Universo digital: companhias que nasceram no mundo online podem estrear na B3 (Getty Images/Reprodução)
Graziella Valenti
Publicado em 8 de setembro de 2020 às 08h06.
Última atualização em 8 de setembro de 2020 às 09h14.
A onda de aberturas de capital deste ano tem uma novidade importante: empresas da nova era digital e que podem ser consideradas startups. É o caso da plataforma de artigos usados Enjoei, da empresa de cash back Méliuz, da Housi, o braço tecnológico da incorporadora Vitacon que faz gestão de imóveis para aluguel, e da empresa de vendas online de vinhos Wine (W2W E-Commerce).
É a primeira vez que companhias com esse perfil tentarão IPO por aqui. Das quatro, três têm entre os sócios fundos de venture capital ou private equity, como Monashees, Dynamo e Redpoint eventures, Península (do empresário Abilio Diniz) e EB Capital, entre outros.
Exceto pela Wine que está em um estágio um pouco mais avançado, todas devem fazer operações primária e secundária que podem movimentar entre 400 milhões de reais e 600 milhões de reais, se bem-sucedidas. A Wine é única com possibilidade de se aproximar de 1 bilhão de reais. Até agora, a B3 não era vista como ambiente para tais negócios, pois tradicionalmente apenas companhias de grande porte se candidatavam a listar ações no pregão.
Assim como os fundos de private equity já são os grandes fomentadores da atividade do mercado de capitais, os gestores de venture capital poderão também olhar para a bolsa seja como saída direta, seja como opção para um novo round de crescimento de suas investidas — isso no caso de tudo dar certo com essas transações.
O fortalecimento da bolsa como opção de saída para os fundos, que têm um período de aplicação e precisam desinvestir dos negócios para dar o retorno aos cotistas, é determinante também para o crescimento da indústria de private equity. “É natural que em momentos como esses existam distorções, mas esses ciclos são muito importantes para o desenvolvimento do mercado de forma geral”, aponta Piero Minardi, presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP).
Há alguns anos, a bolsa vinha estudando se deveria criar um espaço reservado para empresas de tecnologia para tentar fomentar essas operações. Outra iniciativa nessa direção — e para evitar companhias de grande porte do setor fizessem suas listagens na Nasdaq — foi a proposição da bolsa da criação de uma ação ordinária com super-voto como existe nos Estados Unidos. O avanço do tema, contudo, depende de modificação da Lei das Sociedades por Ações. Para atrair empresas de pequeno e médio porte, a B3 criou e reformou o Bovespa Mais. Nada disso, contudo, foi necessário no cenário de taxa Selic a 2% ao ano e grande liquidez de mercado.
Os fundos de private equity foram responsáveis por 56% das aberturas de capital realizadas na B3 desde 2009, conforme dados da própria bolsa. Nos últimos cinco anos, incluindo o primeiro semestre deste ano, esse percentual está na média em 48% — deve aumentar até o fim deste ano.
As companhias que passam antes por uma fase de investimento com fundos como sócios chegam, em geral, mais preparadas para o mercado, conforme Leonardo Resende, gerente de relacionamento com empresas da B3. “A convivência dos fundadores dos negócios com os fundos prepara para a vida como empresa aberta. Cria cultura de prestação de contas.”
Conforme levantamento realizado pela bolsa. Considerando setembro de 2009 como ponto de partida e o fim de junho de 2020 como data limite, as companhias do Índice Bovespa acumularam valorização de 64%. As companhias que fizeram IPO desde então somaram retorno de 214% e aquelas que estrearam na bolsa e tinha private-equity na base acionária, ganho de 430%. “Além de compartilhar conhecimento, os fundos ajudam na governança e na atração e seleção de bons executivos para os negócios, profissionalizando a gestão”, aponta Minardi.
A indústria de private equity era dominada pelos participantes estrangeiros até 15 anos atrás, lembra o executivo da ABVCAP. De lá para, junto com a atividade do mercado de capitais, houve um grande desenvolvimento local. Em 2011, o capital comprometido pelos fundos de private equity e venture capital no Brasil somava 63,5 bilhões de reais. Esse total terminou 2019 acima de 198 bilhões de reais — ou seja, o tamanho da indústria foi multiplicado por três. Esses valores não consideram os recursos que ainda estavam disponíveis para investimento ao fim de cada ano, que passou de 22,7 bilhões de reais para 44 bilhões de reais, nesse mesmo intervalo. Os dados são dos relatórios de acompanhamento de mercado realizado pela ABVCAP em conjunto com a KPMG. O total de participantes acompanhados saiu de 110 para 208, de 2015 a 2019.
Nos últimos cinco anos, o que chama atenção é a grande velocidade de expansão do mercado de venture capital — os fundos especializados em investir em companhias na largada ou ainda na fase inicial de seu desenvolvimento. No fim de 2019, o total de capital comprometido por essas carteiras era de 31,4 bilhões de reais, comparado há 5,4 bilhões de reais, ao fim de 2015. No fim do ano passado, esses fundos ainda tinham 5,1 bilhões de reais para investir.
Fernando Iunes, sócio da EB Capital e ex-Itaú BBA, destaca que essa movimentação na bolsa é positiva e ajudará o mercado a refletir melhor a economia real brasileira. Minardi, da ABVCAP, destaca também a relevância desse ponto: “A bolsa precisa refletir a economia e, no Brasil, isso não acontece ainda.”
Além disso, as operações e saídas dos fundos nesse momento vão auxiliar no próximo ciclo de investimentos, para que dentro cinco a seis anos, outras companhias possam vir ao mercado. “É um ciclo virtuoso.” Iunes destacou que o acesso à B3 também ajuda os fundos a dar um preço de mercado para as empresas aplicadas. “O IPO é o início, não é o fim do ciclo”, destaca ele. Trazer bons ativos é interessante para todos. Quando o fundo vende no mercado bons negócios, ajuda a construir sua reputação, o que é bom tanto para o próximo investimento quanto para a próxima venda.
Além das startups, há diversas empresas da longa fila de IPOs que têm fundos de private equity na sua base acionária. Está marcada para essa semana a estreia da rede de varejo de produtos para animais de estimação Petz, que hoje é controlada pelo Warburg Pincus. Mas a lista é grande e variada, e tem de empresas de logística como a Sequoia até companhias de petróleo, como a 3R Petroleum.
Minardi destaca que essas operações serão um teste importante para definir se o mercado brasileiro – do lado do investidor – está preparado para startups, empresas em fase acelerada de crescimento de receita, mas ainda sem lucro. São negócios que, até a fase de maturidade, ainda apresentarão muita volatilidade de resultados.
Iunes, da EB Capital, completa que é importante criar esse conhecimento do lado do investidor, para que o mercado brasileiro não seja apenas volumoso, mas ganhe profundidade, ou seja, tenha também diversos perfis de aplicadores.