da Netflix custa em torno de 39,90 reais (considerando o plano padrão que disponibiliza duas telas e resolução Full HD).
Se tudo der certo, o plano é consolidar a Platzi como uma das principais plataformas de ensino de tecnologia na América Latina. Vega afirma que a missão é transformar a região em uma economia baseada em conhecimento. “Temos um potencial incrível pela frente e precisamos focar em trazer conhecimento para que pessoas sejam capazes de ir além do código e criar coisas incríveis. O Nubank é um exemplo disso e acredito que é só o começo para o que podemos atingir. Meu sonho é que a América Latina seja tão representativa quanto a Índia consegue ser dentro do Vale do Silício, em tecnologia. E somos capazes disso”, diz.
Seu feedback é muito importante para construir uma EXAME cada vez melhor.